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A PANDEMIA, A ESTRATÉGIA IMPERIALISTA E A DEMOCRACIA

O encerramento súbito do laboratório biológico do Exército dos Estados Unidos, por detrás deste portão, pode ser uma pista importante para a origem do COVID-19

2020-03-21

Alexandre Weffort

A pandemia está declarada, dando origem a algum pânico. As consequências do coronavírus dominam as atenções e preocupações de todos... Ou quase todos, primando alguns pela indiferença e pela irresponsabilidade, na senda do negacionismo.

Origem do vírus, uma questão militar

A origem do vírus é motivo de controvérsia. Identificado primeiramente na cidade chinesa de Wuhan, surgem indícios de ter tido origem em outras paragens. São alinhadas correlações de eventos: naquela cidade chinesa realizaram-se, entre 18 e 27 de Outubro de 2019, os Jogos Militares Mundiais, na sua 7.ª edição, mobilizando muitos voluntários: “Os Jogos recrutaram 236 mil voluntários. Desse total, 210 mil residem na cidade e vêm de todos os estratos sociais, incluindo líderes e pioneiros ao nível nacional, regional e municipal, além de estudantes universitários e estrangeiros.” 

A hipótese tem como indício a pesquisa de uma bióloga evolucionista, Kristian Andersen, que «analisou sequências do 2019-nCoV para tentar esclarecer a sua origem (...) Andersen publicou a sua análise de 27 genomas disponíveis do 2019-nCoV em 25 de Janeiro num site de pesquisa em virologia. Isto sugere que têm um “ancestral comum mais recente” - significando uma fonte comum - desde 1 de Outubro de 2019.” 

Segundo L. Romanoff, professor na Universidade de Fudan, em Xangai, trabalhos autónomos de cientistas chineses (da China Continental e de Taiwan) e japoneses concluíram que “existem diferentes variedades e mutações do novo coronavírus, inclinando-se para a conclusão de que todas elas apenas estão presentes nos Estados Unidos, país onde deve procurar-se o verdadeiro ‘paciente zero’ da pandemia em curso. Salienta o virologista e farmacologista de Taiwan que a localização geográfica com maior diversidade de linhagens do novo coronavírus é certamente a fonte original, porque um derivado não surge do nada”. E essa localização geográfica é o território norte-americano. Por outro lado, a “cadeia de televisão japonesa Asahi, entretanto, deu conta de um relatório científico nipónico que, de forma autónoma, afasta igualmente a hipótese de o início ter sido em Wuhan, colocando-o antes nos Estados Unidos. O estudo defende que algumas das 14 mil mortes de cidadãos norte-americanos atribuídas à gripe comum resultaram, de facto, de infecção pelo novo coronavírus”, e a existência de mortes inicialmente atribuídas à gripe comum foram, na verdade, provocadas pelo coronavírus, como reconheceu recentemente o director do CDC norte-americano, Robert Redfield.

Segundo Romanoff, fica aberta a necessidade de se explicar por quê os Estados Unidos são o único país onde existem as cinco variedades conhecidas do novo vírus. De acordo com este autor, “países como a China, Tailândia, Coreia do Sul, Vietname, Singapura, Reino Unido, Bélgica ou Alemanha têm apenas uma espécie. E não é, em todos os casos, a mesma variedade. A da Coreia do Sul e de Taiwan é diferente da detectada na China, mais infecciosa mas menos mortal. As do Irão e de Itália também são diferentes das outras e entre si, o que significa que tiveram origem noutras fontes”. Romanoff segue as conclusões do virologista taiwanês, o qual “cita o caso de um grupo de japoneses que viajaram para o Hawai em Setembro de 2019 e que regressaram infectados ao seu país sem nunca terem estado na China”. 

Uma notícia publicada em 24 de Novembro, no site Military.com, informa que “O principal laboratório biológico do Exército [dos EUA] em Fort Detrick relatou duas violações de contenção no início deste ano, levando o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) a interromper a pesquisa de alto nível” . Para nos situarmos melhor, “violações de contenção” significa fuga de material que não deveria escapar dos laboratórios. A referência a “pesquisa de alto nível” remete-nos para o nível de perigosidade da situação. Diz ainda a notícia: “As duas violações relatadas pela USAMRIID ao CDC demonstraram uma falha do laboratório do Exército em implementar e manter procedimentos de contenção suficientes para conter agentes ou toxinas selecionados que resultaram de operações nos laboratórios de biossegurança 3 e 4, de acordo com o relatório. Os níveis 3 e 4 de biossegurança são os níveis mais altos de contenção”.

Aquela notícia havia sido trazida a público pelo New York Times já a 4 de Agosto, antecedida de outra notícia, publicada a 19 de Julho , onde se lê: “Os erros recentemente documentados em laboratórios federais, que envolvem antraz, gripe e varíola, incitaram indignação pública à forma como o governo lida com organismos patogénicos perigosos. Mas os episódios foram apenas uma pequena fracção das centenas que ocorreram nos últimos anos numa vasta rede de laboratórios académicos, comerciais e governamentais que operam sem padrões ou supervisão nacionais claros, mostram relatórios federais”. 

No final do mesmo texto lê-se: “As revelações mais recentes realçaram falhas potencialmente graves nas principais instituições do governo. (...) Noutro caso divulgado este mês [Julho 2019], um laboratório CDC contaminou acidentalmente uma amostra de gripe relativamente benigna com uma perigosa cepa H5N1”. Desenvolvendo a questão, afirma a matéria publicada pelo New York Times que o “Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, financiado pela União Europeia, também expressou preocupação com a pesquisa da gripe, afirmando: ‘Incidentes recentes lembram-nos que acidentes de laboratório e fugas de laboratórios podem ocorrer com organismos patogénicos perigosos, mesmo que os mais altos padrões de segurança sejam aplicados.” Concentrando-se especificamente no trabalho recente da Universidade de Wisconsin realizado por Yoshihiro Kawaoka - que usou a engenharia genética para criar um vírus da gripe aviária semelhante ao que matou milhões de pessoas em 1918 – o organismo europeu afirmou que “os acidentes representariam um risco para os trabalhadores do laboratório e para o público. O Dr. Kawaoka disse numa mensagem de e-mail que os acidentes no CDC eram ‘muito preocupantes’. Mesmo assim, afirmou, os estudos sobre gripe precisam de continuar porque ‘estes organismos patogénicos existem na natureza e podem ser usados como armas biológicas’”.

Assim, a correlação sequencial dos dados acima referidos apontam para a possibilidade de aquela fuga de material - agentes ou toxinas - estar relacionado com os eventos que se observaram em Wuhan e hoje assolam o Mundo. É certo que o presidente dos EUA nega que tenham sido militares norte-americanos a levar o vírus para a China, mas Trump negava até há bem pouco tempo a importância do facto, mesmo depois de a OMS ter declarado estarmos a chegar a uma situação de pandemia (e, na cola negacionista de Trump vimos surgir Bolsonaro, o qual, chegado de um encontro com Trump e tendo hoje 15 elementos da sua comitiva infectados com COVID-19, permitiu-se violar a quarentena a que estava obrigado e participar numa manifestação no espaço público cumprimentando várias pessoas).

Comportamentos políticos e estratégia imperialista

Há um padrão comportamental nítido (ao nível de figuras políticas da mais alta responsabilidade) revelador da sua impreparação cívica, da sua falta objectiva de capacidade para estar nas funções que lhes incumbe o estatuto de chefes de Estado. E esse padrão comportamental - o seu negacionismo irresponsável, no qual são seguidos pelo chefe do governo britânico, Boris Johnson - coloca em risco as populações dos seus países e aqueles com que mais directamente se relacionam. Esse padrão comportamental retira qualquer credibilidade às suas afirmações e, voltando à questão do laboratório militar norte-americano, à negação da possibilidade de terem sido os próprios militares norte-americanos a levar (inadvertidamente ou não) o vírus para Wuhan. A possibilidade, apontada a 23 de Fevereiro passado pelo Diário do Povo, em Pequim, e reforçada em intervenção pública por um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, adquire cada vez maior plausibilidade.

A Humanidade sofre, com esta pandemia, um violento choque a nível da saúde pública, a nível económico e também político. Sofre com as medidas necessárias de contenção, essencialmente a imposição de um regime geral de quarentena a centenas de milhões de pessoas. Regimes de excepção, autênticos “estado de sítio”, são paulatinamente impostos como necessidade de saúde pública. O clima de medo, decorrente da pressão mediática e do modo como as autoridades públicas vão conduzindo a informação sobre a pandemia apresenta dois vectores de sentido oposto: o medo incutido pela exploração mórbida e insistente dos casos, comum na grande imprensa e presente também nas redes sociais, e o medo decorrente da ausência de informação credível sobre uma realidade efectivamente perigosa, onde o negacionismo de Trump, Johnson e Bolsonaro campeia.

O negacionismo, colocado perante as evidências, dá lugar à política inversa. Boris Johnson, que seguia uma estratégia de criação de “imunidade de grupo”, com 60% da população britânica infectada, mudou de discurso: “Em vez de procurar alcançar a imunidade de grupo, o primeiro-ministro britânico anunciou agora a necessidade de ‘deter o contágio’, antes de este ‘esmagar o NHS’, o serviço nacional de saúde do Reino Unido. (...) Um estudo do Imperial College de Londres sobre o impacto da pandemia e a partir de dados sobre o surto em Itália previa, se nada fosse feito, 510 mil mortos no Reino Unido e 81 por cento da população atingida. Após incluir no estudo as medidas adoptadas pelo Executivo, o número previsto de mortes diminuía para metade, ascendendo ainda assim a 250 mil óbitos, além de um sistema de saúde completamente submergido, cenário que terá feito Johnson arrepiar caminho”, mas em inversão impressionantemente tardia.

Qual a razão para esse aparente desnorte? A resposta encontra-se na estratégia política e militar norte-americana, mais especificamente na doutrina de choque, como elucida a jornalista Naomi Klein em entrevista publicada no site Vice, no passado dia 13 de Março , sob o título “Coronavírus é o desastre perfeito para o ‘capitalismo de desastres’”. Nessa entrevista, Klein afirma que “estas são as condições perfeitas para os governos e a elite global implementarem agendas políticas que, de outra forma, seriam enfrentadas com grande oposição se não estivéssemos todos tão desorientados. Esta cadeia de eventos não é exclusiva da crise desencadeada pelo coronavírus; é o esquema que políticos e governos seguem há décadas, conhecida como ‘doutrina do choque’”. O conceito aparece já em 1998 num documento da Rand Corp., instituição de investigação ligada à força aérea norte-americana, com o título “Cuba and Lessons of Others Communist Transitions”, onde o conceito de “choques externos imprevistos” são tidos como aceleradores de mudanças políticas num conceito de mudança sistémica que considera os objectivos de intervenção em “três categorias principais: pré-condições estruturais, aceleradores e liderança”.

Diz Naomi Klein: “A história é uma crónica de ‘choques’ - os choques de guerras, desastres naturais e crises económicas - e suas consequências. Este resultado é caracterizado pelo 'capitalismo de desastre’, 'soluções’ calculadas e de livre mercado para crises que exploram e exacerbam as desigualdades existentes”. Klein diz que “já estamos a observar o capitalismo de desastre acontecer no cenário nacional norte-americano: em resposta ao coronavírus, Trump propôs um pacote de estímulo de 700 mil milhões de dólares que incluiria cortes nos impostos sobre a folha de pagamento (o que devastaria a Segurança Social) e prestaria assistência a indústrias que percam negócios como resultado da pandemia”. Medidas semelhantes no quadro da União Europeia não serão meras coincidências.

E a democracia?

Como dado complementar, neste quadro de crise global em que as populações perdem acesso às suas formas habituais de participação social - não esquecer que a necessidade de resguardo pessoal implicou, desde logo, a anulação prática dos direitos de reunião e de manifestação, por exemplo - a NATO insiste em realizar exercícios militares em larga escala na Europa. Num momento em que são restringidos os direitos fundamentais, entre eles o de circulação das pessoas, a Europa terá a presença de milhares de militares norte-americanos. Mau prenúncio para a saúde das democracias europeias, para o qual há que estar alerta.



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