NATO VAI CRIAR UM BANCO PARA A GUERRA

2021-01-27
Se algum país da NATO, Portugal, por exemplo, tiver dificuldades em cumprir as despesas militares exigidas pela aliança isso vai deixar de ser um problema: a NATO está em vias de criar o seu próprio banco. Deste modo, se não houver dinheiro nos cofres de um Estado membro para se equipar com os apetrechos de guerra impostos pela Aliança Atlântica, o Banco da Aliança Atlântica financiará essas compras e depois os cidadãos desse país farão os respectivos reembolsos de mais essa dívida externa e com os juros que o próprio banco definirá. A ideia partiu de Washington, precisamente dos bastidores da administração Biden, porque “as despesas da aliança têm de ser partilhadas”. Desde logo, e certamente, em tempos de economias esfaceladas pela pandemia.
Manlio Dinucci, Roma; Il Manifesto/O Lado Oculto
Em Agosto de 2020 a NATO encomendou a dois antigos colaboradores de John Kerry no Departamento de Estado norte-americano um estudo justificando a criação de um banco para a Aliança Atlântica. Os convidados apresentaram um primeiro relatório ao Conselho do Atlântico, onde foi discutido pelos membros da aliança, e um segundo documento ao Centro para o Progresso Americano, onde foi adoptado pela equipa do presidente Joseph Biden. As suas fundamentações evoluíram entre os dois textos de maneira a convencer os dirigentes norte-americanos. Barack Obama lançou a financeirização da ecologia; Biden adoptará a financeirização da defesa.
O porta-aviões italiano Cavour, depois de ter sido reestruturado nos estaleiros militares de Tarente de maneira a poder embarcar os caças F-35 B de descolagem curta e aterragem vertical, está prestes a deslocar-se para os Estados Unidos. O anúncio foi feito pelo adido militar da embaixada italiana em Washington, pormenorizando que a partir de meados de Fevereiro será colocado na base de Norfolk, na Virgínia, para obter as qualificações que lhe permitirão participar em “operações conjuntas” com a Marinha e o Corpo de Marines dos Estados Unidos. Prepara-se, deste modo, a participação do navio almirante da Marinha italiana em missões da NATO em longínquos teatros de guerra e sob o comando dos Estados Unidos.
Tudo isto tem custos, seja em termos políticos ligando cada vez mais a Itália à estratégia de guerra Estados Unidos/NATO, seja em termos económicos. O porta-aviões Cavour custou 1300 milhões de euros; os F-35 B para a Marinha custam 1700 milhões de euros. Juntemos a estes valores as despesas operacionais: um dia de navegação do Cavour custa 200 mil euros e uma hora de voo de um F-35 está calculada em mais de 40 mil euros. Os outros F-35 B comprados pela Itália ficam à disposição da Força Aérea, juntando-se a 60 F-35 A com capacidade nuclear.
Mas há ainda um problema: em 2019 a Itália lançou outro porta-aviões, o Trieste, que deverá embarcar um número de caças F-35 B superior ao do Cavour. Por isso, deverão ser adquiridos por um custo total ainda mais elevado. Para se equipar com estes armamentos – e outros – a Itália tem de aumentar as suas despesas militares. Os 26 mil milhões anuais actuais não chegam; é preciso passar pelo menos para 36 mil milhões de euros anuais, como estabelece a NATO e já foi lembrado pelo novo presidente democrata Joe Biden.
Custos não são problema
Mas onde encontrar fundos numa situação de crise como esta que se vive hoje? Eis a ideia genial embalada pelo Centro para o Progresso Americano, um dos mais influentes think tanks de Washington, ligado ao Partido Democrata: que a NATO crie o seu próprio banco para resolver as “lacunas financeiras”. Dito por ouras palavras, uma vez criado o banco, os países da Aliança Atlântica que não disponham de meios financeiros para se armar de acordo com as exigências da aliança podem recorrer a empréstimos concedidos pela própria NATO através da sua própria instituição financeira. Não haverá, por isso, qualquer problema para a Itália ou outro Estado membro da aliança: se não tiver, por exemplo, quaisquer 10 mil milhões de euros para aumentar as suas despesas militares anuais o Banco da NATO resolverá o assunto a taxas de juro não divulgadas. Mas a Itália e os outros Estados membros acumularão, deste modo, uma nova e crescente dívida externa com um organismo controlado pelos Estados Unidos, que detém o comando da aliança.
Na sua apresentação do projecto, o citado think tank sublinha que a administração Biden vai restaurar imediatamente os seus compromissos com a NATO e “impulsionar o reforço da aliança”, em primeiro lugar para “defender a Europa da agressão russa”. Daí a necessidade de “a NATO criar o seu próprio banco para investir nas capacidades militares fundamentais”. Entre estas estão, seguramente, os F-35 da grande empresa armamentista norte-americana Lockheed Martin que, entre outros colossos da indústria de guerra, será o principal beneficiário do Banco da NATO. Por exemplo, o banco financiará a compra de outros F-35 B para a Marinha italiana pagando à Lockheed Martin os milhares de milhões de dólares que os cidadãos italianos irão reembolsar com juros, através de dinheiros públicos.
Além destas, há ainda outras funções que o Banco da NATO deverá assegurar. “Investir nas estruturas com dupla utilização”: as pontes que permitirão aos pesados veículos blindados de guerra circular entre o Oeste e o Leste da Europa e as redes de comunicação 5G, que têm igualmente uso militar. Isto é, fornecer aos países e regiões “uma alternativa em relação à de se dirigirem a bancos de rivais da NATO, como a China e a Rússia”.
O Banco da NATO terá, em geral, a função de “aumentar a capacidade da aliança para enfrentar os desafios financeiros do conflito”, porque “qualquer esforço militar significativo depende da capacidade económica e financeira”.
A mensagem aos aliados europeus é clara: “O financiamento da aliança não pode ser unicamente uma responsabilidade norte-americana, deve ser uma responsabilidade partilhada”. Eis, nas suas linhas essenciais, o projecto de Banco da NATO, que antes de ser apresentado pelo think tank de Washington passou pelo crivo dos políticos que irão ocupar os cargos mais importantes na administração Biden.