O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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AS MÃOS DE TRUMP NA INVASÃO FALHADA DA VENEZUELA

Um dos mercenários norte-americanos detido

2020-05-07

Alan Macleod, MintPress/O Lado Oculto

Já lhe chamam a “segunda Baía dos Porcos”, a falhada incursão militar norte-americana em Playa Girón, Cuba, em Abril de 1961. Quase 60 anos depois a cena repetiu-se, com o mesmo desfecho, agora na praia de Macuto nas costas da Venezuela soberana e independente. Mercenários com ligações comprovadas com a administração Trump e a oposição terrorista venezuelana – reconhecida como “legítima” por Portugal e outros países da União Europeia – tentaram uma agressão militar para lançar o caos no país, assassinar o presidente Nicolás Maduro e mudar o governo. Falharam e os sobreviventes são agora como um livro aberto onde as personagens são Trump, Guaidó, os suspeitos do costume.

O governo da Venezuela celebra o facto de ter neutralizado mais uma tentativa para lançar a violência no país e provocar um golpe de Estado, desencadeada na madrugada de 3 de Maio. Novo fracasso da oposição terrorista um ano depois da tentativa de sublevação de militares num quartel patrocinada pelo “presidente interino” Juan Guaidó e o chefe da extrema-direita fascista financiada pelos Estados Unidos, Leopoldo López.

Desta feita, uma flotilha de pequenas embarcações transportando até 300 mercenários partiu de um campo de treino de paramilitares na Colômbia em direcção a porto localizado próximo da capital, a cidade de Caracas, onde tinha como objectivo lançar uma insurreição. Segundo o plano estabelecido, pleno de confiança, os invasores previam estar no palácio presidencial de Miraflores num prazo de 96 horas. No entanto a missão teve como resultado um fracasso espectacular: a flotilha era aguardada por forças de segurança da República Bolivariana, que a interceptaram e neutralizaram. Nos recontros armados foram mortos oito invasores e capturados muitos outros.

Poucas horas depois, ainda durante o dia de domingo, o ministro do Interior, Nestor Reverol, surgiu na televisão anunciando que “uma invasão marítima foi tentada por um grupo de mercenários terroristas vindos da Colômbia com a intenção de cometer actos terroristas, assassinar membros do governo revolucionário, aumentar a espiral de violência, gerar o caos e a confusão entre as pessoas e, a partir disso, desencadear uma nova tentativa de golpe de Estado”. Reverol elogiou a rápida resposta das forças armadas e da polícia para repelir a invasão. “Parece que as tentativas frustradas dos imperialistas para derrubar o governo legalmente constituído, dirigido por Nicolás Maduro, os levam a cometer acções excessivas que, sem dúvida, merecem o repúdio do nosso povo e da comunidade internacional”, disse o ministro

A ligação norte-americana

Tanto o “interino” Guaidó como o Departamento de Estado norte-americano negaram qualquer envolvimento na embaraçosa aventura. O gabinete de Michael Pompeo divulgou uma declaração na qual se afirma que “o regime de Maduro tem sido consistente no recurso a informações erradas tentando desviar as atenções da sua má administração da Venezuela”. E, no entanto, dois dias antes da tentativa de invasão, Guaidó lançara o processo de golpe, aparentemente com a participação dos Estados Unidos, mas coisas correram tão mal que poucos perceberam, mesmo dentro da Venezuela.

Existem, no entanto, provas extremamente fortes de que Guaidó e o governo dos Estados Unidos estiveram intimamente ligados ao processo desenvolvido entre sexta-feira, 1 de Maio, e domingo, 3 de Maio.

Não é por acaso que o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, afirmou pouco antes dos acontecimentos, em 28 de Abril, que “os planos para restauração da democracia na Venezuela ganharam actualidade”, de tal modo que será possível reabrir em breve a Embaixada dos Estados Unidos em Caracas.

E que pensar das crípticas declarações feitas em 29 de Abril por John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump e especialista em mudanças de regime: “a madrugada está novamente a chegar à Venezuela”?

As revelações do chefe mercenário

Jordan Goudreau, um ex-boina verde das forças especiais norte-americanas e proprietário de uma grande organização de mercenários na Florida designada Silvercorp, revelou que tinha montado a tentativa de golpe – possuindo os documentos que provam o facto. Goudreau exibiu um contrato no valor de 212 milhões de dólares assinado por ele e Juan Guaidó, segundo o qual a parte venezuelana se comprometia a pagar à empresa de mercenários quase 250 milhões de dólares por serviços de “planeamento estratégico” e “execução de projectos”, uma vez derrubado o governo. Jordan Goudreau revelou ainda que estava em contacto com o governo dos Estados Unidos. Além disso, um dos invasores capturados assegurou que dois dos detidos são cidadãos norte-americanos ligados à equipa de segurança de Trump. Identificou-os como sendo Luke Dennan e Aaron Berry, “chefes de segurança do presidente dos Estados Unidos”; o próprio Goudreau confirmou as informações e o facto de ambos serem ex-membros das forças especiais norte-americanas.


                                                                                                        O contrato assinado por Guaidó e Goudreau

As informações prestadas por Goudreau não devem ser entendidas como as de um denunciante. Longe disso; orgulha-se das suas acções, apesar do fracasso. “Nada do que estou a fazer é ilegal”, garantiu. “Há outras pessoas no país que estão prontas a juntar-se e que só necessitam de um catalisador”.

As contas de Goudreau nas redes sociais identificam-no como um forte defensor da administração Trump e do movimento “Tornar a América grande de novo”. A Silvercorp empresa de mercenários de que Goudreau é proprietário, retirou muito recentemente da sua conta de Instagram algumas fotografias relacionadas com serviços de segurança executados em comícios e outras reuniões de Donald Trump, tanto em campanha como já depois de ter sido eleito.

De acordo com afirmações do próprio, o chefe da organização de mercenários terá decidido mostrar o contrato e revelar o plano porque Guaidó terá faltado aos seus compromissos contratuais. “Prometeu pagar semana após semana”, mas não o fez, declarou Goudreau a uma emissora de TV em espanhol.

Não custa acreditar que o operacional da invasão tenha as suas razões, tratando-se Juan Guaidó de alguém que garantiu ao vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, ter metade das forças armadas com ele e que é acusado, mesmo por correligionários, de desvio de avultadas quantias enviadas como “apoio” à Venezuela, incluindo “ajuda humanitária. Uma sondagem de opinião divulgada em Dezembro de 2019 revelou que Guaidó reúne cerca de 10% de opiniões favoráveis dos venezuelanos e 69% de opiniões absolutamente contrárias.

Conhecer a Silvercorp

Silvercorp é a empresa de segurança de Jordan Goudreau. Apesar do seu estatuto privado não poderia desenvolver as actividades que realiza na América Latina sem o apoio dos Estados Unidos. Nas últimas décadas, as acções de mudança de regimes têm sido terceirizadas pelo governo norte-americano para instituições privadas ou semi-privadas, permitindo assim à Casa Branca alguma negação plausível de actividades que realmente patrocina.

Um dos veículos de apoio dos Estados Unidos às acções golpistas através do continente é o National Endowment for Democracy (NED), presente em numerosos países para “ajudar a desenvolver a democracia” e que ainda recentemente foi identificado no apoio ao golpe de Estado fascista na Bolívia.

Allen Weinstein, fundador do NED, explicou em entrevista ao Washington Post o papel da organização: “Muito do que fazemos actualmente era realizado há 25 anos pela CIA”, disse. Mas quando se trata da Venezuela os Estados Unidos não têm alcançado taxas elevadas de êxito. 

As tentativas de golpe de Estado do primeiro fim-se-semana de Maio foram apenas as mais recentes de uma longa série de acções terroristas para a mudança de regime na Venezuela apoiadas pelos Estados unidos. Em 2019, Juan Guaidó tentou quatro vezes derrubar Maduro e forçar o caminho para o poder apesar de nunca ter concorrido à presidência: em Janeiro, Abril e duas vezes em Novembro. A tentativa de Abril resumiu-se ao acto de posar numa ponte junto a uma base militar assegurando, através das redes sociais, que tinha capturado o quartel e que existia um levantamento de todas as forças armadas. A farsa tornou-se difícil de sustentar a partir do momento em que a televisão estatal começou a emitir do interior das instalações, demonstrando a escassez dos apoiantes do “interino”. Os golpes de Novembro correram tão mal a Guaidó que a maioria dos venezuelanos não se aperceberam deles.

Quanto à tentativa de Janeiro, os seus companheiros de conspiração que conseguiram fugir para os Estados Unidos pensavam que seriam tratados como heróis. Pelo contrário: foram presos e encarcerados por cruzar ilegalmente a fronteira e transferidos para um campo de concentração, onde ainda permanecem.

Em Agosto 2018, a oposição de extrema-direita tentou assassinar Maduro através de uma bomba transportada num drone enquanto fazia um discurso público. Entre 2014 e 2017 desencadeara uma onda mortal de terror, as chamadas “guarimbas”, na qual se evidenciou Juan Guaidó, bombardeando estações de metro, autocarros, armazéns, escolas infantis e universidades, além da prática de linchamentos nas ruas. Actos que foram frequentemente apresentados como “protestos pacíficos” na comunicação social corporativa ocidental.

Uma das características dos círculos de oposição que têm Guaidó como uma das principais figuras é a recusa da aceitação das derrotas eleitorais que vão sofrendo sucessivamente num dos países que convocou mais consultas populares desde 1998. Ao invés exortam os seus partidários a “manifestarem a sua revolta” nas ruas, situação que tem estado na origem de numerosas vítimas mortais.

Ao longo dos anos o apoio dos Estados Unidos tem sido constante, elevando-se a centenas de milhões de dólares a destinando-se a qualquer organização que se diga contrária à organização bolivariana do Estado. Nos últimos anos Washington intensificou as sanções económicas, tornando-se responsável pelo colapso da economia e pela perda de milhares de vidas humanas, mais de cem mil de acordo com a avaliação de um relator da ONU que investigou pormenorizadamente a situação no país. Tudo isto em nome da “promoção da democracia”.

“O que quer que façamos?”, perguntou um dos chefes do golpe de domingo. “Podemos fazer cinco, até dez tentativas fracassadas mas vamos livrar-nos deste governo”, assegurou.

Estranha “ditadura” a da Venezuela, onde activistas “pró-democracia” elevados a fenómenos de renome mundial podem desenvolver campanhas de terrorismo, assassínios, tentativas de golpe de Estado ao longo dos anos e continuam livres para viajar pelo país e através do mundo promovendo os seus actos e praticamente sem quaisquer consequências perante o governo “tirânico”.


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