O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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É POSSÍVEL SAIR DA UNIÃO EUROPEIA

2020-01-31

Pilar Camacho, Bruxelas; Norman Wycomb, Londres; Exclusivo O Lado Oculto

Chegou o dia. É hora de consumar o Brexit, um movimento que contraria o dogma tácito totalitário instituído pelos eurocratas de que “da União Europeia não se sai”. Verifica-se agora que sair é possível, embora a duras penas, sob enxovalhos da democracia, neste caso contra os desafiadores britânicos como se deduz ainda dos tons ameaçadores usados nas últimas horas pelas instituições de Bruxelas em relação aos 11 meses do período de transição. A situação colonial da Irlanda do Norte vai ser explorada pelo federalismo europeísta no capítulo que se segue, dentro da estratégia de transformar o Brexit num processo exemplar a não seguir por qualquer outro Estado membro. 

Quem acompanhar os media corporativos nestas horas ficará ciente de que o dia é “solene”, histórico” – a História tornou-se uma banalidade – mas neste caso pela sua capacidade para atrair desgraças, problemas e restrições, sobretudo em termos de fluidez de mercado. E a Irlanda, ou melhor a colónia britânica da Irlanda do Norte, parece estar no epicentro do abalo, transformado em campo de batalha para acertar as contas que ainda ficaram abertas.

Para a História – isso sim – fica o facto de o Brexit não ter posto em causa o acordo inter-irlandês de Sexta-Feira Santa de 10 de Abril de 1998. A fronteira terrestre entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte passa a ser uma fronteira terrestre entre a União Europeia e o Reino Unido, mas esta situação não implica qualquer alteração à situação decorrente do entendimento entre as duas partes da Irlanda.

A União Europeia, que nada teve a ver com o processo irlandês de pacificação e sempre conviveu muito bem com a situação colonial da Irlanda do Norte, chegou a insinuar, em forma de chantagem, que o Brexit poderia invalidar o acordo e fazer regressar a Irlanda aos tempos de guerra. A comunicação social dominante não se poupou a esforços para multiplicar os efeitos dessa pressão.

Na realidade, a chegada do Brexit significa que a República da Irlanda continua na União Europeia e a Irlanda do Norte sai – unicamente devido à situação colonial que a mantém agregada ao Reino Unido.

No entanto, a situação fronteiriça entre as duas partes da Irlanda não conduz a controlos de pessoas e mercadorias; por exemplo, a Irlanda do Norte continua a seguir as regras da União Europeia para produtos agrícolas e manufacturados, ao contrário do que acontece com o resto do Reino Unido. Além disso, o Reino Unido deixa a União Aduaneira mas a Irlanda do Norte continua a aplicar os códigos alfandegários da União Europeia nos seus portos.

O período de transição

Matéria sensível que está em aberto no período de transição é a que terá a ver com a eventual instauração de processos fronteiriços entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido.

O período de transição decorrerá nos próximos 11 meses, até final deste ano, e segundo o chefe do governo britânico, Boris Johnson, não será prorrogado.

Nos próximos meses cabe ao Reino Unido e à União Europeia estabelecerem um acordo comercial e as bases do seu relacionamento a longo prazo. Esta circunstância implica a definição dos pormenores de como a colónia da Irlanda do Norte se insere no processo.

Boris Johnson, por exemplo, afirma que não haverá formulários, controlos e barreiras alfandegárias entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido mas a União Europeia tem vindo a fazer constar que existirá um “novo processo administrativo”.

Um exemplo do que está em causa é a “declaração de saída” que envolverá todos os produtos britânicos que entram na Irlanda do Norte mas possam ter como destino final a República da Irlanda. Esses produtos serão alvo de taxas alfandegárias impostas pela União Europeia, que poderão ser posteriormente recuperadas no caso de ficar provado que foram consumidos na Irlanda do Norte.

O primeiro-ministro britânico declarou-se convicto de que o comércio de mercadorias com a Irlanda do Norte se fará “sem restrições”; a União Europeia ameaça com “novos controlos”, sobretudo em produtos alimentares.

Nas suas declarações “solenes” relacionadas com a saída do Reino Unido, os presidentes do Conselho Europeu, da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu foram disparando novas ameaças. Disseram que “estar fora não é o mesmo que estar dentro” e que “as relações entre as duas partes não serão tão boas”. Isto é, “quando há necessidade de se dizer o óbvio, aquilo que toda a gente sabe, é porque pretende transmitir-se o recado de que os negociadores britânicos continuarão a ter vida difícil”, comentou uma fonte oficiosa da Comissão.

A interligação entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido dependerá, portanto, do tipo de acordo comercial estabelecido entre Londres e Bruxelas – e até da possibilidade de não haver qualquer acordo. Neste caso a ligação económica e comercial entre o Reino Unido e a sua colónia irlandesa ficará eriçada de dificuldades.

Por outro lado, enquanto a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales teriam de se confrontar com barreiras da União Europeia no caso de não haver acordo comercial a Irlanda do Norte não, uma vez que a sua relação fronteiriça com a República da Irlanda não sofre alterações.


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