VÍRUS EXPÕE OS FIASCOS DA UNIÃO EUROPEIA
2020-04-12
Pilar Camacho, Bruxelas; com EUObserver/O Lado Oculto
Em 25 de Janeiro, poucas semanas antes de a Europa se transformar no epicentro da pandemia de COVID-19, a agência da União Europeia encarregada de alertar para o perigo de doenças infecciosas considerava que os Estados membros estavam em condições para atacar um surto logo que os casos fossem detectados. O desenvolvimento dos acontecimentos revela, mais uma vez, que a União Europeia é um fracasso absoluto em termos de protecção social e da saúde dos cidadãos dos Estados membros.
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), cuja designação é tirada a papel química do seu congénere nos Estados Unidos, tem como principal missão identificar, avaliar e comunicar ameaças actuais e emergentes à saúde humana decorrente de doenças infecciosas. Para isso, cerca de 280 pessoas trabalham na agência, com sede em Estocolmo, Suécia, no quadro de um orçamento anual de 60 milhões de euros. Os seus pareceres são formulados, supostamente, para promover e apoiar as respostas sanitárias necessárias na União Europeia e nos Estados membros.
No dia 25 de Janeiro, quando o SARS-Cov-2 circulava já de maneira alarmante na China, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Taiwan, o ECDC declarou que “mesmo que haja muitas coisas desconhecidas sobre o 2019-nCoV, os países europeus têm as capacidades necessárias para prevenir e controlar um surto assim que os casos são detectados”.
Escassos dias depois, ainda antes de terminar o mês de Janeiro, França anunciou os seus primeiros casos confirmados. Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, essa capacidade de detecção em França “era uma prova do alto nível de preparação para prevenir e controlar possíveis infecções pelo 2019-nCov”.
Antes do final do mês de Março, isto é, menos de oito semanas depois, o número de mortes causadas pelo novo coronavírus crescia diariamente aos milhares, a pandemia avassalava o norte de Itália, onde 1,2 milhões de pessoas foram submetidas a confinamento na Lombardia e o presidente francês, Emmanuel Macron, proferiu um discurso de alarme no qual usou seis vezes a frase “estamos em guerra” em menos de 20 minutos.
Afinal falta quase tudo
Nessa mesma altura, no dia 27 de Março, a Comissão Europeia informou o Parlamento Europeu da existência de trágicas carências de equipamento médico e materiais de protecção para combater a pandemia.
Marcos Sefcovic, comissário europeu para as “relações e previsão interinstitucionais”, revelou ao Parlamento Europeu em Bruxelas – praticamente vazio – que afinal eram necessários mais de 200 milhões de máscaras faciais e 30 milhões de ventiladores “semanalmente durante pelo menos três meses”. Tão grave como o conteúdo da comunicação é o facto de a Comissão Europeia não estar segura da validade dos números apresentados pelo comissário cerca de 87 dias depois de a China ter revelado um surto grave de uma doença infecciosa das vias respiratórias.
Steven Blockmans, especialista do Centro de Estudos de Política Europeia, com sede em Bruxelas, afirmou ao website EUObserver que o ECDC falhou na essência das suas funções. “Essa é oficialmente a agência da União Europeia que tem como objectivo fortalecer as defesas da Europa contra doenças infecciosas e, no entanto, não deu qualquer aviso prévio desta crise”, disse.
O ECDC, em mensagem por correio electrónico dirigida ao mesmo website, reafirmou, porém, a posição de 25 de Janeiro, que considerou fundamentada nas melhores provas disponíveis na altura – embora sem especificar de que evidências se tratava nem como foram obtidas.
Segundo a análise da situação em finais de Janeiro feita pela agência europeia, a prevenção e o controlo do COVID-19 eram viáveis. O cenário alterou-se, ao que parece, com uma pesquisa efectuada em princípios de Março. “Embora exista uma rede robusta de laboratórios bem equipados nos países da União Europeia, na última pesquisa efectuada no início de Março os laboratórios comunicaram escassez de kits para testes, reagentes, equipamentos de protecção e de pessoal devido ao grande aumento da procura”, afirma a agência na sua comunicação.
Mais um rotundo fracasso das instituições europeias perante a crise de saúde pública que se abateu sobre o continente. Uma falha mais numa sucessão de falhas reveladoras de que a União Europeia está muito mais preparada para exigir dos cidadãos do que para protegê-los. A realidade já tinha ficado visível na recusa de solidariedade a Espanha e a Itália quando estes países pediram a activação do mecanismo comum de protecção civil; na incapacidade para optimizar os recursos humanos e materiais disponíveis de acordo com a geografia das necessidades; e na dramática saga das “ajudas” financeiras – arrancadas a ferros, ínfimas e sobre as quais já paira a tradicional contrapartida da austeridade.