O MUNDO EM ESTADO DE CHOQUE

2020-03-09
José Goulão, com Pilar Camacho (Bruxelas), Lourdes Hubermann (Berlim) e Martha Ladesic (Washington); Exclusivo O Lado Oculto
Os centros de decisão políticos, económicos e financeiros à escala global parecem ter entrado em estado de choque devido aos efeitos conjugados de uma lentidão da economia que vem de trás e da expansão contínua da epidemia de coronavírus (COVID-19), a que se juntou, nas últimas horas, uma queda a pique do preço do petróleo e das principais bolsas de valores.
Os analistas económicos e financeiros não têm tido mãos a medir para avaliar a sucessão de acontecimentos, por detrás da qual está indiscutivelmente o pânico generalizado com o surto de coronavírus, de facto mais intenso que os efeitos reais da doença registados até agora. Efeitos dramáticos, é certo, mas que estão ainda objectivamente distantes das consequências de outras pandemias, designadamente a de 2009, que provocou 579 mil mortos.
O coronavírus causou, até ao momento, cerca de 3800 mortos – um pouco mais de 700 fora da China – e cerca de 110 mil infectados.
O efeito do petróleo
No imediato, a queda acelerada das bolsas de valores é uma reacção directa às perdas acentuadas do preço do barril de petróleo depois de um desacordo total sobre estratégia futura registado na chamada OPEC+ (Plus), a Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
A principal divergência registou-se entre dois dos maiores produtores, Arábia Saudita e Rússia, na última reunião da organização. Os Estados membros da OPEC+ não chegaram a acordo sobre a maneira de estabilizar a produção em baixa, principalmente porque Moscovo anunciou a sua intenção de não continuar a manter os níveis actuais. A parte russa alega que enquanto manteve os cortes na produção outros países, principalmente os Estados Unidos, aumentaram a sua quota de mercado. Washington, que ocupa actualmente o primeiro lugar entre os produtores, recusa por sistema qualquer corte na produção.
Na falta de um acordo a nível da OPEC+ a Arábia Saudita fez saber que vai aumentar a produção, o que provocou imediatamente uma baixa acentuada dos preços para o nível médio dos 32 dólares por barril. Analistas do Goldman Sachs admitiram que a descida possa chegar aos 20 dólares por barril no caso de se manterem as divergências entre os principais produtores. De momento o petróleo está, portanto, a cerca de um terço do valor médio que tem vindo a registar-se nos últimos tempos.
O efeito coronavírus
As flutuações dos preços dos produtos petrolíferos e o surto de coronavírus estão interligados.
O relatório mensal da Agência Internacional de Energia (AIE) publicado segunda-feira em Bruxelas revela uma quebra acentuada no consumo de energia decorrente da crescente desaceleração de actividades provocada pelo coronavírus.
Segundo as actuais previsões da AIE, a procura mundial de petróleo registará este ano uma quebra de 90 mil barris por dia quando as estimativas anteriores davam conta de um aumento de 825 mil barris por dia. A procura anual mundial vai diminuir pela primeira vez desde 2009.
A causa principal é a redução de consumo na China, país responsável por 80% da subida global em 2019. No entanto, a descida na Europa será de 200 mil barris por dia, contra 90 mil na América. À escala da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) a quebra na procura será de 240 mil barris por dia.
O facto de a Arábia Saudita estar a anunciar o aumento da produção, conjugado com as recusas russa e norte-americana de não fazerem cortes, potencia os efeitos da quebra acentuada da procura prevista pela AIE, contribuindo tudo no sentido de uma baixa acentuada dos preços.
As previsões da AIE suscitadas pelo surto de coronavírus combinadas agora com as divergências que explodiram no interior da OPEC+ colocam os mercados petrolíferos em choque e, por inerência, os mercados financeiros.
Segunda-feira negra
Um analista asiático qualificou o dia 9 de Março como “uma segunda-feira negra” para os mercados bolsistas.
Apesar de falar sem ter ainda em consideração o panorama global, uma vez que as bolsas asiáticas são as primeiras a operar, a sua observação confirmou-se em pleno.
A Ásia e a Oceania abriram a semana com fortes quedas: 7,3% no índice de referência da Austrália, 5% no Japão e 3% em Xangai, uma descida mais mitigada porque a China parece em contra corrente, uma vez que começam a confirmar-se resultados animadores no combate ao coronavírus.
A Europa confirmou e aumentou as descidas a pique: 7% em Londres, 7,61% na Alemanha, 6,5% em França, 6,3% em Espanha e 10,2% em Itália – o epicentro da manifestação agressiva do vírus.
Não admira, por isso, que a Bolsa de Nova York tenha sido encerrada temporariamente depois de uma queda abrupta de 7% logo na abertura. Ao cabo de um dia turbulento, o índice Dow Jones registou uma perda de dois mil pontos, o maior colapso desde Dezembro de 2008.
“Trata-se basicamente de uma venda por pânico criado pela forte queda nos preços do petróleo”, comentou Peter Cardillo, economista-chefe de mercado da Spartan Capital Securities de Nova York citado pela agência Reuters. “Há muito medo nos mercados e, se os preços do petróleo continuarem em queda, isso é uma indicação de que uma recessão global não estará longe”, acrescentou Cardillo.
Nestes seus comentários o analista passou por cima do efeito coronavírus. No entanto, na semana passada a OCDE calculou que um surto grave da doença é susceptível de reduzir o crescimento económico global entre 0,5 e 1,5%.
Estes acontecimentos sucedem-se num ambiente comunicacional caracterizado pelas mais catastrofistas previsões em relação à evolução do coronavírus, geradas sobretudo nos Estados Unidos mas que têm continuação na Europa.
De acordo com o website Business Insider, numa apresentação feita perante a Associação Norte-Americana de Hospitais o médico James Lawler, do Centro Médio da Universidade de Nebraska, previu que o coronavírus irá atingir 96 milhões de pessoas nos Estados Unidos (25%) da população, provocando 4,8 milhões de hospitalizações e 480 mil mortos.
Este quadro não é, apesar de tudo, compatível com a realidade registada na China durante o dia de segunda-feira, onde foram registados 40 novos casos e 22 mortos – números que confirmam a travagem da propagação que se tem verificado, de maneira consistente, durante os últimos dias.