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COVID-19 ENGORDA AS FORTUNAS DOS SUPER-RICOS

2020-05-01

Alan Macleod, MintPress/O Lado Oculto   

Um novo relatório do Instituto de Estudos Políticos dos Estados Unidos revela que enquanto dezenas de milhões de norte-americanos estão a perder os seus empregos como consequência da pandemia do novo coronavírus a elite dos super-ricos do país aumentou o seu património líquido em 282 mil milhões de dólares em apenas 23 dias. Isto acontece apesar de as previsões económicas admitirem uma contracção de 40% no trimestre em curso.

O mesmo relatório informa que que entre 1980 e 2020 – quarenta anos de domínio absoluto das correntes neoliberais – as obrigações tributárias dos multimilionários norte-americanos, avaliadas em termos de percentagem da sua riqueza, desceram 79%. Durante os últimos trinta anos, acrescenta o documento, a riqueza multimilionária nos Estados Unidos cresceu mais de 1100% enquanto a riqueza média das famílias aumentou apenas cinco por cento. Em 1990, a riqueza total em poder da classe multimilionária dos Estados Unidos era de 240 mil milhões de dólares; actualmente esse valor é de 2,95 biliões (milhões de milhões) de dólares. Deste modo, os multimilionários norte-americanos alcançaram nas últimas três semanas uma acumulação de riqueza superior à registada antes de 1990. Como resultado, apenas três pessoas – o CEO da Amazon Jeff Bezos, o co-fundador da Microsoft Bill Gates e Warren Buffet, da Berkshire Hathaway – possuem tanta riqueza como a totalidade das famílias da metade menos favorecida da sociedade.

Uma “oligarquia moderna”

O relatório do Instituto de Estudos Políticos revela a existência de “uma oligarquia moderna onde os super-ricos conquistaram os poderes legislativo e executivo, controlando as leis que vão sendo aprovadas”. O documento aborda uma nova realidade que designa “indústria de defesa patrimonial” através da qual os multimilionários “pagam milhões para evitar biliões em impostos”, contando para isso com equipas de contabilidade, advocacia, lobby e gestão de activos que os ajudam a esconder as suas escandalosas fortunas, designadamente em paraísos fiscais.

Em contrapartida, os programas sociais têm sido prejudicados, regista-se uma diminuição dos padrões de vida e até uma constante queda da esperança de vida – um cenário raramente visto na história com excepção de eras de fome ou de grandes guerras. Poucos são os cidadãos norte-americanos que acreditam em melhores condições de vida para os seus filhos. E as estatísticas sugerem que têm razão.

Onde entra a “filantropia”

Os multimilionários fazem teatrais doações de fracções do que deveriam pagar em impostos em gestos que suscitam um máximo de publicidade na comunicação social corporativa. Alimentam uma imagem muito positiva de si próprios contando com a colaboração dos principais meios de comunicação – generosamente gratificados para o efeito. Uma investigação publicada em Dezembro passado pelo website MintPress revelou que Bill Gates doou mais de nove milhões de euros ao jornal britânico Guardian, mais de três milhões à NBC Universal, mais de 4,5 milhões à NPR, um milhão de dólares à Al-Jazeera e 49 milhões a programas de acção mediática da BBC. Outros, como é o caso de Bezos, preferem comprar as próprias organizações de comunicação social, alterando as linhas editoriais no sentido da lealdade inquestionável ao novo proprietário.

O reforço da riqueza bilionária norte-americana acelerou-se em pleno colapso económico, sem precedentes nos tempos mais recentes; nas últimas cinco semanas, 26,5 milhões de norte-americanos entraram no desemprego e o número continua a aumentar a ritmo acelerado. Enquanto os super-ricos se escondem nas suas mansões e iates, os cerca de 60 milhões de norte-americanos considerados “trabalhadores essenciais” têm de arriscar as suas vidas para manter a sociedade em funcionamento, mesmo que muitos deles nem sequer consigam chegar a ganhar tanto como o subsídio de desemprego recentemente aumentado. Muitos dos trabalhadores mal remunerados, como os de supermercados, por exemplo, já adoeceram e morreram. Uma mãe de uma trabalhadora com 27 anos do Maryland, que contraiu o COVID-19 e morreu recentemente, recebeu o último salário da filha: 20,64 dólares. 

Também os trabalhadores da Amazon, que estão directamente vinculados a Jeff Bezos, arriscam as vidas em troca de salários escassos. Um terço dos funcionários da Amazon no Arizona, por exemplo, estão inscritos no programa social de cheques-refeição porque os salários são tão baixos que não dão para se alimentarem. O escandaloso contraste exposto pelo COVID-19 entre os super-ricos e o resto dos cidadãos representa os dois lados da mesma moeda: a razão pela qual as pessoas que trabalham a tempo integral não conseguem comprar casa ou mesmo comer é a mesma pela qual pessoas como Bezos acumulam mais riqueza que muitas nações. A solução de Jeff Bezos para matar a fome dos seus trabalhadores foi a de criar uma instituição de caridade e pedir doações públicas para tentar minorar o seu desespero.

Hoje acontece que muitos jovens millennials, a maioria deles impedidos de realizar o tão apregoado “sonho americano”, sejam tentados a preferir o socialismo ao capitalismo, devido à visão sombria que têm deste. Perante as últimas informações, segundo as quais a camada bilionária continua a engordar nestes tempos de intenso sofrimento humano e económico dificilmente mudarão de opinião.


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