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BATALHAS IDEOLÓGICAS NA PANDEMIA

2020-04-28

Alexandre Weffort, Especial para O Lado Oculto

No momento em que se procede à redacção deste texto, o impacte da pandemia de COVID-19 cifra-se em três milhões de infectados a nível mundial, sendo um milhão deles nos Estados Unidos, país que regista já mais de 55 mil mortes atribuídas ao novo coronavírus, havendo ainda aquelas que não foram contabilizadas e as que se deveram à estratégia de diversionismo mediático de Donald Trump (como foi a de sugerir publicamente a administração de desinfectantes como remédio...). Permanecem desconhecidas as origens do novo coronavírus, mas são reveladoras as políticas adoptadas diferenciadamente por diversos países e já visíveis as suas consequências.

Populistas

A primeira vaga de contaminações apresenta números que desmascaram as políticas populistas (nomeadamente no Norte da Itália, Reino Unido, EUA), onde a pandemia apresenta as taxas de mortalidade mais elevadas (nos dados até agora conhecidos). A debilitação do sistema nacional de saúde, como ocorreu também em Portugal ao longo da última década, surge como uma das causas das maiores dificuldades sentidas no combate à pandemia (acrescendo ao problema dos lares de idosos, negócio altamente lucrativo que agora revela a sua incapacidade em garantir a saúde dos utentes). A indústria farmacêutica apresta-se para a corrida ao mercado das vacinas onde estas são assumidas também como forma de dominação monopolista, contrapondo-se à noção da saúde como bem comum preconizada pela Organização Mundial de Saúde.

Nos países em que foram definidas estratégias preventivas de isolamento social, com políticas de imposição do confinamento, essas medidas acarretam restrições às liberdades cívicas que, tendencialmente, se transformam em meios de condicionamento da vida democrática. As formas de realização das práticas sociais de cariz político e sindical, condicionadas pela sua natureza de massas (assim como as práticas performativas artísticas ou religiosas), impossibilitadas na sua expressão mais tradicional, reinventam-se através do recurso a tecnologias diversas.

Batalha ideológica

Na pressão dos eventos mediáticos, os Estados Unidos acusaram a China de responsabilidades no surgimento do novo coronavírus. A China nega as acusações, denunciando o que afirma ser uma campanha caluniosa: 

“No presente, a epidemia do novo coronavírus nos EUA atravessa uma fase crítica, sendo que o aumento do número de casos confirmados e de mortes tem vindo a gerar uma onda de preocupação. À medida que o novo coronavírus desestabiliza os EUA, gerando inúmeros dilemas sociais, o secretário de Estado, Mike Pompeo, veio a público espalhar o ‘vírus político' do preconceito e da arrogância, criar rumores e dissipar a energia da humanidade para lutar em conjunto contra esta ameaça. Ele desvalorizou o vírus, contra as indicações da ciência e das organizações internacionais, espalhando rumores e calúnias sobre a China. (...) Pompeo abraçou uma mentalidade de guerra fria e provocou confrontos indiscriminadamente, foi indiferente à tragédia e sofrimento de muitas pessoas nos EUA e ignorou os factos, continuando a colocar a China no centro das atenções, na busca de bodes expiatórios. (...) Quando é premente juntar as mãos para debelar a ameaça do vírus, o inimigo comum de toda a humanidade, os ‘Pompeos’ usam a epidemia para provocar incidentes, retratam a China como seu oponente, ajudam gangues, criam ‘vírus políticos’ ridículos e deitam por terra os esforços da comunidade internacional para combater o verdadeiro vírus. O coronavírus não distingue raças ou fronteiras. Todos os países devem unir esforços para se juntarem à luta de prevenção e controlo. Isto não é apenas uma questão urgente, mas é também a única escolha. Os ‘Pompeos’ devem compreender que os rumores não eliminam os vírus e que os ataques e calúnias não podem salvar vidas. A primeira coisa a fazer agora é cooperar com a China, implementar consensos importantes entre dois chefes de Estado, focar na cooperação, eliminar a interferência e assumir a responsabilidade de proteger a segurança de toda a vida humana, promovendo o desenvolvimento das relações sino-americanas em prol dos interesses comuns”.

Por outro lado, segundo a agência Newsweek, o “ex-presidente [norte-americano] Jimmy Carter disse a uma congregação religiosa igreja no fim-de-semana que havia conversado com o presidente Donald Trump sobre a China no sábado e afirmou que o comandante-chefe estava preocupado com o facto de Pequim ter ultrapassado os seus rivais globais. (...) Carter, com 94 anos, disse que Trump estava preocupado com o facto de ‘a China estar a ultrapassar-nos’ e sugeriu que o presidente estava certo em preocupar-se. Carter disse à sua congregação que Trump temia a crescente força económica da China. As previsões económicas revelam que a China ultrapassaria os EUA como a economia mais forte do mundo até 2030, e muitos especialistas disseram que estamos já a viver o chamado de ‘Século Chinês’. Carter disse que ‘realmente não teme esse tempo, mas isso incomoda o presidente Trump e eu não sei porquê. (...)’. Carter - que normalizou as relações diplomáticas entre Washington e Pequim em 1979 - sugeriu que o crescimento vertiginoso da China foi facilitado por investimentos sensatos e impulsionado pela paz. ‘Desde 1979 sabem quantas vezes a China esteve em guerra com alguém?’, perguntou Carter. ‘Nenhuma. E nós permanecemos em guerra.’ Os EUA, observou o ex-presidente, desfrutaram apenas de 16 anos de paz nos seus 242 anos de história, tornando o país ‘a nação mais bélica da história do mundo’. Isto aconteceu, acrescentou Carter, por causa da tendência norte-americana de forçar outras nações a ‘adoptar os nossos princípios americanos’. Enquanto isso, na China, os benefícios económicos da paz saltam aos olhos. ‘Quantos quilómetros de vias férreas de alta velocidade temos nos Estados Unidos?’, perguntou. Enquanto a China tem cerca de 30 mil quilómetros de vias férreas de alta velocidade, os EUA ‘gastaram, julgo eu, três biliões de dólares em investimentos militares. É mais do que possamos imaginar. A China não desperdiçou um único centavo em guerra, e é por isso que eles estão à nossa frente. Em quase todos os aspectos’". 

Mudanças de paradigma

A pandemia impõe mudanças de paradigma, apresentando novas contradições essenciais: a globalização das comunicações acentua-se perante a restrição da circulação humana. A questão ecológica, tema predilecto da comunicação social há alguns meses, deixou de ser considerada, exactamente quando a poluição se viu drasticamente reduzida pela suspensão da vida económica. Critérios de saúde da economia e de saúde pessoal entraram em conflito, evidenciando a dimensão sistémica do problema, acentuando o contraste ideológico patente no modo de reacção das potências económicas capitalistas, por um lado, e dos países que assumem uma orientação socialista.

Nesse quadro, vemos surgir a tentativa de diabolização a China nos discursos políticos (com eco mesmo em intervenções originadas em quadrantes de esquerda). A tentativa de diabolização - técnica de manipulação da opinião pública - contra a China ou outros países de orientação socialista não é nova. E continua a recorrer a argumentos onde a lógica da racionalidade se encontra drasticamente diminuída (os ataques às torres de emissão de telecomunicações 5G nos Países Baixos e no Reino Unido, associando-as à actual crise pandémica, exemplifica o grau de obscurantismo recorrente nestas batalhas ideológicas).

Por outro lado, produzem-se julgamentos apressados do modo como agem as autoridades governamentais chinesas, seja porque a informação que circula é diminuta (e viciada), seja porque se pretende aplicar a uma nação com quase 1500 milhões de habitantes critérios de gestão económica e política eventualmente cabíveis em países de muito menor dimensão. Aliás, neste âmbito, tanto nos EUA como no Brasil, nações de tipo federal, a contradição entre os interesses económicos dominantes e os interesses de saúde da ampla maioria dos cidadãos colocou em choque frontal o nível de governação federal e estadual, assumindo os governadores uma posição de Estado que, notoriamente, falta aos líderes dos governos federais. Quando se envereda pela campanha de diabolização da China, os comentaristas e actores políticos que seguem esse caminho tendem a obliterar a realidade na sua complexidade e dimensões objectivas, empobrecendo a análise e confundindo o público.


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