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PORQUE A NATO DESTRUIU A LÍBIA HÁ DEZ ANOS

A operação "humanitária" do terrorismo colonial da NATO na Líbia

2021-03-30

Embora o Pentágono tivesse já decidido destruir todas as estruturas estatais do Médio Oriente alargado, país por país, apenas a urgência financeira explica porque a vez da Líbia tenha chegado em 2011, numa altura em que o país era aliado de Washington. O velho colonialismo imperial recorreu mais uma vez ao poder militar com o objectivo de travar os esforços africanos para cortar amarras e dependências, principalmente através da criação de um mercado único e de uma moeda única que pusesse fim ao reinado regional do dólar e do franco CFA. O poder financeiro líbio iria sustentar essas transformações; por isso a Líbia pagou (e está a pagar) o preço às mãos do terrorismo colonial da NATO.

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Foi há dez anos, em 19 de Março de 2011, que as forças dos Estados Unidos e da NATO iniciaram o bombardeamento aeronaval da Líbia. A guerra foi dirigida pelos Estados Unidos, em primeiro lugar através do Comando África (AfriCom), depois pela NATO sob comando norte-americano. Em sete meses, a aviação Estados Unidos/NATO efectuou 30 mil missões, das quais dez mil de ataque com 40 mil bombas e mísseis. A Itália - com o consenso multipartidário do Parlamento (e o Partido Democrático na primeira fila) – participou na guerra com sete bases aéreas (Trapani, Gioia del Colle, Sigonella, Decimomannu, Aviano, Amendola e Pantelleria); com caças-bombardeiros Tornado, Eurofighter e outros; com o porta-aviões Garibaldi e outros navios de guerra. Ainda antes da ofensiva aeronaval já tinham sido financiados e armados na Líbia sectores tribais e grupos islamitas hostis ao governo, além de terem sido infiltradas forças especiais, sobretudo do Qatar, para propagar os confrontos armados no interior do país.

Assim foi demolido o Estado africano que, como documentou o Banco Mundial em 2010, mantinha “altos níveis de crescimento económico”, com um aumento anual do PIB de 7,5%, e registava “elevados indicadores de desenvolvimento humano”, entre os quais o acesso universal à instrução primária e secundária e uma frequência universitária de 40%. Apesar das disparidades, o nível de vida médio na Líbia era mais elevado do que nos restantes países africanos. Cerca de dois milhões de imigrantes, na sua maioria africanos, encontravam trabalho no país. O Estado líbio, que possui as maiores reservas petrolíferas de África, além de outros recursos de gás natural, limitava as margens de lucro às empresas estrangeiras. Graças à exportação energética, a balança comercial líbia tinha um excedente anual de 27 mil milhões de dólares. Com estes recursos, o Estado líbio tinha investido cerca de 150 mil milhões de dólares no estrangeiro. Os investimentos líbios em África eram determinantes para o projecto da União Africana de criar três organismos financeiros: o Fundo Monetário Africano, com sede em Yaoundé (Camarões); o Banco Central Africano, com sede em Abuja (Nigéria); e o Banco Africano de Investimento, com sede em Tripoli. Estes organismos teriam servido para criar um mercado comum e uma moeda única em África. 

Os bancos atacaram primeiro

Não foi por acaso que a guerra da NATO para demolir o Estado líbio começou menos de dois meses depois de a cimeira da União Africana ter dado luz verde, em 31 de Janeiro de 2011, à criação do Fundo Monetário Africano nesse mesmo ano. Provam-no os e-mails da secretária de Estado da administração Obama, Hillary Clinton, dados a conhecer posteriormente pelo site WikiLeaks: os Estados Unidos e a França pretendia eliminar Khadaffi antes que este utilizasse as reservas de ouro da Líbia para criar uma moeda pan-africana alternativa ao dólar e ao franco CFA (a moeda imposta pela França a 14 das suas ex-colónias). O que é demonstrado pelo facto de os bancos terem entrado em acção antes que os bombardeiros o fizessem em 2011: sequestraram 150 mil milhões de dólares investidos no estrangeiro pelo Estado líbio, grande parte dos quais desapareceu. Nessa grande rapina destacou-se o Goldman Sachs, o poderoso banco de negócios norte-americano do qual foi vice-presidente Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, actual primeiro-ministro não eleito de Itália.

Hoje em dia, os mecanismos de exportação energética foram usurpados por grupos de poder e pelas transnacionais, numa situação caótica de confrontos armados. O nível de vida médio da população líbia caiu vertiginosamente. Os imigrantes africanos, acusados de serem “mercenários de Khadaffi”, foram aprisionados até em gaiolas para animais, torturados e assassinados. A Líbia tornou-se a principal via de trânsito, controlada pelos traficantes de seres humanos, de um caótico fluxo migratório para a Europa que provocou bastantes mais vítimas que a guerra de 2011. Em Tawerga, as milícias islamitas de Misrata apoiadas pela NATO (as que assassinaram Khadaffi) cumpriram uma verdadeira limpeza étnica, obrigando 50 mil cidadãos líbios a fugir sem quaisquer possibilidades de regresso. Por tudo isto é responsável também o Parlamento italiano que, em 18 de Março de 2011, encarregou o governo de “adoptar todas as iniciativas (isto é, a entrada em guerra da Itália contra a Líbia) para assegurar a protecção das populações da região”.

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