O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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DE FUNCIONÁRIO DA NATO A CENSOR DO FACEBOOK

2021-02-14

Alan MacLeod, MintPress/Adaptação de O Lado Oculto

Ben Nimmo, ex-assessor de imprensa da NATO e actual membro sénior do Atlantic Council, um think-tank que é uma emanação da mesma aliança militar, anunciou que foi contratado pelo Facebook para “chefiar a estratégia de inteligência contra ameaças globais, operações de influência” e “ameaças emergentes”. Nimmo citou especificamente a Rússia, a China e o Irão como potenciais perigos para aquela plataforma de redes sociais.

O anúncio foi recebido com alegria por funcionários da NATO. A aliança tem por hábito controlar a informação e a circulação de opiniões que não coincidam com os seus pontos de vista e interesses. 

“Vem aí mais censura a caminho”, comentou o jornalista Max Blumenthal a propósito da tarefa atribuída pelo Facebook a Nimmo. Recordou, a propósito, que o ex-assessor de imprensa da NATO já foi também um “investigador” financiado pelo Pentágono, cargo em que rotulou pessoas reais como “bots” de internet russos e espalhou desinformação associando o ex-dirigente trabalhista britânico Jeremy Corbyn a movimentos pelo favorecimento de interesses da Rússia em matéria de novas tecnologias. No quadro das suas prestações de serviços à NATO e outras entidades dela decorrentes, Nimmo dirigiu a chamada Iniciativa de Integridade, um exército secreto de trolls utilizado online pelo governo do Reino Unido.

Passando em revista as actividades recentes de Ben Nimmo e a sua posição no Atlantic Council é legítimo deduzir que ao fazer esta contratação o Facebook não está preocupado com o acesso à troca livre e aberta de informações e opiniões por parte dos 2800 milhões de frequentadores da rede social.

“Agentes de desinformação”

Em 2019, por exemplo, o dirigente do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, revelou documentos secretos do Partido Conservador demonstrando que o governo conservador estava a efectuar negociações com a administração norte-americana sobre a privatização do Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido. A poucos dias de eleições gerais no país, este escândalo poderia ter provocado a queda do governo e, eventualmente, levado ao poder um outro executivo menos favorável à guerra e às manobras do velho establishment do país.

Neste cenário, a comunicação social corporativa entrou imediatamente em acção espalhando notícias que davam conta, sem qualquer prova, de que os documentos exibidos por Corbyn se “pareciam muito com uma operação russa muito conhecida”. Ben Nimmo esteve por detrás da manobra. As suas intervenções como “especialista” permitiram que a opinião pública fosse focada nos supostos “vínculos de Corbyn com a Rússia” e não no facto de “os conservadores estarem a privatizar o NHS em segredo”. Os esforços de Nimmo contribuíram para a vitória eleitoral dos conservadores e fizeram com que Corbyn saísse de cena.

O desfecho foi um grande alívio para a NATO e para o Atlantic Council. Nimmo construiu a imagem de que Jeremy Corbyn era “um cavalo de Tróia do Kremlin” – alguém que estava a promover a agenda de Moscovo no exterior. A banalização deste conceito teve repercussões ao nível dos instrumentos de poder britânicos e internacionais. Um general do exército de sua majestade proferiu um pronunciamento alegando que se Corbyn vencesse as eleições os militares seriam obrigados a reagir; e o então secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, advertiu que os Estados Unidos estavam a fazer “o seu melhor” para impedir que um “esquerdista radical” conquistasse o poder no Reino Unido.

O novo censor contratado pelo Facebook não costuma mostrar-se inquieto com o facto de as suas operações de desinformação virem a ser comprovadas como “fake news”, certamente porque está atento para fazer sumir essa realidade ou então invertê-la segundo os seus objectivos, através dos meios que manipula.

Em 2018 as suas “pesquisas” identificaram o usuário do Twitter “@ Ian56789” como um “troll do Kremlin”. O usuário em causa, na verdade, era Ian Shilling, um reformado britânico, como a estação de televisão Sky News confirmou facilmente. Entrevistou-o em directo e não evitou fazer a pergunta claramente absurda sobre se ele era ou não um bot russo. Apesar de ser, como todos puderam constatar, um cidadão de carne e osso e não uma miragem na internet manipulada por funcionários informáticos, Shilling acabou por ser punido pelo aparelho censório do Twitter e a sua conta foi removida.  

Já anteriormente Bem Nimmo insistira em que o usuário do Twitter com o nome de Valentina Lisitsa era “um influente bot russo”. 

Na verdade trata-se de uma pianista com dupla nacionalidade ucraniana e norte-americana internacionalmente conhecida, como uma simples pesquisa no Google teria demonstrado.

Lisitsa acabou por não levar muito a sério as manobras de Nimmo. Numa resposta no Twitter reconheceu que era “influente”, com 400 mil subscritores e 170 milhões de visualizações no YouTube; alegou que não é “russa” mas sim ucraniana e norte-americana; e aceitou o papel de “robot” ou “bot” porque, ironizou, “os humanos não conseguem tocar como eu toco”.

O tipo de comportamento de Ben Nimmo, porém, não augura nada de bom no Facebook para os que se arriscarem a criticar as políticas externas ocidentais. Pela frente terão um assédio permanente, suspensões ou até a proibição total de frequentarem as redes sociais.

Atlantismo puro e duro

O Atlantic Council ou Conselho do Atlântico é, como think-tank ou grupo de pressão, um desdobramento da própria NATO mantenho ligações permanentes e profundas com a aliança militar expansionista. Continua a receber enormes financiamentos de governos ocidentais e dos colossos da indústria de guerra. Os seus corpos gerentes transbordam de ex-dirigentes e ex-funcionários das políticas externa e de defesa dos Estados Unidos como Collin Powell – o da mentira sobre as “armas de destruição massiva” do Iraque – Condolezza Rice e o inevitável Henry Kissinger. Na sua direcção figuram nada menos que sete ex-directores da CIA e vários generais relevantes como Jim “Mad Dog” Mattis, Wesley Clark e David Petraeus.

Durante os últimos anos, os membros do grupo infiltraram-se profundamente em grandes organizações de tecnologia e media social, o Big-Tech emanando de Silicon Valley e cujo poder vai começando a ultrapassar o dos próprios Estados. Em 2018 o Atlantic Council anunciou que estabelecera uma parceria com o Facebook para intervir no controlo de feeds de notícias de usuários de todo o mundo, assumindo o poder de decidir sobre o tipo de matérias a destacar, a rebaixar e excluir. Um ano antes, Jessica Ashooh deixou o cargo de directora-adjunta da estratégia de Médio Oriente do think-tank para assumir a direcção de política no Reddit, o oitavo website mais visitado nos Estados Unidos. No entanto, como acontece genericamente nas agências de inteligência, não está realmente claro se alguém “deixa” o Conselho do Atlântico.

Não é apenas a Rússia que está na mira da NATO e dos seus braços assumidos ou clandestinos. No início deste ano, o Atlantic Council publicou um relatório anónimo de 26 mil palavras defendendo que o objectivo em relação à China deveria ser a mudança de regime e aconselhando a administração Biden a traçar uma série de “linhas vermelhas” susceptíveis de provocar respostas militares dos Estados Unidos, se ultrapassadas. Ao mesmo tempo, o chefe do Comando Estratégico dos Estados Unidos (StratCom), almirante Charles A. Richard, escreveu que o país deve preparar-se para uma potencial guerra nuclear com a China. Por sinal, o StratCom tem como lema “A paz é a nossa profissão”.

Maior controlo

A escalada militar é acompanhada pela intensificação da guerra de propaganda online. Os Estados Unidos fazem convergir acções com o objectivo de isolar economicamente a China e travar o avanço tecnológico chinês, como se percebe através dos ataques à rede 5G da Huawei, aos telefones móveis e semicondutores do fabricante Xiaomi e à aplicação de partilha de vídeos TikTok. Uma das tarefas de Ben Nimmo foi de espalhar suspeitas de actividades nocivas chinesas online através da suposta existência de uma rede de bots manobrados por Pequim para fazer crer aos norte-americanos que a China lidou com a pandemia de Covid-19 muito melhor que os Estados Unidos. Como se os cidadãos norte-americanos necessitassem de posts de robots para se aperceberem por si dessa realidade óbvia.

Uma tónica constante da propaganda ocidental é a definição permanente da agenda de temas em destaque e também a tentativa de convencer os cidadãos de que existem mecanismos patrocinados por governos adversários para controlarem as suas opiniões públicas.

Desta maneira, as organizações governamentais ocidentais culpam os inimigos dessas manobras enquanto garantem controlo cada vez mais apertado sobre os seus meios de comunicação e as redes sociais, de tal maneira que se torna cada vez mais difícil distinguir onde acaba o verdadeiro Estado profundo e começa o chamado “quarto poder”. Neste cenário o Big-Tech começa a sobrepor-se aos Estados no quadro da privatização da globalização e podem já perceber-se situações nas quais as redes sociais censuram e suspendem as contas de chefes de Estado em plenitude de funções.

A transferência de Ben Nimmo da NATO e de um grupo de pressão da NATO para o Facebook é apenas mais um exemplo destes fenómenos em curso.

Não será de prever que Nimmo vá fazer no Facebook o controlo das interferências de organizações ocidentais na manipulação das redes sociais, uma vez que faz parte de uma.


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