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VITÓRIA PARCIAL DA VENEZUELA EM LONDRES

2020-10-05

Norman Wycomb, Londres; Exclusivo O Lado Oculto

Um tribunal britânico de apelo anulou a sentença do Tribunal de Comércio de Londres que permitia ao autoproclamado “presidente interino” da Venezuela, Juan Guaidó, movimentar em proveito próprio e do seu sistema de usurpação as 31 toneladas de ouro venezuelano à guarda do Banco de Inglaterra, no valor de 1800 milhões de dólares. A decisão foi tomada dando razão ao recurso apresentado pelo Banco Central da Venezuela contra a sentença.

A posição do tribunal de recurso significa uma vitória parcial da Venezuela uma vez que impede, para já, que a teia de usurpação montada em redor de Guaidó e sob tutela dos Estados Unidos da América utilize em proveito próprio o ouro do povo venezuelano.

A sentença agora revogada, que fora ditada com extrema rapidez em Julho pelo juiz Nigel Teare do Tribunal do Comércio de Londres, partia do princípio de que Juan Guaidó é o presidente constitucional da Venezuela uma vez que foi reconhecido como tal pelo governo britânico. O juiz citava como suporte para a sua decisão uma declaração de 4 de Fevereiro de 2019 do ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, segundo a qual “o Reino Unido reconhece agora Juan Guaidó como presidente constitucional provisório da Venezuela até que possam celebrar-se eleições presidenciais credíveis”.

A “presidência interina” de Guaidó é reconhecida por cerca de 50 países; mais de 150 países membros das Nações Unidas não aceitaram esse golpe e apenas reconhecem a legitimidade do governo bolivariano.

Ao aprovar o recurso do Banco Central da Venezuela, o tribunal de apelo considerou necessário definir com qual das duas pessoas – Juan Guaidó ou presidente legítimo, Nicolás Maduro – o Reino Unido mantém laços oficiais. Nesse sentido, o tribunal determinou uma investigação para apurar a situação das relações diplomáticas entre a Venezuela e o Reino Unido e tentar chegar a uma conclusão sobre quem tem direito a gerir os activos públicos venezuelanos no exterior.

Apesar de se tratar da revogação de uma sentença aberrante não deixa de ser igualmente insólito que, de qualquer maneira, seja a justiça de um Estado a julgar se outra nação, que deixou os seus activos à guarda desse Estado, tem ou não direito a esses activos.

No Tribunal do Comércio de Londres, os advogados de defesa do Banco Central da Venezuela tinham argumentado que a declaração de Jeremy Hunt não reconhecia Guaidó como presidente “de facto” da Venezuela, tanto mais que o Reino Unido mantém abertos os canais diplomáticos normais com Caracas e as embaixadas dos dois países funcionam normalmente nas duas capitais.

Os advogados de defesa recordaram ainda que o governo britânico se negou a apresentar um certificado específico para o julgamento no Tribunal de Comércio no qual reconhecesse Guaidó de forma explícita. Limitou-se a insistir na declaração “ambígua” do ministro Hunt – proferida há ano e meio – e que o tribunal de recurso considerou agora insuficiente.

A anulação da sentença do Tribunal de Comércio veio ainda impedir, pelo menos para já, as violações aberrantes do direito internacional associadas ao conteúdo da decisão do juiz Teare.

Precedentes e pirataria

Na verdade, o Tribunal de Comércio abrira o precedente segundo o qual bastaria o governo de um país negar legitimidade a um presidente eleito de uma outra nação, e atribui-la a um usurpador por ele designado ou reconhecido para que este pudesse apropriar-se de bens dessa nação no estrangeiro.

Além disso, a sentença do juiz Teare estendeu a legitimidade reconhecida a Guaidó a uma “comissão de gestão” paralela do Banco Central da Venezuela instalada nos Estados Unidos sob tutela do governo deste país.

A abertura destes precedentes lançaria uma confusão total nas relações internacionais, permitindo actos de pirataria como este do qual a Venezuela está a ser vítima e no qual se envolvem diferentes instituições e países, designadamente a União Europeia e Portugal – que, a exemplo do Reino Unido, reconhece Guaidó mas afirma que continua a ter relações com o governo bolivariano.

A sentença do Tribunal do Comércio de Londres, agora anulada, criaria um precedente e uma incerteza legal para o futuro de consequências imprevisíveis. No futuro, os tratados entre Estados e de âmbito internacional poderiam ser desrespeitados ou ser mesmo completamente cancelados por meio deste tipo de governos paralelos recorrendo a instituições sombra e alegados funcionários designados no exterior das normas legais.

A vitória venezuelana em Londres é apenas parcial, uma vez que o governo bolivariano continua a enfrentar a recusa arbitrária do Banco de Inglaterra em devolver o ouro dos venezuelanos depositado nas suas caves.

A recusa continua a impedir a mobilização desses recursos pela Venezuela de maneira a fazer frente às sanções impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia. O governo de Caracas propõe-se utilizar o ouro e outros activos no estrangeiro para criar um fundo sob gestão das Nações Unidas destinado a combater as consequências da epidemia de COVID-19 no país. Guaidó e os seus tutores coloniais na América e na Europa tentam impedir que isso aconteça.


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