COMO A ALEMANHA DOMINA A UNIÃO EUROPEIA
2018-09-21
Pilar Camacho, Bruxelas
A gestão de Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia arrasta-se penosamente para o fim e começa a falar-se do seu sucessor. A escolha será apenas para o ano, mas existem poucas as dúvidas de que o lugar irá ser ocupado por um alemão, o bávaro Manfred Weber. É a ordem natural das coisas no aparelho não-eleito que gere e controla a União Europeia, sobretudo desde a crise financeira-económica-política iniciada há 10 anos.
É verdade que Jean-Claude Juncker tem cumprido a missão como se fosse alemão. E no caso de o seu comportamento registar falhas no respeito pelos interesses que deve servir, a presença tutelar do alemão Martin Selmayr no cargo de secretário-geral da Comissão serve para as emendar, de preferência para evitá-las – como recentemente foi evidente. A diligência de Bruxelas junto da Administração Trump para manter a indústria automóvel europeia, por consequência os grandes impérios alemães do sector, fora da guerra de tarifas alfandegárias foi pessoalmente executada por Juncker, mas sob o controlo estrito e estratégico de Selmayr.
Apesar de assegurar a defesa dos seus interesses através de interpostos aliados, Berlim mostra cada vez mais empenho em ter a estrutura de decisão da União em mãos próprias, sobretudo da CDU da chanceler Merckel e dos seus aliados de extrema-direita, a ala bávara ou CSU.
Não pareceria muito natural que Berlim continuasse a confiar num político como Juncker, que lhe obedece, é certo, mas perde peso e prestígio a uma velocidade trágica, designadamente agora que se envolveu no labirinto da campanha sobre a mudança, ou não, da hora no contexto europeu. “Juncker começou o mandato dizendo que ia concentrar-se nos grandes temas para não perder tempo com os pequenos; agora entra no último ano envolvido numa campanha inútil contra a mudança da hora e declarando-se comandante da guerra da União Europeia contra os populismos, sabendo perfeitamente que é a política de Bruxelas que lhes dá alento”, afirma um funcionário da União Europeia, de nacionalidade alemã. “Nem Barroso chegou a um descalabro destes”, acrescentou.
Manfred Weber surge assim muito bem lançado para dirigir a Comissão. É o presidente do Partido Popular Europeu (PPE), o grupo direitista do Parlamento Europeu que integra o PSD e o CDS, e vice-presidente dos sociais-cristãos bávaros (CSU). A trajectória política deste grupo aproxima-se cada vez mais do neofascismo xenófobo, devido à necessidade sentida pela direita institucional alemã de afastar a concorrência crescente da ultra-extremista Alternativa para a Alemanha. As dificuldades que envolveram a mais recente versão do governo Merckel centraram-se, em boa percentagem, nas dificuldades de acordo entre a CDU e a CSU, mas tudo acabou por resolver-se; e a presidência da Comissão Europeia pode ter sido uma das moedas de troca no negócio.
Ao tornar-se cabeça de lista da direita alemã para as eleições europeias do próximo ano, Weber beneficiará do peso germânico dentro do PPE para se instalar à frente da Comissão Europeia.
Estrutura germanizada
A previsível escolha de Manfred Weber representará um êxito importantíssimo na estratégia de germanização absoluta da gestão europeia.
Presentemente, três das quatro instituições europeias têm secretários-gerais alemães: Martin Selmayr (Comissão Europeia); Klaus Welle (Parlamento Europeu, onde o secretário-geral adjunto é igualmente alemão); Helga Schmidt (Serviço Europeu de Acção Externa).
Sobre a importância fundamental do cargo de secretário-geral no funcionamento dos organismos não haverá muito a acrescentar.
Dentro da estrutura europeia, esta situação multiplica-se. O Presidente do Tribunal Europeu de Contas é o alemão Klaus-Heiner Lehne; o presidente do Banco Europeu de Investimento é o alemão Werner Hoyer; o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade é o alemão Klaus Regling; o presidente do Conselho de Resolução Único das Crises Bancárias é o alemão Elke Konig.
Além disso, o Comissário Europeu do Orçamento, pedra angular da política da Comissão e do controlo sobre os orçamentos dos Estados membros, é o alemão Gunther Ottinger.
Não se trata apenas de alemães; são políticos e tecnocratas oriundos dos quadros e estruturas afins da CDU-CSU, que domina a cena política alemã.
Faltará falar do Banco Central Europeu, sediado na praça financeira alemã de Franckfurt. Mário Draghi, o italiano que actualmente preside, está no cargo contando com a total cumplicidade alemã e fiscalizado de muito perto pelo alemão Peter Praet, da Comissão Executiva.
Prevê-se que na próxima escolha se registe fenómeno idêntico ao que se verifica com a Comissão Europeia e a germanização do BCE se torne directa. Na circunstância, existe uma alternativa com algum peso, a do francês François Villeroy de Galau. Até onde chegará ao desafiar o poderoso muro berlinense? Provavelmente, não muito longe.
Acresce que os presidentes de quatro dos oito grupos políticos do Parlamento Europeu são alemães, entre eles os dos maioritários: PPE e Socialistas e Outros Democratas.
A germanização da União Europeia não é apenas uma imagem política; é uma realidade que funciona. E ao ritmo do novo marco – o euro.