PIRATARIA E SEQUESTRO EM CABO VERDE POR ORDEM DE WASHINGTON
2021-06-14
Alex Saab, enviado especial do governo da Venezuela para a União Africana, foi sequestrado e está detido há um ano em Cabo Verde por acção dos Estados Unidos e com base num documento da Interpol emitido já depois de ter sido feita a captura. Este caso de pirataria e sequestro, mantido à mão armada por um navio de guerra norte-americano ancorado ao largo das costas cabo-verdianas, não incomoda as sensíveis carpideiras sobre “direitos humanos”, tão prontas a dar sinais quando as violações são de outros azimutes.
Daniel Kovalik*, RT/O Lado Oculto
Há um ano que o empresário colombiano e enviado especial venezuelano Alex Saab está preso no arquipélago-nação de Cabo Verde, a cerca de 600 quilómetros da costa noroeste da África, no Atlântico.
Saab agora aguarda a extradição para os Estados Unidos sob alegada acusação de lavagem de dinheiro. Embora as acusações contra ele sejam de vulto, do que não existem dúvidas é que os Estados Unidos estão por detrás da perseguição. Também está claro que os Estados Unidos estão interessados em Saab não por causa de quaisquer supostos crimes, mas porque pode ser a chave da capacidade da Venezuela para navegar através das mortíferas sanções unilaterais impostas pelos EUA. Entretanto, a pequena nação de Cabo Verde é um peão no jogo imperial norte-americano.
Como informa um artigo da Bloomberg : “ Saab foi detido em 12 de Junho [2020] quando o avião particular em que viajava da Venezuela para o Irão fez uma escala para abastecimento de combustível na ilha cabo-verdiana do Sal”. O que o texto não menciona é que o avião da Saab foi forçado a aterrar em Cabo Verde porque duas outras nações vizinhas no continente africano, aparentemente sob pressão dos Estados Unidos, se recusaram a deixá-lo aterrar.
Curiosamente, os EUA não têm tratado de extradição com Cabo Verde. Além disso, embora as autoridades cabo-verdianas tenham alegado que Saab foi detido ao abrigo de um mandado válido da Interpol, um tribunal regional com sede na Nigéria concluiu que a detenção ocorreu antes do documento da Interpol ter sido emitido, levantando enormes preocupações sobre a validade da detenção e prisão do enviado venezuelano. Na verdade, este tribunal regional, o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, explicitamente “ determinou que Saab deveria ser libertado porque foi detido antes da emissão do Aviso Vermelho ”. E a Bloomberg acrescenta que “as decisões deste tribunal são finais e vinculativas segundo um protocolo de 1991. ”
Em 8 de Junho de 2021, a Comissão de Direitos Humanos da ONU também emitiu uma decisão com medidas preliminares exigindo que a extradição seja suspensa e que Saab, que sofre de cancro, receba os cuidados médicos necessários, que actualmente lhe são negados.
Em missão humanitária
Quando foi preso em Cabo Verde, Alex Saab, enviado do presidente Nicolás Maduro à União Africana, estava a caminho do Irão para negociar a troca de ouro venezuelano pelo tão necessário abastecimento de combustíveis. Devido às sanções dos EUA, a Venezuela, país rico em petróleo, não consegue obter os produtos químicos e suprimentos necessários para refinar o seu petróleo e transformá-lo em combustível fundamental para gerar eletricidade e transportar mercadorias através do país. Além dos combustíveis, Saab também estava a tentar negociar a compra de alimentos, medicamentos e outros suprimentos essenciais que se tornaram escassos devido às sanções norte-americanas.
Como foi explicado por Alena Douhan, Relatora Especial da ONU sobre o uso unilateral de medidas coercivas com influência nos direitos humanos:
“O endurecimento das sanções enfrentadas pelo país (Venezuela) desde 2015 mina ... a capacidade do Estado para manter as infraestruturas e implementar projectos sociais. Hoje, a Venezuela enfrenta falta de maquinaria, peças de substituição, electricidade, água, combustíveis, gás, alimentos e medicamentos. Os bens venezuelanos congelados em bancos dos Estados Unidos, Reino Unido e Portugal chegam a seis mil milhões de dólares. A compra de bens e os pagamentos por empresas públicas estão bloqueados ou congelados...”
Existem informações segundo as quais a rede de electricidade apenas pode funcionar actualmente com menos de 20% da sua capacidade.
Calcula-se que 90% das habitações estão ligadas ao sistema nacional de distribuição de água. Numerosas famílias, no entanto, relatam cortes frequentes por causa das rupturas de abastecimento de electricidade que afectam as bombas de água e a manutenção das infraestruturas, e também devido à falta de pessoal de manutenção qualificado. "
Saab parece ter competências para ajudar a Venezuela a contornar essas sanções - sanções que Douhan considera ilegais segundo o direito internacional - a fim de obter suprimentos humanitários cruciais; esta é a verdadeira razão do interesse dos EUA em obter a sua extradição.
De facto, um artigo do New York Times deixa isso bem claro. Explica que, embora os Estados Unidos tenham apresentado vagas acusações de lavagem de dinheiro contra a Saab, "as linhas-duras dos Departamentos de Justiça e de Estado, incluindo Elliot Abrams, o enviado especial do Departamento de Estado para o Irão e a Venezuela ", querem garantir sua detenção continuada em Cabo Verde para que não “percam a oportunidade de punir o Sr. Maduro”. O Times continua: “Os meses de detenção de Saab despojaram Maduro de um importante aliado e um grande operador financeiro num momento em que menos países estão dispostos ou são capazes de ajudar a Venezuela. Se Saab cooperar com as autoridades norte-americanas, pode contribuir para destrinçar a rede económica de apoio de Maduro e ajudar as autoridades a abrirem acusações contra outros aliados do governo venezuelano. ”
“Diplomacia da canhoneira”
E como tencionam os Estados Unidos a garantir o cumprimento de Cabo Verde neste processo? Recorrendo à antiquada “diplomacia de canhoneira”. Como explica o New York Times, os EUA ancoraram o cruzador da Marinha USS San Jacinto na costa de Cabo Verde para garantir que a Saab não escape de alguma forma. Embora as autoridades norte-americanas afirmem que procedem desta maneira como resposta às “ameaças” da Venezuela de tomar todas as medidas para proteger os direitos humanos de Alex Saab, a presença do navio armado parece calculada tanto para coagir Cabo Verde como para impedir alguma tentativa de resgate por parte da Venezuela ou do seu aliado, o Irão.
Deste modo, enquanto Saab permanece em prisão por tempo indeterminado, sofrendo de cancro sem ser tratado, por insistência dos Estados Unidos, Cabo Verde está a sofrer bullying às mãos dos EUA. As acções de Washington esse respeito nada mais são do que os últimos suspiros de um império em perigo e colapso iminente. Como tal, devem encontrar resistência.
*Professor de Direitos Humanos Internacionais na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh, Estados Unidos; é autor do livro recentemente lançado “Fim à Guerra: Como o Ocidente viola a legalidade internacional usando a intervenção ‘humanitária’ para promover interesses económicos e estratégicos”.