O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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A CRISE DO SECTOR DA AVIAÇÃO

2020-05-04

Jorge Fonseca de Almeida*, Especial O Lado Oculto

Depois de anos a distorcer o mercado da aviação com a sua política de preços nominalmente baixos, mas cobrando fortemente por tudo o que não seja o simples lugar apertado a bordo do aparelho, as companhias ditas de baixo-custo (low cost) preparam-se para fazer os seus trabalhadores suportar o preço das medidas de restrição às viagens impostas por necessidades de saúde pública. Isto apesar de elevadas ajudas recebidas do Estado ao longo da última década.

Estas empresas detêm uma enorme quota de mercado no espaço europeu, cerca de 40%, grandes receitas e fartos lucros mas preparam-se para despedir milhares de trabalhadores e colocar em risco os empregos em vários aeroportos. 

A Ryanair anunciou o despedimento de mais de três mil pessoas e a redução dos salários dos restantes em 20%, ameaçando encerrar várias bases em diversos países. Eis o plano de retoma de uma das maiores empresas europeias de aviação.

As companhias aéreas ditas de bandeira estão a seguir os mesmos passos, com a Aer Lingus (da Irlanda) e a British Airways (do Reino Unido), adoptando a política de despedimentos em massa. 

Redução de salários e ajudas públicas

                                                 

Na Alemanha, a Lufthansa e os seus pilotos concordaram numa redução de 50% (redução para metade!) dos ordenados durante os meses de Março e Abril e estão a negociar uma redução de 45% até 2022 em troca de não haver despedimentos. Isto apesar dos 10 mil milhões de euros em ajudas públicas que o Estado alemão se prepara para injectar.

A Air-France-KLM, outro gigante da aviação europeia, prepara-se para receber milhares de milhões de euros de ajudas estatais da França e da Holanda. Os apoios serão da ordem dos 11 mil milhões de euros, mais do que a União Europeia se prepara para destinar a Portugal. Para a União mais vale ajudar uma única empresa semifalida do que um Estado membro.

A França e a Alemanha justificam estas ajudas massivas às suas transportadoras, quando até há pouco tempo proibiam Portugal de o fazer, como moeda de troca para uma redução de emissões e uma “recuperação verde”. Menos hipócritas e mais directos, os Estados Unidos colocam empresas como a Boeing no grupo de companhias estratégicas que têm de ser ajudadas.

Aparentemente estes três países estão a capitalizar as suas empresas, proibindo outros, em nome da concorrência, de o fazer para consolidarem e alargarem a sua posição no mercado local à custa das companhias mais pequenas.

A TAP, de capital misto, pede igualmente ajuda pública pretendendo que esta não implique alterações à propriedade da empresa nem a entrada de gestores públicos.

Muitas outras companhias de aviação nacionais estão a tomar medidas de outra natureza para se manterem no mercado. A LOT polaca, parada pelo menos até 15 de Maio, cancelou a compra da Condor, a companhia aérea da falida Thomas Cook, e está a converter parte da sua frota de passageiros para aviões de carga, sector que tem vindo a crescer mesmo durante a pandemia. Outras companhias como a Air Canada retiraram os assentos e começaram a movimentar carga. A baixa do preço do combustível torna estas operações de transporte mais competitivas.

A Emirates tem a sua enorme frota de 269 aviões parada, incluindo 115 Airbus A-380, o que requer uma manutenção cuidada e atenta. Cada avião requer mais de quatro trabalhadores permanentemente a tratar da sua manutenção num país do deserto como são os Emirados Árabes Unidos. Preservam-se postos de trabalhos mas os custos são grandes. Pode compensar se a empresa se posicionar como uma vencedora quando o mercado retomar.

Sector em Crise

A IATA (Associação dos Transportes Aéreos Internacionais) anunciou que estão em risco quase sete milhões de empregos. As receitas por passageiro/quilómetro de Março caíram cerca de 53%, um valor histórico. Mais de quatro milhões de passageiros cancelaram voos até 30 de Junho. A perda de receitas situa-se nos 55%.

Simultaneamente esta redução do tráfego põe também em risco as empresas fornecedoras, nomeadamente os construtores aeronáuticos e a sua cadeia de valor. Por exemplo a Rolls Royce, que produz motores para os aviões, anunciou já o despedimento de oito mil trabalhadores. A Boeing tem apresentados prejuízos sustentados e procura ajuda estatal.

Na China, contudo, a retoma dos voos internos foi saudada pelos consumidores e está a verificar-se uma expansão rápida das viagens e do turismo interno. Muitas pessoas que estiveram confinadas anseiam agora por realizar os seus sonhos. Sonhos tão simples como ver os pandas gigantes ou a Grande Muralha. 

Aviso ao turismo

                                    

Uma das razões invocadas, entre várias outras, pelas companhias aéreas para despedir, reduzir pessoal e obter avultadas ajudas públicas sem contrapartida é o ritmo lento de recuperação do mercado das viagens. As companhias aéreas prevêem que só em 2022 os níveis pré-crise serão atingidos. Outros especialistas apontam para 2023. Nenhum apresenta um cenário mais optimista.

Em termos de passageiros é natural que as viagens de carácter profissional arranquem primeiro do que o turismo e depois que este privilegie os países menos afectados pela pandemia – que foram os países asiáticos e do leste europeu, e também a Grécia, que demonstrou uma enorme capacidade de conter a doença.

Se estes vaticínios se revelarem correctos, o que é muito provável, então teremos em Portugal uma forte contracção, bastante prolongada, do sector do turismo e das indústrias e serviços que para ele contribuem. Veremos fecharem-se os restaurantes, os RB&B, os hostels e os hotéis - lançando no desemprego milhares de pessoas.

Um sector que cresceu desordenadamente sem qualquer tipo de sustentabilidade, e muito como resultado de desgraças alheias (guerras no Médio Oriente e Norte de África) que retiraram turistas da Tunísia, Egipto e outros destinos, acorda agora para a sua falta de bases sólidas.

O esteiro da recuperação económica do governo socialista esvai-se, por mal alicerçada, e uma onda de desemprego e emigração vai seguir-se. Portugal vai voltar a empobrecer e no final do ciclo que se avizinha não será de surpreender que nos encontremos no grupo muito restrito dos três países mais pobres da Europa.

*Economista, MBA


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