”AJUDAS” DA UE : ITÁLIA NA MIRA DO CAVALO DE TROIKA
2020-04-20
Daniele Pozzati, Strategic Culture/O Lado Oculto
Chegaram, viram – e foram vencidos.
Os países do Sul da Europa, comandados por Itália e Espanha e com uma ajuda informal de França, perderam mais uma batalha no Eurogrupo frente aos seus vizinhos do Norte. Esta é a realidade da prolongada reunião que antecedeu a Páscoa e que continuou a ser dominada pela Alemanha – por muito que este país tenha tentado manter-se discreto.
Após três dias de negociações, como se sabe, os ministros das Finanças dos países da Zona Euro chegaram a acordo sobre um pacote de resgate de 540 mil milhões de euros para tentar combater as consequências económicas da pandemia de coronavírus.
O diabo, como sempre, está nos pormenores; o que é válido para a declaração resultante da reunião
Conheçamos o monstro
O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) foi criado em 2012 e a sua imagem de duvidosa fama foi criada principalmente em 2015 com as negociações sobre a crise grega.
No espaço designado “sobre nós” no website da entidade explica-se: “O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) foi criado como instituição financeira internacional pelos Estados membros da Zona Euro para ajudar os países desta área com dificuldades financeiras graves”.
Logo a seguir ficamos a saber como esta mão amiga realiza o seu trabalho caritativo: o mecanismo financia “empréstimos de emergência mas, em troca, os países devem realizar programas de reformas”.
O MEE, portanto, é um credor internacional cuja assistência financeira é acompanhada de compromissos – tal como acontece com os empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Entra o cavalo de Troika
Não é coincidência, portanto, que o próprio FMI esteja envolvido na elaboração desses “programas de reformas” através de uma Troika constituída com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Para ter acesso aos empréstimos do MEE, um Estado membro deve comprometer-se com os citados “programas de reformas” ditados pela Troika: conhecidos como “condições”, segundo o léxico de Bruxelas.
Como se fosse uma empresa falida, o Estado que recorre a essa “assistência financeira” entra numa espécie de administração controlada, cabendo à Troika actuar como uma administradora de falências.
A seguir vem a “reestruturação da dívida”. Este é o jargão da União Europeia para as políticas de austeridade envolvendo impostos e cortes, como já antes se percebeu muito bem com a Grécia e Portugal. Trata-se de taxar as classes trabalhadoras, atacar o Estado social e reduzir os serviços públicos, além da obrigatoriedade de proceder a privatizações.
A Grécia, por exemplo, sofre esse destino desde 2008 sujeita, como continua a estar, ao crescimento do desemprego, à pobreza generalizada e à perda de mais de um quarto do seu produto interno bruto (PIB).
Berlim engana Roma: sem condições, com uma condição
Desnecessário será dizer que as simples menções ao MEE e às “condições” (isto é, à política de austeridade da Troika) explodiram como dinamite em Itália.
A coligação de governo italiana integra dois principais partidos: o Partido Democrático (PD), fundamentalista pró-NATO e pró-União Europeia, dito de “centro esquerda”; e o Movimento Cinco Estrelas, de tendência populista. Este último opõe-se ferozmente ao MEE.
Sob pressão dos deputados do Cinco Estrelas, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, qualificou o MEE como “um instrumento absolutamente inadequado” para resolver a crise financeira em Itália e disse repetidamente que nunca o assinaria.
Conte fez campanha pela concretização de títulos de dívida mutualizada, conhecidos como eurobonds, no caso “coronabonds”, e tentou até convencer a opinião pública alemã a aceitá-los, através de entrevistas ao canal de TV ARD e ao diário Bild, o de maior circulação no país.
Sem qualquer proveito. A Alemanha e a Holanda, que comandam a oposição do Norte aos eurobonds (que têm alcance em toda a União Europeia), mantiveram-se inamovíveis.
Derrotado e a contas com uma oposição enfurecida, Conte e o seu ministro das Finanças, Roberto Gualtieri, alegaram que, pelo menos, obtiveram um MEE livre de condicionalismos.
O diabo volta a estar nos pormenores da declaração do Eurogrupo. Os Estados membros podem aceder aos fundos do MEE sem condições mas com uma condição: que estes cubram apenas as despesas adicionais com a saúde.
Porque quanto às consequências económicas e financeiras da crise do COVID-19, subvenções para as empresas atingidas, subsídios de desemprego e outras rubricas o crédito do MEE processa-se de acordo com os habituais “programas de reformas”.
Pelo que estamos de regresso à Troika e ao temido cenário grego.
Caminho para o Italexit?
O governo italiano, no entanto, cometeu um erro fundamental ao fazer campanha pelos eurobonds, na opinião do professor de Economia Alberto Bagnai, presidente da Comissão Parlamentar de Finanças Estatais.
Numa entrevista à televisão independente Byoblue, o professor Bagnai explicou porque considera os eurobonds inadequados como instrumento financeiro para lidar com a crise actual. E argumentou com base em duas razões: “em primeiro lugar, porque os governos alemão e holandês sempre se opuseram a uma mutualização da dívida em toda a União Europeia, pelo que a admissão de eurobonds seria certamente algo que esses governos nunca conseguiriam explicar aos seus eleitores; em segundo lugar, os eurobonds exigiriam a montagem de uma estrutura técnica e política encarregada da emissão – o que levaria vários meses enquanto agora os italianos estão em casa, sem trabalho e sem benefícios, pelo que precisam de ajuda imediata”.
Ao responder com uma ferramenta ainda mais inadequada – e perigosa – como o MEE a União Europeia revela, por seu lado, pouca compreensão perante a possibilidade de falência do Estado italiano.
“O único órgão que pode intervir rapidamente injectando liquidez no sistema é o Banco Central Europeu; ou faz isso ou demonstra a sua inutilidade”, afirma o professor Bagnai.
“Com o MEE como único meio de a Itália obter a liquidez de que precisa”, acrescenta o professor, “está aberto o caminho para a intervenção da Troika”.
A Itália, portanto, pode ter de escolher entre um cenário grego e um Brexit.
Actualmente, quase metade dos italianos (49%) estão a favor da saída da União Europeia, de acordo com uma sondagem recente. Um dado mais significativo ainda revela que a percentagem dos cidadãos favoráveis à permanência caiu de 71% em Novembro de 2018 para 51% em Abril de 2020.
E no caso de se realizarem agora eleições gerais as tendências eurocépticas de extrema-direita venceriam facilmente.
Na tentativa de colocar Roma nos braços da Troika, para que a Alemanha e outros países da União Europeia possam pilhar os bens dos italianos, a União Europeia está a perder rapidamente a simpatia do povo italiano – e pode, eventualmente, perder a Itália como Estado membro.