O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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QUEM GANHA COM A “SABOTAGEM” NO GOLFO?

Como é que vários grupos de comandos iranianos podem passar despercebidos durante 150 quilómetros em águas infestadas pela V Esquadra norte-americana? Milagre?

2019-05-16

Finian Cunningham, Strategic Culture/O Lado Oculto

Depois de dirigentes belicistas norte-americanos terem emitido dramáticas advertências subordinadas ao tema “agressão iraniana” segue-se agora – muito convenientemente – um suposto incidente de sabotagem na região do Golfo implicando o Irão.

Enquanto isso, o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, encena uma pose de rosto grave para assegurar que o seu país não quer uma guerra com Teerão. Os seus comentários desafiam a credibilidade, uma vez que as forças operacionais dos Estados Unidos aumentaram subitamente o seu poder de fogo no Golfo com o objectivo de “responder” a supostas infracções iranianas.

Seguindo o padrão habitual, os noticiários ocidentais “relatam” ou “ecoam” o suposto incidente de sabotagem como se fosse real, baseando toda a informação em fontes sauditas e dos Emirados, sectores que têm manifestado todo o interesse em encontrar pretextos para uma guerra contra o Irão.

Tendo em conta as mentiras grotescas e descaradas que emanaram do regime saudita, por exemplo a propósito do assassínio do jornalista Jamal Khashoggi e também das execuções bárbaras e em massa de dissidentes políticos, é nauseante o modo como os media ocidentais se mostram tão crédulos citando as fontes sauditas como fiáveis em relação ao suposto incidente no Golfo.

“Dois petroleiros sauditas foram sabotados na costa dos Emirados Árabes Unidos, o que representa uma ameaça potencialmente séria ao abastecimento mundial de petróleo”, relata o Guardian britânico, atribuindo a origem da informação ao “governo saudita”. O que o diário omitiu foi o adjectivo “alegada” antecedendo o substantivo “sabotagem”. Observe-se como a mensagem transmitida é a da existência de um acontecimento factual com objectivos maliciosos. A maioria dos outros meios de comunicação ocidentais adoptaram a mesma confiança nas informações oficiais da Arábia Saudita e dos Emirados.

Os “interesses norte-americanos”

Na semana passada, o Irão ameaçou novamente bloquear as suas águas territoriais no Estreito de Ormuz, “se” os Estados Unidos realizarem um ataque militar contra o país. Um movimento desses por parte de Terrão faria a economia global entrar numa situação caótica, devido aos efeitos nos mercados petrolíferos. E, sem qualquer dúvida, desencadearia uma guerra total entre os Estados Unidos e o Irão na qual regimes regionais pró-norte-americanos, como a Arábia Saudita e Israel, se mobilizariam para facilitar os ataques contra Teerão.

Até ao momento não se registou qualquer acusação oficial contra o Irão a propósito do último suposto incidente de navegação. Mas circulam implicações distorcidas para enquadrar a República Islâmica.

O ministro da Energia da Arábia Saudita, Khalid al-Falih, que os media ocidentais citaram sem qualquer filtro crítico, afirmou que um dos navios alegadamente atacado estava a caminho de carregar petróleo bruto no porto saudita de Ras Tanura, com destino ao mercado norte-americano. O dirigente saudita não acrescentou pormenores substanciais sobre a alegada sabotagem, mas realçou que o objectivo foi o de “minar a liberdade de navegação”. Pelo que pediu “uma acção internacional” para “proteger a segurança” dos petroleiros, uma solicitação à medida do “polícia” norte-americano e da sua intenção de cobrir o mundo com as suas missões imperialistas.

Quando, na semana passada, os Estados Unidos enviaram um porta-aviões com o seu grupo de combate, incluindo bombardeiros B-52, para o Médio Oriente assumiram o direito de atacar “o Irão ou os seus procuradores” por qualquer suposto ataque “aos interesses norte-americanos”. A formulação adoptada para essas advertências é tão vaga e subjectiva que nela cabe qualquer tipo de provocação que seja montada.

Não há informações verificáveis

Um petroleiro a caminho de ser carregado com petróleo bruto destinado aos Estados Unidos? Trata-se de um acto passível de ser qualificado como uma agressão iraniana contra interesses vitais norte-americanos.

Ainda na semana passada, Washington fez declarações segundo as quais “o Irão e entidades afins” estavam dispostos “a interferir no tráfego marítimo comercial”. Dias depois, como que por magia, a suposta sabotagem de quatro navios parece encaixar-se na encenação.

O Irão, pelo seu lado, assegurou que não iniciaria uma guerra com os Estados Unidos; actuará apenas para se defender de qualquer ofensiva norte-americana. O ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano qualificou as recentes alegações de sabotagem como “altamente alarmantes” e exigiu mais clareza das autoridades sauditas e dos Emirados sobre o que aconteceu exactamente. Podemos estar certos de que as explicações destas não serão limpas, tendo em conta o seu histórico de calúnias.

A questão de fundo é, por certo, quem terá a ganhar com estes novos focos de tensão. Eles cumprem, à medida, os desejos norte-americanos, israelitas e sauditas de elevar o nível de tensão contra o Irão.

Outra questão importante é o local da suposta sabotagem. Se o Irão pretendesse, de facto, realizar uma operação desse tipo o mais viável seria fazê-la perto das suas águas territoriais do Estreito de Ormuz. Muito a sério: como seria possível que vários grupos de comando iranianos atacassem quatro petroleiros navegando em águas a 150 quilómetros de distância tendo em conta que se trata de uma área rigorosamente vigiada pela Quinta Esquadra dos Estados Unidos, actuando no Golfo?

De modo suspeito, e como já se concluiu, não existem informações verificáveis sobre a suposta sabotagem. Tudo o que temos são afirmações de autoridades sauditas e dos Emirados, o mesmo tipo de pessoas para quem os jornalistas se evaporam em edifícios consulares, as crianças do Iémen são massacradas “por engano”, mulheres chiitas que protestam pacificamente contra a maneira como a sua minoria é oprimida na Arábia Saudita são barbaramente decapitadas à espada como "terroristas”.

E, vergonhosamente, os meios de comunicação ocidentais alinham com olhos ingénuos e vesgos nesta charada inconcebível.

Bandeira falsa

Sequência, momento, fontes, agenda e motivos, além da devida obediência dos media ocidentais: os indícios são os de uma operação de bandeira falsa para incriminar o Irão.

Se a artimanha não resultar em pretexto para um ataque militar norte-americano, no mínimo Washington e os seus clientes sauditas e israelitas tentarão garantir que os seus subordinados europeus se cheguem à linha da frente da guerra económica contra o Irão a propósito do acordo nuclear. O tratado internacional que, muito a propósito, foi torpedeado – de forma verificável – pela sabotagem política norte-americana.

O que está a acontecer é, de facto, é outro caso descarado de inversão da realidade. Compare-se esta situação com as falsidades contemporâneas dos Estados Unidos contra a Venezuela, Síria, Cuba, Rússia, China, Coreia do Norte e assim por diante. A criminosa agressão norte-americana é novamente branqueada, de forma incrível, com a chancela moral da comunicação social corporativa, que tem a ousadia de chamar “serviço de notícias” à sua descarada propaganda de guerra.

O mundo está, de facto, a ser posto perante uma guerra potencialmente catastrófica por um regime genuinamente criminoso como é o dos Estados Unidos da América.


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