O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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PANDEMIA E SOCIEDADE – NEGACIONISMO É GENOCÍDIO

Trump e Bolsonaro, negacionismo ostensivo, negacionismo disfarçado

2020-04-03

Alexandre Weffort

Acompanhar o desenvolvimento da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 obriga a um esforço de constante actualização dos dados. O caminho da pandemia, dos seus efeitos, é previsível. Todavia, por cautela imposta em razão da objectividade, vamos aferindo os dados que, infelizmente, confirmam as piores previsões.

Regressando à fonte de onde obtivemos o quadro do artigo anterior e actualizando os dados, sensivelmente três dias depois (a 31/03/2020, às 19:15h), obtemos o seguinte cenário:


Podemos constatar o crescimento exponencial da pandemia nos EUA, ultrapassando agora em quase 100 mil o número de casos apresentado pela China e já em mais de uma centena o número de mortos atribuídos à COVID-19 no território chinês. Este dado evidencia o fracasso da estratégia inicial seguida por Trump, inicialmente negacionista, que afirmava (como Bolsonaro) que a pandemia não teria impacto nos Estados Unidos que justificasse medidas mais fortes de isolamento social.

Mantemos na memória as declarações de Trump e Bolsonaro, as imagens do jantar entre ambos fartamente veiculadas pelos media internacionais e o facto de Bolsonaro ter levado, com a sua comitiva, a COVID-19 para o interior dos circuitos políticos brasileiros, para a sua própria equipa governamental. Passados poucos dias, o discurso de Trump altera-se dramaticamente: já consegue entender os cenários que todos conheciam, com as previsões de dois milhões de mortos nos EUA se nada fosse feito (se a estratégia negacionista se mantivesse). Agora Trump já afirma que se a fasquia se situar entre os 100 mil e os 200 mil mortos terão realizado “um óptimo trabalho”.

A afirmação de Trump vai ao encontro da que um responsável britânico havia proferido cerca de uma semana antes: “’Essa é a esperança. Para colocar em perspectiva, acredita-se que a gripe sazonal cause todos os anos seja cerca de oito mil mortes ou mais. Então, se conseguirmos ficar em 20 mil [mortes] ou menos seria um bom resultado’, afirmou [Patrick Vallance, consultor científico do governo britânico] durante uma audição pela Comissão Parlamentar de Saúde. ‘Claro que é horrível. É um número enorme de mortes’ acrescentou”. O mesmo guião seguiu Trump, multiplicando por dez. 

Os números da pandemia seguem a sua subida inexorável. A questão é saber se essa subida, previsível e anunciada, seria diferente se as políticas de saúde públicas tivessem sido outras, tanto a curto como a longo prazo. Ou seja, a curto prazo, se a estratégia de isolamento social tivesse sido seguida por todos logo que os casos se tornaram conhecidos naqueles países; e, a longo prazo, se os sistemas de saúde não tivesses sido sistematicamente sacrificados pela política económica neoliberal.

A estratégia de combate ao novo coronavírus define-se, no essencial, em função de uma opção na esfera ideológica: privilegiar a defesa da vida humana, antecipando medidas de contenção com elevados custos económicos, ou privilegiar a defesa do capital, dando primazia ao critério económico mesmo que com elevadas perdas em vidas humanas. Este último critério aparece defendido por países como a Holanda, os Estados Unidos ou o Brasil. A extrema mortalidade que a COVID-19 apresenta na Europa tem forte expressão demográfica: os idosos são as principais vítimas - pelo vírus e pelas estratégias seguidas (como vimos no discurso do governo holandês). E a razão economicista está na base dessa estratégia, como já em 2013 o ministro japonês Taro Aso afirmava: os “idosos doentes devem ‘morrer rapidamente’ para o bem da economia”.

Os laboratórios militares e os do agronegócio

Uma reflexão em torno da pandemia da COVID-19 coloca-nos questões a montante e a jusante. A montante, ficam dúvidas sobre o início da epidemia em Wuhan, da possibilidade aventada de ter uma causa não natural. Duas possibilidades se desenham: consequência de manipulação biológica de âmbito militar (são referidos casos de quebra de segurança em laboratórios militares norte-americanos, nomeadamente em Fort Detrick).

A questão, que nos remete para os meandros mais sórdidos da guerra biológica, aparece agora referida de forma expressa por um responsável do governo chinês que questiona: “O CDC [norte-americano] foi posto contra a parede. Quando o paciente zero começou nos EUA? Quantas pessoas estão infectadas? Quais são os nomes dos hospitais? Pode ter sido o Exército americano que levou a epidemia a Wuhan. Sejam transparentes! Tornem públicos os vossos dados! Os Estados Unidos devem-nos uma explicação!”.

A questão, segundo a notícia, levantada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian, em post publicado no dia 12 Março na plataforma Instagram, afirma que o “Exército dos EUA pode ter levado a nova doença do novo coronavírus (COVID-19) para a China”, algo que, a ser comprovado, obrigará a uma revisão profunda dos posicionamentos a nível global acerca desta “pandemia”, da possibilidade de esta estar originariamente vinculada a uma dimensão ideológica no relacionamento entre nações e constituir mais um elemento da guerra (também) comercial a que temos assistido, sempre que os interesses norte-americanos à esfera global são postos sob pressão (no caso, pelo crescimento económico da China).

No final do mesmo texto, lê-se: “Das revelações mais recentes ressaltaram falhas potencialmente graves nas principais instituições do governo. (...) Noutro caso divulgado este mês [Julho 2019], um laboratório CDC contaminou acidentalmente uma amostra de gripe relativamente benigna com uma perigosa cepa H5N1”. Desenvolvendo a questão, afirma a matéria publicada pelo New York Times que o “Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, financiado pela União Europeia, também expressou preocupação com a pesquisa da gripe afirmando: 'Incidentes recentes lembram-nos que acidentes de laboratório e fugas de laboratórios podem ocorrer com patógenos perigosos, mesmo que os mais altos padrões de segurança sejam aplicados.’ Concentrando-se especificamente no trabalho recente da Universidade de Wisconsin por Yoshihiro Kawaoka - que usou a engenharia genética para criar um vírus da gripe aviária semelhante ao que matou milhões de pessoas em 1918 - o centro europeu afirmou que os acidentes representariam um risco para os trabalhadores do laboratório e para o público. O dr. Kawaoka disse numa mensagem de e-mail que os acidentes no CDC eram ‘muito preocupantes’. Mesmo assim, disse, os estudos sobre gripe precisam de continuar porque ‘esses patógenos existem na natureza e podem ser usados como armas biológicas’”.

Assim, a correlação sequencial dos dados acima referidos apontam para a possibilidade de aquela fuga de material - agentes ou toxinas - estar relacionada com os eventos que se observaram em Wuhan e hoje assolam o Mundo. É certo que o presidente dos EUA nega que tenham sido militares norte-americanos a levar o vírus para a China, mas Trump negava até há bem pouco tempo a importância do facto, mesmo depois de a OMS ter declarado estarmos a chegar a uma situação de pandemia.

Outra hipótese que se coloca está também ligada a laboratórios de manipulação biológica norte-americanos, desta feita, associados ao agronegócio. Em 2016, o biólogo Rob Wallace editou um livro intitulado “Big farms make big flu” (ou seja, o papel do agronegócio no surgimento de novas epidemias de gripe). Considera Wallace que o vírus da gripe “parece usar as oportunidades encontradas num domínio ou escala para ajudá-lo a resolver problemas que enfrenta noutros domínios e noutras escalas”. Noutra passagem, diz Wallace: “A variação genética dentro de qualquer população local pode ser maior do que o que os organismos realmente expressam no campo. Um ambiente local pode seleccionar características consonantes com a expressão de apenas uma combinação genética limitada de um reservatório criptográfico maior. Quando o ambiente muda, no entanto, esse reservatório pode ser utilizado”.

Wallace aponta a relação com o agronegócio: “Numa espécie de guerra bioeconómica, o agronegócio pode prosperar quando cepas mortais de influenza originárias das suas próprias operações se espalham para a concorrência menor. Nenhuma teoria da conspiração precisa de ser aplicada. Nenhum vírus projectado em laboratório. Nenhum acto consciente de espionagem ou sabotagem. Em vez disso, temos aqui uma negligência emergente do risco moral que surge quando os custos da criação intensiva são externalizados. A opção financeira para esses surtos é rotineiramente escolhida por governos e contribuintes em todo o mundo”. Por fim, neste apontamento Wallace sublinha que “parte crescente da população mundial encontra-se exposta ao risco de acidentes em ‘laboratórios de biossegurança (BSL) que estudam algumas das doenças mais perigosas do mundo (...). A população que vive no campo pendular dos laboratórios da BSL-4 aumentou quatro vezes entre 1990 e 2012. Os campos abrangem quase dois por cento da população mundial, mas em virtude da infecciosidade qualquer patógeno escapado pode transformar-se em epidemia. O aumento da população em risco parece ser impulsionado em grande parte por um aumento nos laboratórios globais de BSL-4, de 12 em 1990 para 52 em 2012. (...  O efeito foi particularmente pronunciado para muitos BSL-4 recém-construídos na Ásia (...), mas aparentemente em outros lugares’: ‘Em 2010, novas instalações foram construídas em áreas densamente povoadas na Europa (Londres, Milão, Hamburgo) e na Ásia (Taiwan, Singapura).’ (…) “desde o 11 de Setembro, milhares de laboratórios BSL-3 e -4 foram construídos em todo o mundo para estudar patógenos, entre outros, que terroristas podem usar. Acidentes têm ocorrido nesses laboratórios com ‘regularidade alarmante’”. As duas hipóteses colocam em primeiro plano o problema da ganância como traço dominante do pensamento económico capitalista, traço que se sobrepõe ao critério humanista mais elementar: preservar a vida humana.

A contradição essencial da lógica capitalista

A contradição essencial é sublinhada no plano ideológico do respeito pela vida, respeito que se deve manifestar nos níveis individual e colectivo. A política neoliberal surge, tanto nos antecedentes como no auge da crise da pandemia, como o elemento constante de uma política económica que procura justificar uma forma de verdadeiro genocídio, em primeiro lugar dos idosos em qualquer país mas também dos estratos menos protegidos, em resultado da destruição do Estado social - consequência das políticas neoliberais que acompanham as crises do sistema capitalista mundial.

A defesa indispensável e inevitável de todos face à pandemia - o isolamento social - tende a provocar o enfraquecimento das relações sociais mais complexas, colocando o agregado imediato, aquele com que se partilha a residência, como único foco da existência. A confinação ao espaço doméstico, deixando como único recurso de socialização as redes virtuais, remete a sociedade para a busca da socialização na multidão de seres isolados. Promove o individualismo, patente na reacção epidérmica de açambarcamento verificada nos supermercados.

Se criação da “multidão de indivíduos isolados” era, até há bem pouco, considerada uma das consequências mais nefastas das redes sociais, hoje é à internet e a essa mesma consequência que se recorre para fazer face ao isolamento forçado pela pandemia. Resposta possível e necessária no imediato, mas com custos sérios a longo prazo - a comunidade mal começava a tomar consciência dos malefícios de um uso desregrado das tecnologias para cair, agora totalmente, na dependência desta.

Há, é certo, uma parcela considerável da humanidade que não detém condições de acesso à internet e, mesmo no chamado mundo desenvolvido, que não tem sequer acesso às condições mínimas de existência. Em relação aos “sem-abrigo”, nos Estados Unidos as autoridades da cidade de Las Vegas encontraram uma forma curiosa de lidar com o problema do distanciamento social nesta camada da sua população. A imagem publicada nos media é elucidativa:


O distanciamento social implica, por sua vez, a quebra das condições básicas da existência, gera a impossibilidade do trabalho e, como consequência a prazo, coloca em risco a subsistência de cada um. Daí que a manutenção desse distanciamento só pode ocorrer numa forma de organização da vida social que considere, na defesa da vida, também a defesa das condições de vida. Ou seja, onde a economia se subordine equilibradamente às necessidades de todos e de cada um.

Podemos entender as diversas posições políticas manifestadas em torno da pandemia e do isolamento social imposto como necessidade da comunidade e o recurso ao estado de emergência como instrumento jurídico, compreender a indignação do primeiro-ministro português perante a incapacidade de uma acção solidária por parte da União Europeia e, também em Portugal, a não aprovação pelo Partido Comunista da instauração do estado de emergência, abstendo-se na votação realizada na Assembleia da República para não deixar confundir aquela posição política com a sua posição em relação às medidas de isolamento social. O instrumento escolhido para condicionar os comportamentos sociais colocou, pela primeira vez em Portugal depois de Abril de 1974, em causa direitos essenciais da vida democrática conquistados na Revolução dos Cravos.

O estado de emergência, impedindo a circulação nos espaços públicos e condicionando fortemente o desempenho laboral, condiciona também as actividades políticas e sindicais, privando os trabalhadores das suas formas de defesa política. E será também nesse quadro que veremos o centro-direita a começar a difundir a ideia de que o país necessitará de um “governo de salvação nacional”. Caso extremo vemos surgir na Hungria, “onde a maioria parlamentar do partido Fidesz do primeiro-ministro Viktor Orban aprovou uma lei que estende indefinidamente o regime de emergência e concede poderes plenipotenciários ao Governo”, situação que já mereceu críticas ao nível da Comissão Europeia.

O clima de aparente marasmo e a circunstância de isolamento social generalizado são, no entanto, benéficos ao fascismo (que avançou recentemente tanto na Europa - com Stephen Bannon, o ideólogo de Trump que foi instalar-se em Itália, com os movimentos de ultra-direita a conquistarem maior capacidade eleitoral - como em outras zonas do globo, no exemplo paradigmático do Brasil). O fascismo, assim como o vírus, aproveita as oportunidades para se multiplicar e expandir.


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