BOLTON: TRUMP CONSIDERA VENEZUELA “PARTE DOS ESTADOS UNIDOS”
2020-06-21
José Reinaldo de Carvalho*, Resistência/O Lado Oculto
John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos entre Abril de 2018 e Setembro de 2019, acaba de lançar sobre a Casa Branca uma bomba cujos estilhaços podem acarretar efeitos devastadores neste final de mandato do presidente Donald Trump, comprometendo não só diferentes aspectos da política doméstica, como principalmente as relações externas daquela que, embora decadente, ainda é a maior superpotência do mundo.
No livro “The Room Where It Happened: A White House Memoir” (“A Sala Onde Aconteceu: Uma Memória da Casa Branca”, em tradução livre), o ex- assessor presidencial revela, entre outras coisas, que Donald Trump cogitou invadir a Venezuela. O titular da Casa Branca achava “legal” ocupar o país sul-americano, torná-lo uma colónia, por considerá-lo “realmente parte dos Estados Unidos”, segundo a narrativa de John Bolton.
O Departamento da Justiça entrou com uma acção contra o autor, alegando que o livro contém “informações classificadas” e sua publicação “comprometeria a segurança nacional”, razão pela qual o lançamento da obra foi adiado para Julho, o que ainda é incerto. Os trechos que vieram à luz são fugas publicadas por veículos da imprensa corporativa norte-americana.
As razões de Bolton para fazer as revelações comprometedoras decerto não se devem a posições políticas e ideológicas distantes das do ex-chefe, porquanto o ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump é ultraconservador e defensor extremado da supremacia norte-americana no mundo. Serviu os governos também reaccionários de George W. Bush (2001-2009), o verdugo do povo iraquiano, e de Ronald Reagan (1981-1989), expoente histórico da direita norte-americana. Bolton foi demitido em Setembro de 2019 por razões tácticas conjunturais, depois de chocar com Trump por causa da recusa do presidente em bombardear o Irão como represália pelo derrube de um drone espião dos EUA no Golfo Pérsico.
No governo, Bolton compartilhava a política de intervenção na Venezuela, de intensificação do bloqueio a Cuba e de multiplicação das sanções contra o Irão. Um ortodoxo da tese de que as sanções económicas, ao estrangular um país, têm o condão de levantar o povo contra os governos que os Estados Unidos pretendem derrubar via golpe ou intervenção militar.
As revelações de Bolton comprometem e desmascaram imensamente Donald Trump e o círculo de poder da Casa Branca, até pela proverbial ignorância do presidente, que não sabia sobre a capacidade nuclear do Reino Unido nem que a Finlândia não fazia parte da Rússia. Não se descarte a hipótese de amanhã algum outro assessor revelar que Trump também desconheça que a União Soviética foi extinta e a Guerra Fria acabou há 30 anos.
“Agora somos gringos…”
Quanto à Venezuela, sempre foram indisfarçáveis as pretensões de Trump, que o livro de Bolton corrobora.
O seu mandato tem sido marcado pelo mantra de que “todas as opções estão na mesa” para a Venezuela. Aplicou meticulosa e constantemente a política de sanções, sempre duras, mas, durante algum tempo, parciais. Em Agosto de 2019 proclamou as sanções totais, o bloqueio do país bolivariano. Ao longo dos anos de 2018 e 2019, os agentes e espiões dos Estados Unidos fomentaram as “guarimbas”, acções violentas que visavam desencadear a guerra civil no país.
A opção do golpe de Estado foi tomada em Janeiro de 2019, quando o deputado Juan Guaidó se autoproclamou “presidente interino”, logo reconhecido pelos Estados Unidos e alguns outros países.
A intervenção militar foi pensada um mês depois, com a ajuda dos governos de extrema-direita do Brasil e da Colômbia, sob o pretexto de fazer entrar à força na Venezuela uma suposta ajuda económica.
Em Maio último, mercenários norte-americanos foram capturados na Venezuela numa tentativa frustrada de se infiltrar no país para sequestrar o presidente Nicolás Maduro.
A reacção do chefe de Estado bolivariano aos trechos do livro não se fez esperar. Tempestivamente, Maduro pronunciou-se através da rede nacional de televisão na passada quarta-feira (17), denunciando as pretensões intervencionistas e colonialistas de Trump e anunciando de novo a sua derrota
Maduro ironizou: “Segundo Trump, não somos a Venezuela, somos gringos”, mas “as verdades estão a ser reveladas, as verdades do que enfrentámos e derrotámos durante estes anos de 2019 e 2020 estão vindo à tona e continuaremos a derrotá-los”, disse o presidente venezuelano.
As revelações do livro de Bolton sobre a Venezuela representam mais uma derrota da estratégia de Trump para liquidar a revolução bolivariana.
Ainda que não tenha sido sua intenção, o livro de Bolton torna imoral qualquer ataque à Venezuela, mas não só. As suas revelações atingem também as concepções toscas da direita mundial, especificamente a brasileira, e a visão oportunista de sectores de “esquerda”. Da direita, devido ao facto de a política externa do Itamaraty sob Bolsonaro-Ernesto Araújo se mover pela obsessão de atacar o país vizinho para aniquilar seu governo democrático-popular. E dos sectores oportunistas da esquerda por rotularem o falecido líder Hugo Chávez e o actual presidente como “ditadores”.
Em ambos os casos, não levam em conta a essência do anti-imperialismo e do carácter democrático-popular da República Bolivariana da Venezuela, cuja Constituição proclama o país como “irrevogavelmente livre e independente”, tendo por fundamento moral e valores “a liberdade, a igualdade, a justiça e a paz internacional”. Conceitos tão simples que tanto a direita como os sectores vacilantes da esquerda não conseguem entender e aceitar: anti-imperialismo, democracia, justiça e paz.
Estes valores inspiram-se na doutrina de Simon Bolívar, o Libertador, actualizada e aperfeiçoada por Hugo Chávez, em pleno contraste e antagonismo com o “destino manifesto” do imperialismo norte-americano, que a Revolução Bolivariana jurou combater. “Os Estados Unidos parecem destinados pela providência para encher de fome e miséria a América em nome da Liberdade”. (Simon Bolívar). O factor contrário era, segundo Hugo Chávez, a compreensão de que o espírito da nossa época é o anti-imperialismo, que se exerce confiando na “pulsão revolucionária das massas populares”.
*Jornalista, editor de Resistência, membro do Comité Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB. Secretário-Geral do Cebrapaz