O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

A INTIMIDADE ENTRE OS FASCISMOS BOLIVIANO E BRASILEIRO

2020-06-15

Consumado o golpe fascista de Novembro passado na Bolívia, o avião presidencial venezuelano, FAB001, iniciou uma série de viagens e estadias no Brasil que se prolongou pelo menos até meados de Maio último. Logo no dia a seguir ao golpe o aparelho voou para Brasília e realizou diversas viagens internas durante 16 dias antes de regressar a La Paz. A relação da presidente golpista fascista Jeanine Añez com Jair Bolsonaro.

 Felipe Yapur, Página 12/O Lado Oculto

Como toda a ditadura, o regime que governa a Bolívia, com Jeanine Añez à cabeça, impôs um cerco de comunicação ao país desde o instante em que foi consumado o golpe de Estado contra o presidente Evo Morales. Esse férreo controlo, porém, não tem impedido que acções deste governo ilegal vejam a luz do dia, designadamente através das redes sociais. É o caso dos suspeitos e repetidos voos do avião presidencial boliviano ao Brasil e que, num primeiro momento, o governo inconstitucional tentou negar. Apesar disso, os dados obtidos através da empresa norte-americana FlightAware, que faz seguimento de movimentos aéreos em todo o mundo, demonstram que o aparelho esteve em Brasília na madrugada do primeiro dia do golpe, em 11 de Novembro de 2019. O governo de Jair Bolsonaro é um dos poucos aliados de Añez e o presidente brasileiro, então juntamente com o presidente argentino Mauricio Macri, foi um dos que negou a existência de um corte institucional na Bolívia. 

O processo eleitoral boliviano, através do qual Morales procurou a reeleição, foi alvo não apenas de ataques internos mas também externos, com o objectivo de evitar que o dirigente boliviano continuasse à frente do país. Nesse contexto, a seguir a uma série de sublevações da polícia, depois pressionado pelas Forças Armadas e inclusivamente atraiçoado por algumas organizações político-sindicais, Evo Morales anunciou a sua renúncia da presidência na manhã de 10 de Novembro de 2019; partiu então no avião presidencial para Chapare (México), onde ficou até se exilar na Argentina. A partir desse momento, o Força Aérea Boliviana 001 ou FAB001 – como se designa o avião presidencial – começou a realizar uma série de voos que parecem ilustrar os vínculos dos golpistas bolivianos com o governo de Bolsonaro.

Destino exclusivo: Brasil

De facto, na madrugada de 11 de Novembro, quando Añez ainda não tinha assumido a presidência, o FAB001fez uma viagem do aeroporto de Campina Grande, São Paulo, para o aeroporto internacional de Brasília. Segundo os registos da FlightAware, manteve-se durante quatro dias na capital federal brasileira e a 15 de Novembro partiu para São Paulo, regressando dois dias depois a Brasília. Em 22 de Janeiro deslocou-se ao Rio de Janeiro e regressou à capital brasileira no dia seguinte. No mesmo dia 23 voou para o aeroporto de Manaus, no Estado de Amazonas, onde esteve até 26 de Novembro. Em 27 regressou finalmente a La Paz. Durante todo este período, Jeanine Añez permaneceu na capital boliviana.

Os dados da FlightAware são fidedignos. A empresa tem sede na cidade de Houston, no Texas, e é uma conhecida companhia global de software de aviação que proporciona o acompanhamento de voos tanto de aviões privados como comerciais em todo o mundo. Dos seus arquivos constam as viagens do FAB001, que prosseguiram logo depois do golpe. O que chama a atenção é o facto de os voos do avião presidencial ao estrangeiro realizados entre 11 de Novembro e 8 de Março terem exclusivamente o Brasil como destino. Estão registados 25 voos, sem contar os dias em que o aparelho permaneceu em aeroportos brasileiros e as deslocações realizadas entre cidades brasileiras. Quanto a viagens no território boliviano, realizaram-se apenas para Santa Cruz, o distrito onde nasceu e foi organizado o golpe contra Morales. O avião presidencial praticamente não voltou a visitar os restantes departamentos da Bolívia.

O que permitiu realmente que se conhecesse a existência destes voos suspeitos foi a denúncia feita nas redes sociais de que em 7 de Maio o avião presidencial da Bolívia regressou do Brasil, onde permanecera vários dias. No momento não existia qualquer explicação para a deslocação do aparelho a esse país. Além disso, o governo Añez declarou a informação como falsa. Apesar disso, a leitura dos dados constantes dos arquivos da FlightAware permita constatar que o FAB001 voou para Brasília em 30 de Abril, seguindo depois para São Paulo e regressando à capital brasileira passadas algumas horas. O avião presidencial boliviano esteve em Brasília até 8 de Maio, data em que regressou a La Paz.

Em termos formais, se Añez tivesse viajado nesses voos ao Brasil deveria ter notificado o Parlamento de La Paz para ser substituída por quem exerce a presidência da Assembleia. No caso de corresponder ao presidente do Senado, nesse caso a presidente substituta seria Eva Copa, representante do Movimento para o Socialismo (MAS) de Morales.

Armas, corrupção e conspiração

Em finais do ano passado surgiu um escândalo na sequência de provas de sobrefacturação na compra de armamentos não letais pelo Ministério da Defesa da Bolívia entre Novembro e Dezembro de 2019. O portal especializado Defensa.com revelou pormenores das denúncias e sobre o envolvimento de uma empresa brasileira. Tudo aconteceu na época de maior intensidade de voos do FAB001 entre a Bolívia e o Brasil.

Entre os seguidores e as pessoas de confiança de Evo Morales praticamente não existem dúvidas sobre, no mínimo, a presença e o acompanhamento de funcionários brasileiros do golpe fascista boliviano de Novembro de 2019. “O embaixador do Brasil participou no golpe contra o meu governo”, revelou em entrevista o próprio presidente deposto, Evo Morales. 

A jornalista María Galindo, uma férrea opositora de Morales, informou na sua coluna do portal boliviano paginasiete.bo que o embaixador brasileiro em La Paz, Octávio Henrique Dias Garcia Côrtes, participou numa reunião realizada na Universidade Católica de La Paz. Galindo apresenta o diplomata como “representante dos interesses norte-americanos e de Bolsonaro”. O texto revela que nessa reunião participaram também “Tuto Quiroga, como representante da CIA; Fernando Camacho, como cabeça do fascismo e como titular do processo de derrube de Evo Morales”. Segundo a mesma jornalista, nesse encontro ficou decidido a quem deveria ser entregue a presidência. Tudo indica que foi nesse quadro que surgiu a designação de Añez, que Galindo define como “uma senadora periférica da direita”, a quem foram buscar e que acabou por entrar na sede do governo nacional, o Palacio Quemado, acompanhada por Camacho, portador de uma Bíblia.

Em princípio, a tarefa de Añez era convocar rapidamente eleições, definindo-se que fossem a 3 de Maio. No entanto, segundo as informações dos golpistas, as eleições tiveram de ser adiadas por tempo indeterminado devido à pandemia de COVID-19 que, porém, não travou as viagens do avião presidencial ao Brasil. Curiosamente, tudo veio a ser descoberto porque surgiram denúncias sobre o uso de outros aviões presidenciais pela filha de Añez, que chegou a utilizar um desses aparelhos para organizar uma festa de aniversário em plena quarentena.


fechar
goto top