EUROPA AO LADO DE TRUMP CONTRA O IRÃO
2019-06-30
Salman Rafi Sheikh*, New Eastern Outlook/O Lado Oculto
As principais potências europeias, Alemanha, França e Reino Unido, continuam a afirmar oficialmente que estão a “tentar salvar” o acordo nuclear com o Irão mas, na verdade, já o venderam aos Estados Unidos. E quando dirigentes europeus visitam Teerão não o fazem para sublinhar a importância de o Irão continuar a respeitar o acordo mas sim para convencer este país a aceitar as exigências dos Estados Unidos e a renegociar o que ficou estabelecido em Genebra.
É óbvio que, apesar das declarações oficiais, os dirigentes europeus já sucumbiram aos Estados Unidos nas suas exigências para renegociar o acordo de 2015. Enquanto um enviado do Reino Unido estava recentemente no Irão para discutir a crise, na perspectiva de salvar o acordo, Londres enviou meios e efectivos do seu Special Boat Service (SBS, equivalente aos Navy Seals dos Estados Unidos) para o Golfo. A acompanhá-los seguiram ainda comandos de elite e mergulhadores dos Royal Marines, alegadamente para proteger os navios britânicos contra “ataques iranianos” na região.
O que este facto revela é que também as autoridades britânicas acreditam na versão norte-americana de que o Irão efectua ataques contra petroleiros no Golfo, ignorando completamente a circunstância de o acordo 5+1 estar a ser violado pela imposição de sanções contra Teerão. São estas as principais origens da crise e não o suposto comportamento do Irão.
Sem surpresas, mas com algum desapontamento, Teerão ouviu o que o ministro britânico Andrew Murrison tinha para oferecer. Kamal Kharrazi, chefe do Conselho Estratégico de Relações Externas do Irão – que trabalha com o dirigente religioso Ayatollah Ali Khamenei - revelou que o encontro foi “repetitivo”, uma vez que Londres nada tinha para oferecer. Kharrazi acrescentou que o Reino Unido, a Alemanha e a França não tomaram “medidas sérias” para salvar o acordo nuclear. Mesmo assim, causou alguma surpresa em Teerão que Murrison tenha acusado o Irão pelos ataques a petroleiros no Golfo, afirmando que Teerão “tem quase certamente responsabilidades” nos incidentes; isso significa, segundo o ministro britânico, que se os Estados Unidos “retaliarem” contra esses supostos ataques o Reino Unido será forçado a ficar do lado de Washington.
Zona de exclusão aérea
O Reino Unido não é o único país europeu que acredita na versão norte-americana dos incidentes com os petroleiros. A chanceler alemã, Angela Merkel, considera também que existem “fortes provas” sugerindo que o Irão é culpado. Significando isto que a Alemanha alinha com os Estados Unidos em relação ao Irão, a recente visita do ministro dos Negócios Estrangeiros de Berlim a Teerão foi mais uma representação dos interesses norte-americanos do que uma exposição das preocupações alemãs em relação ao acordo nuclear 5+1.
Um desenvolvimento importante dos acontecimentos é a imposição não declarada de uma zona livre de voos da aviação civil sobre o Golfo. A decisão partiu da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos, que ordenou a todas as companhias aéreas do país para evitarem o Golfo, devido a “uma ameaça iraniana”. Entre as companhias que seguem o diktat norte-americano encontram-se a British Airways (Reino Unido), a Lufthansa (alemã) e a Air France (França), reforçando assim a consistência das provas de que a Europa se pôs ao lado dos Estados Unidos num cenário de preparação de uma nova guerra no Golfo. Uma zona de exclusão aérea não é propriamente uma decisão tomada em ambientes de paz.
Mais uma “grande coligação”
A capitulação tácita da Europa resulta também da activa estratégia de chantagem aplicada pelas autoridades dos Estados Unidos. O novo secretário da Defesa e chefe do Pentágono, Mark Esper, disse recentemente em Bruxelas que pretende criar uma coligação internacional ampla para dissuadir o Irão de defender o acordo nuclear e obrigar os seus dirigentes a regressarem à mesa de negociações. A sua visita à reunião dos ministros da Defesa da NATO teve como objectivo reforçar a posição assumida na semana anterior pelo secretário de Estado, Michael Pompeo, relacionada com o intuito de criar uma coligação alargada integrando países asiáticos e europeus. Pompeo transmitiu esta mensagem depois de se reunir com dirigentes dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita. Daí a relutância europeia em reforçar efectivamente os seus compromissos em relação ao acordo nuclear; e, de alguma forma, daí a disponibilidade dos europeus para aceitarem as exigências dos Estados Unidos de que deixem de fazer negócios com Teerão. Como disse o presidente Donald Trump, “a Europa tem de escolher entre fazer negócios com os Estados Unidos ou fazer negócios com o Irão”. A Europa já escolheu.
Tornando cristalinas as suas verdadeiras intenções, Esper disse que o seu objectivo é, em primeiro lugar, convencer os aliados a manifestarem indignação com as supostas actividades do Irão no Golfo. Em segundo lugar, pretende que os aliados apoiem “qualquer tipo de actividades” neste cenário de conflito com o Irão. Para se ter a noção de que “qualquer tipo de actividades” não se relaciona com “conversações”, Marck Esper é conhecido como sendo alguém favorável a preparações militares agressivas e à sua utilização a um nível global para proteger e projectar “os interesses dos Estados Unidos”.
Outra razão para a queda da Europa na malha tecida pelos Estados Unidos é o facto de Washington ter conseguido persuadir as principais potências europeias das provas “irrefutáveis” do envolvimento iraniano aos ataques de petroleiros no Golfo. Os Estados Unidos tentam convencer os europeus de que o Irão também os ameaça e, por isso, devem igualmente contribuir para proteger o Estreito de Ormuz. Trump disse recentemente que se os europeus querem segurança no Estreito de Ormuz “deverão pagá-la”.
Uma alternativa para “pagar” este preço pode ser apenas a de se colocarem ao lado dos Estados Unidos enquanto a crise se agudiza. Os Estados Unidos trabalham activamente para conseguir o apoio europeu e já conseguiram um êxito razoável neste contexto, deixando o Irão com pouca ou nenhuma confiança na capacidade da Europa para evitar crises e normalizar a situação.
*Analista e investigador paquistanês de Relações Internacionais, sobretudo ao nível da Eurásia