OS RUSSOS E OS CHINESES VÊM AÍ!...
2020-07-09
Os colonialistas saem do sério quando os progressos da descolonização alteram o status quo em que se julgavam eternizados. As alterações nos contextos da Ásia Central – na perspectiva da integração euroasiática – e a nova lei de segurança de Hong Kong, por exemplo, evidenciam os efeitos descolonizadores das estratégias internacionais de potências como a Rússia e a China. Daí que a Europa, depois de olhar por cima para a Ásia como “o Extremo Oriente”, tenha agora dificuldade em aceitar-se como previsível “Extremo Ocidente” da Ásia
Pepe Escobar, Asia Times/O Lado Oculto
Na Rússia, 78% acabam de votar o apoio às emendas constitucionais.
Entre estas encontra-se a principal obsessão atlantista: a possibilidade de Vladimir Putin concorrer a mais dois mandatos presidenciais.
Previsivelmente, lamentos angustiados de "Ditador! Ditador!" foram lançados como projécteis mortíferos a partir de toda a classe política de Washington.
Lamentos esses que poderão até silenciar os ecos do último relatório de imprensa da CIA entregue ao New York Times, baseado em “informações "anónimas” e sem nenhuma evidência ou prova de que a Rússia pagou recompensas aos Talibã afegãos para matar soldados norte-americanos.
Uma manchete astuta no Washington Post - o veículo da CIA/Jeff Bezos (dono da Amazon) - abriu o jogo: "Os únicos que desmentiram as informações sobre as recompensas russas: os Talibã, a Rússia e Trump".
Os medíocres cairão facilmente nesta. A mensagem é clara.
Ninguém se importa com a guerra sem fim no (e contra o) Afeganistão. A única coisa que interessa é se Trump sabia há meses destas informações por que razão o Conselho de Segurança Nacional não descarregou outro Himalaia de sanções contra a Rússia.
Em caso de dúvida, pergunte-se à presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, uma destacada habitante do pântano de Washington, que abriu as hostilidades com sua famosa observação: "Com ele, todos os caminhos levam a Putin. Eu não sei o que os russos têm com o presidente (Trump), política, pessoal ou financeiramente".
Ray McGovern - que sabe uma ou duas coisas sobre a CIA - desmascarou completamente o plano da CIA. E incluiu no acto uma avaliação essencial de Scott Ritter - que sabe uma ou duas coisas sobre a " inteligência" dos EUA a partir da sua experiência como ex-inspector de armas da ONU no Iraque:
"Talvez a maior pista sobre a fragilidade do relatório do New York Times esteja contida na única frase que fornece sobre as fontes: ‘Diz-se que a avaliação da inteligência é baseada, pelo menos em parte, em interrogatórios de militantes e criminosos afegãos capturados’. Essa frase contém quase tudo o que é preciso saber sobre a inteligência em questão, incluindo o facto de a fonte da informação ser muito provavelmente o governo afegão, conforme relatado através dos canais da CIA".
Não é de admirar que o Kremlin tenha descartado o assunto pelo que ele é: "uma ação pouco sofisticada". E a fina e sofisticada diplomacia russa captou a mensagem: o enquadramento de Trump, mais uma vez, como um agente russo.
Um porta-voz dos Talibã acrescentou um delicioso toque de maldade: "Nós" temos conduzido "o assassínio de alvos" durante anos "com os nossos próprios recursos".
Qualquer pessoa familiarizada com o pântano do Afeganistão sabe que se Moscovo quisesse fazer o inferno contra os norte-americanos poderia facilmente abastecer os Talibã com mísseis de superfície e terra-ar - e acabar com essa guerra sem fim num piscar de olhos.
A Rússia simplesmente não precisa de expulsar os Estados Unidos do Afeganistão. Assim como as bases norte-americanas, como a de Bagram, estão de olho em tudo o que acontece na intersecção estratégica entre a Ásia Central e o Sul da Ásia, também a Rússia, a China e a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) estão de olho nos norte-americanos.
O que a OCX pretende é elaborar um plano de paz afegão realista - um trabalho já em andamento - mediado por asiáticos, incluindo Índia, Paquistão e os observadores da OCX, Irão e Afeganistão.
A diplomacia russa também identifica claramente os danos colaterais do plano da CIA - na verdade, uma tentativa de Russiagate 2.0 mas com um timing perfeito.
Tudo o que Putin e Trump estavam a negociar - o mercado petrolífero, o controlo de armas, o G7 e, claro, o Afeganistão - está agora em estado de espera. O único "vencedor" parece ser o sonho molhado - hostil - da NATO de instaurar uma relação de forças capaz de frustrar o projecto de integração da Eurásia liderado em conjunto pela China e pelo "pivot da Rússia para a Ásia".
Enquanto isso, em Hong Kong...
A guerra híbrida do Deep State (Estado profundo norte-americano) contra a Rússia, uma frente implacável, prossegue agora em conjunto com a guerra híbrida contra a China.
Deste modo, gritos de profundo desespero tiveram de ser novamente emitidos em todo o espectro da NATO quando, 23 anos após a devolução de Hong Kong, a região administrativa especial (RAE) da China começou finalmente a ser descolonizada de facto.
O texto completo da Lei de Segurança Nacional de Hong Kong recebeu o selo de aprovação do Presidente Xi Jinping apenas algumas horas antes da meia-noite de 30 de Junho - exactamente 23 anos após a devolução.
O artigo 9º é particularmente interessante: sublinha a necessidade de "reforçar a comunicação pública, a orientação, a supervisão e a regulamentação sobre assuntos relativos à segurança nacional, incluindo os relacionados com as escolas, as organizações sociais, os media e a Internet".
Se os media e as redes sociais forem libertadas em Hong Kong, os quinta- colunistas irão revoltar-se, como acontece no quadro de qualquer revolução colorida e como fizeram durante os "protestos" no ano passado, incluindo os black blocs. Agora, nos termos da nova lei, é uma questão de ser-se responsável ou, de outra forma, incorrer em grandes problemas legais.
A nova Lei de Segurança Nacional em Hong Kong trata tanto de impedir a sedição – e as tácticas de guerra híbrida – como de esmagar a lavagem de dinheiro por personagens perigosos do continente. Não há nada de extraordinário no facto de Hong Kong passar a ter a partir de agora uma legislação com um amplo alcance extrajudicial.
Os Estados Unidos concedem-se o privilégio de ser extrajudiciais conforme lhes convém. Tomemos como exemplo o caso de Julian Assange, que enfrenta a extradição para os Estados Unidos pelo "crime" - cometido fora do território norte-americano - de trabalhar como publicista.
O caso de Assange, repleto de torturas psicológicas infligidas por lacaios britânicos numa prisão de alta segurança apta para terroristas, reduz a cinzas toda a histeria norte-americana sobre Hong Kong.
E depois há os chamados líderes europeus que, em uníssono, estão a condenar a China por causa da "deplorável" lei de segurança.
O falecido e grande Gore Vidal disse-me em Londres, em 1987, que no futuro a Europa seria uma mera e inconsequente loja. Agora a Europa está de facto aterrorizada com a possibilidade de, mais cedo ou mais tarde, se limitar a ser o Extremo Ocidente Asiático.
Falemos portanto da vingança da História em relação àqueles que designaram a Ásia como "o Extremo Oriente".