LÍBANO RESISTE À INVESTIDA COLONIAL DE POMPEO

2019-03-26
Edward Barnes, Beirute
O secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, ameaçou o Líbano de cortar a contribuição financeira anual norte-americana no caso de as autoridades de Beirute não cederem parte das suas águas territoriais – com reservas de gás natural – a Israel e não marginalizarem o Hezbollah da vida política do país.
As exigências norte-americanas foram apresentadas durante uma visita de Pompeo a Beirute, em 22 de Março, na qual se encontrou com os presidentes dos três órgãos de soberania: o presidente Michel Aoun (cristão), o primeiro-ministro Saad Hariri (muçulmano sunita) e o presidente do Parlamento Nabih Berri (muçulmano xiita). Ao contrário do que é mais habitual, todos os dirigentes libaneses defenderam uma posição única e soberana, rejeitando as pressões do secretário de Estado; o que levou Pompeo a subir o tom das ameaças durante a conferência de imprensa final.
O episódio decorreu no contexto do reconhecimento norte-americano da anexação dos Montes Golã por Israel, atitude da qual os libaneses se distanciam. O presidente libanês e o presidente russo vão inclusivamente debater o assunto.
A gula pelos hidrocarbonetos
O reconhecimento da anexação do território sírio do Golã por Israel surgiu na ordem do dia desde que ficou provada a existência de valiosas reservas petrolíferas na zona.
O mesmo assunto motivou, em grande medida, a visita de Michael Pompeo a Beirute.
Israel tem vindo a disputar ao Líbano um sector marítimo offshore conhecido por Bloco 9, com uma área de 860 quilómetros quadrados na qual foram detectadas reservas de gás natural. O Líbano tem, em relação a esse sector, o direito de o definir como parte das suas águas territoriais.
Uma das figuras que tem estado envolvido na “mediação” deste conflito é o embaixador norte-americano Frederic C. Hof, enviado do Departamento de Estado para a região e também um destacado membro do Conselho do Atlântico, entidade que funciona como uma das muitas máscaras da CIA. Hof propõe a Beirute e Telavive a divisão do Bloco 9 por uma linha atribuindo 500 quilómetros quadrados ao Líbano e 360 a Israel.
Na sua recente visita a Beirute o secretário de Estado norte-americano foi conhecer a resposta dos dirigentes libaneses e ouvir uma rejeição. “O Líbano não está disposto a ceder a sexta parte das suas águas territoriais a Israel”, disseram os responsáveis libaneses.
Beirute propusera anteriormente que fosse a ONU a estabelecer uma “linha divisória não-permanente” até ao estabelecimento de uma divisão final negociada; durante o período transitório, porém, não haveria lugar a qualquer investimento na exploração das riquezas naturais do sector. Os Estados Unidos nem se pronunciaram sobre esta proposta
Síria: nova dissonância
Pompeo incluiu também a Síria no pacote de propostas que levou a Beirute.
Sugeriu que o Líbano integrasse o grupo restrito de países – Estados Unidos, França, Reino Unido, Jordânia e Arábia Saudita – que estão a definir como prosseguir a guerra contra a Síria; e pediu que o Líbano não facilitasse o regresso dos refugiados sírios ao seu país, para que possam continuar a ser utilizados como factor de manutenção da instabilidade no seu país.
Beirute rejeitou ambos os pontos. Alegou que tenciona manter a posição de “neutralidade” em relação ao conflito sírio, definida em 2012; e que não há razões para levantar obstáculos ao regresso dos refugiados ao seu país, uma vez que praticamente não existem combates e se nota um grande esforço de Damasco para restaurar a normalidade.
Perante estas respostas, o secretário de Estado norte-americano elevou o tom ameaçador durante a conferência de imprensa final, na qual foi acompanhado pelo ministro libanês dos Negócios Estrangeiros. Nesse acto, Pompeo esteve ao nível de quem considera que “Trump pode ter sido um enviado do Senhor para salvar o povo judeu”.
Lembrou que o Líbano aufere anualmente 800 milhões de dólares dos Estados Unidos devido ao facto de receber e conter elevado número de refugiados sírios, verba que pode ser cortada ou eliminada se não alterar as suas posições actuais e também se não excluir o Hezbollah da vida política do país.
O Hezbollah, disse Pompeo, é um “movimento de mercenários financiado pelo Irão” e não pode fazer parte da vida em democracia, porque “provoca a instabilidade regional em detrimento do povo libanês”. O partido, porém é o terceiro maior da cena política libanesa, com 12 deputados, três ministros no governo e que domina eleitoralmente parte de Beirute e o sul do país.
Além disso, o Hezbollah tem actuado como verdadeiro tampão às invasões de Israel, derrotando-as em 1996 e 2006 e suprindo as carências do exército nacional libanês.
As reacções dos órgãos de soberania libaneses às pressões norte-americanas traduzem um momento alto das estruturas de “unidade nacional” em funções, percebendo-se assim, sobretudo em contexto regional, as necessidades sentidas por Estados Unidos e Israel de as desarticularem.