O G7 E A ANGÚSTIA DA RELEVÂNCIA PERDIDA
2021-06-13
Pepe Escobar, Asia Times/O Lado Oculto
A próxima reunião do Grupo dos Sete (G7) na Cornualha pode ser vista, em princípio, como o encontro peculiar da “America is Back” com a “Global Britain”.
O quadro geral, porém, é muito mais delicado. Três cimeiras consecutivas - G7, NATO e EUA-UE - abrirão o caminho para o que se espera que seja um momento de ansiedade: a cimeira Putin-Biden em Genebra, que certamente não será um reinício.
Os interesses controladores que estão por detrás do holograma que dá pelo nome de "Joe Biden" têm uma agenda clara e abrangente: arregimentar as democracias industrializadas - especialmente as da Europa - e mantê-las de pé a combater as "malignas" Rússia e China, as "autoritárias ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos”.
É como voltar àqueles dias tão estáveis da Guerra Fria dos anos setenta, com James Bond lutando contra demónios estrangeiros e os Deep Purple subvertendo o comunismo.
Bem, os tempos estão a mudar. A China está muito ciente de que agora o Sul Global “é responsável por quase dois terços da economia global, em comparação com um terço do Ocidente: na década de setenta era exactamente o contrário”.
Para o Sul Global - ou seja, a esmagadora maioria do planeta - o G7 é amplamente irrelevante. O que importa é o G20.
O acordo de elevado investimento entre Pequim e a União Europeia, que levou sete anos a ser negociado, está agora em causa no meio das preocupações da UE com os direitos humanos na China.
A China, a superpotência económica em ascensão, pertence ao Sul Global e é líder no G20. Apesar de todos os seus problemas internos, os membros da UE no G7 - Alemanha, França e Itália - não podem dar-se ao luxo de antagonizar Pequim em termos económicos, comerciais e de investimento.
Um G7 lançado como uma cruzada sinofóbica não terá seguidores - nem mesmo o Japão; nem mesmo os convidados especiais da Cornualha: a potência tecnológica da Coreia do Sul, a Índia e a África do Sul (ambos membros do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a quem é mostrada a cenoura pendurada de um possível alargamento do número de membros.
A ofensiva de pensamento positivo e relações públicas de Washington resume-se a vender-se como o primus inter pares do Ocidente, como um líder global revitalizado. Que o Sul Global não está a comprar essa estratégia pode concluir-se olhando o que aconteceu nos últimos oito anos. O G7 - e especialmente os norte-americanos - simplesmente não conseguiram responder à ampla estratégia de comércio/desenvolvimento pan-euroasiática da China, a Belt and Road Initiative – Iniciativa Cintura e Estrada (ICE).
A “estratégia” norte-americana seguida até agora - diabolização 24 horas por dia, sete dias por semana da Belt and Road como uma “armadilha de dívidas” e máquina de “trabalho forçado” - não foi suficiente. Agora, um pouco tarde demais, chega um esquema do G7 envolvendo “parceiros” como a Índia, para “apoiar”, pelo menos em teoria, vagos “projectos de alta qualidade” em todo o Sul Global.
Esta é a Iniciativa Clean Green (Verde Limpo), focada no desenvolvimento sustentável e na transição verde, a ser discutida nas cimeiras do G7 e EUA-UE.
Comparada com a Belt and Road, a Clean Green Initiative dificilmente se qualifica como uma estratégia geopolítica e geoeconómica coerente. A Belt and Road foi aceite e é parceira de mais de 150 Estados-nação e organismos internacionais – o que inclui mais da metade dos 27 membros da UE.
Os factos no terreno contam a história. A China e a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) estão prestes a fechar um acordo de “parceria estratégica abrangente”. O comércio entre a China e os países da Europa Central e Oriental, também conhecido como o grupo 17 + 1, incluindo 12 países da UE, continua a aumentar. A Rota da Seda Digital, a Rota da Seda da Saúde e a Rota da Seda Polar continuam a avançar.
Portanto, o que resta são rumores ocidentais sobre vagos investimentos em tecnologia digital - talvez financiados pelo Banco Europeu de Investimentos, com sede no Luxemburgo - para cortar o “alcance autoritário” da China no Sul Global.
A cimeira UE-EUA pode lançar um “Conselho de Comércio e Tecnologia” para coordenar as políticas de 5G, semicondutores, cadeias de suprimentos, controlos de exportação e regras e padrões de tecnologia. Um reparo amável: a União Europeia e os Estados Unidos simplesmente não controlam este ambiente complexo. Precisam muito da Coreia do Sul, Taiwan e Japão.
Espere um momento, senhor Cobrador
Para ser justo, o G7 pode ter prestado um serviço público a todo o mundo quando os seus ministros das Finanças aprovaram um suposto acordo “histórico” no dia 5 de Junho em Londres sobre um imposto global mínimo de 15% para as empresas multinacionais.
O triunfalismo esteve em alta - com elogios intermináveis à "justiça" e à "solidariedade fiscal" em conjunto com notícias realmente desagradáveis para diversos paraísos fiscais.
Bem, isto é um pouco mais complicado.
Esse imposto tem sido discutido aos níveis mais altos da OCDE em Paris há mais de uma década - especialmente porque os Estados-nação perdem pelo menos 427 mil milhões de dólares por ano em evasão fiscal praticada por empresas multinacionais e vários multimilionários. Em termos do cenário europeu, esse valor nem mesmo inclui a perda de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) por fraude – uma coisa a que a Amazon, entre outros, se dedica alegremente.
Não é de admirar, portanto, que os ministros das Finanças do G7 tivessem a Amazon na mira, praticamente com o valor de 1,6 biliões (milhões de milhões). A divisão de computação em nuvem da Amazon deve ser tratada como uma entidade separada. Neste caso, o grupo de megatecnologia terá de pagar mais impostos corporativos em alguns de seus maiores mercados europeus - Alemanha, França, Itália, Reino Unido - se o imposto global de 15% for ratificado.
Então, sim, trata-se principalmente da Big Tech - grandes especialistas em fraude fiscal e lucrando com paraísos fiscais localizados até mesmo no interior da Europa. Vejam-se os casos da Irlanda e do Luxemburgo. A forma como a União Europeia foi construída permitiu que a competição fiscal entre os Estados-nação se agravasse. Discutir isso abertamente em Bruxelas continua a ser um tabu virtual. Na lista oficial de paraísos fiscais da UE não se encontram o Luxemburgo, a Holanda ou Malta.
Então será que tudo isto foi apenas um golpe de relações públicas? É possível. O maior problema é que no Conselho Europeu, onde os governos dos países membros da UE discutem as suas questões, o assunto tem-se arrastado durante longo tempo – e mais ou menos tudo delegado na OCDE.
Na forma como tudo está, os pormenores sobre o imposto de 15% ainda são vagos – apesar de saber-se que o governo dos Estados Unidos está para sair como o maior vencedor porque suas multinacionais têm transferido lucros massivos para todo o planeta, de modo a evitar os impostos corporativos no país.
Além disso, ninguém sabe se, quando e como o negócio será aceite e implementado globalmente: poderá ser uma tarefa de Sísifo. Pelo menos voltará a ser discutido no G20 em Veneza, em Julho.
O que pretende a Alemanha
Sem a Alemanha não teria havido um avanço real no Acordo de Investimento UE-China no final do ano passado. Com uma nova administração nos Estados Unidos, o negócio está novamente paralisado. A chanceler Merkel é contra a dissociação económica China-UE - tal como os industriais alemães. Será um prazer assistir a este sub-assunto no próximo G7.
Resumindo: a Alemanha quer continuar a expandir-se como potência comercial global usando sua grande base industrial, enquanto os anglo-saxões abandonaram completamente sua base industrial para abraçar a financeirização não produtiva. E a China, por sua vez, quer negociar com todo o planeta. Adivinhe-se quem é o jogador outsider?
Considerando o G7 como uma reunião de facto da nação hegemónica com as suas subordinadas, também será um grande prazer observar a semântica que vai ser praticada. Que grau de “ameaça existencial” será atribuído a Pequim - especialmente porque para os interesses por detrás do holograma “Biden” a verdadeira prioridade é o Indo-Pacífico?
Esses interesses não estão minimamente preocupados com um anseio da União Europeia por mais autonomia estratégica. Washington determina sempre as suas ordens sem se dar ao trabalho de consultar Bruxelas.
Portanto é disto que trata este Triplo X de cimeiras - G7, NATO e UE-EUA: a potência hegemónica recorrendo a todos os recursos para conter/assediar o surgimento de uma potência em ascensão ao mobilizar as suas satrapias para "combater" e, assim, preservar o “Ordem internacional baseada em regras” projectada há mais de sete décadas.
A História diz-nos que isto não vai funcionar. Apenas dois exemplos: os impérios britânico e francês não conseguiram parar a ascensão dos Estados Unidos no século XIX. Mais pertinente ainda, o eixo anglo-americano apenas conteve a ascensão simultânea da Alemanha e do Japão pagando o preço de duas guerras mundiais, a destruição do império britânico e a reafirmação da Alemanha como a potência líder na Europa.
Estas circunstâncias devem dar ao encontro da “America is Back” com a “Global Britain” na Cornualha o estatuto de uma mera e peculiar nota de rodapé histórica.