O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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CENSURA GLOBAL : WIKIPEDIA E VENEZUELA

2020-06-16

Alan Macleod, MintPress/Adaptação O Lado Oculto  

Incapaz de convencer um número suficiente de pessoas no país a segui-la, a oposição venezuelana tem voltado esforços para cativar uma audiência internacional – principalmente norte-americana – de modo a apoiar as suas causas. Parte desse esforço é realizado online, provocando discussões em inglês nas redes sociais, criando redes de bots (robots) e editando os artigos da Wikipedia. Muitos dos artigos da Wikipedia sobre a Venezuela são tendenciosos e favoráveis à oposição, contendo numerosas imprecisões, falsidades e manipulações.

Recentemente, de acordo com o website Grayzone, um grupo de venezuelanos de direita tem vindo a conseguir proibir o recurso na Wikipedia a uma variedade de meios de comunicação alternativos que não se encaixam nas suas opiniões. A lista inclui o MintPress (já proibido na Wikipedia), o The Grayzone e o muito elogiado website independente de notícias Venezuelanalysis, o mais completo recurso em língua inglesa no país. Um usuário especialmente activo, ZiaLater, membro de um grupo designado “Projecto Venezuela”, que controla e modera conteúdos da Wikipedia relacionados com o país, foi o catalisador da proibição de sites com orientações anti-imperialistas. Alguns elementos do “Projecto Venezuela” passam longas horas alterando páginas de informações relacionadas com o país no sentido de as tornarem mais críticas contra o governo e solidárias com a oposição.

Os polícias da narrativa

A Wikipedia sugere o uso de fontes convencionais financiadas por empresas que considera “geralmente fiáveis”. Na Venezuela, porém, esses meios assemelham-se nos seus conteúdos aos que fazem a propaganda das mudanças de regime orientadas pelos Estados Unidos. Por exemplo, a CNN, a BBC e o Daily Telegraph, entre muitos outros, relataram como factos reais a falsificação segundo a qual o governo venezuelano queimou camiões de ajuda humanitária que tentaram entrar no país a partir da Colômbia no ano passado. Na realidade foi a oposição que queimou os seus próprios camiões, conforme relatos feitos imediatamente pelo Grayzone, o MintPress e vários outros meios de informação que estavam efectivamente no local. Várias transmissões em directo e com boa circulação testemunharam os acontecimentos em tempo real. Tudo isso, no entanto, foi ignorado pelos media corporativos. O New York Times, uma fonte de conteúdos recomendada pela Wikipedia, emprega actualmente um jornalista que faz a cobertura da Venezuela e me admitiu abertamente on the record que se considera um “mercenário” vocacionado para publicar histórias ultrajantes e exageradas para cumprir os objectivos que lhe são pedidos. Outros jornalistas disseram-me que alguns dos seus colegas têm como missão número um derrubar o governo de Nicolás Maduro.

Em 2017, o Washington Post publicou um artigo apelando abertamente a um golpe violento na Venezuela e tem actualmente nos seus quadros um jornalista venezuelano que declarou quando saiu do New York Times: “Muito do meu modo de vida está associado ao activismo da oposição” e, portanto, “não posso ser neutro”. Enquanto isso, o The Guardian descreveu Oscar Perez, um desertor que sequestrou um helicóptero para bombardear o Parlamento de Caracas, como um “patriota”; chegou mesmo a acolher a teoria da conspiração, entretanto desmascarada, segundo a qual Perez teria actuado “por iniciativa do governo”. O jornal, porém, não retirou nem desmentiu as falsidades. Estas são apenas pequenas amostras da propaganda da oposição publicada como jornalismo objectivo pelos media corporativos.

“A cobertura da comunicação social dominante sobre a Venezuela é mais terrível do que em relação a qualquer outro país do mundo, excepto talvez a Palestina; é totalmente tendenciosa, enganadora e distorcida”, afirmou Dan Beeton, economista e especialista de América Latina no Center for Economics Policy Research. “A diferença entre o que se publica e a realidade é tão grande que não pode avaliar-se”, segundo a opinião do professor William Robinson, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.

Ao serviço da elite dominante

Embora a imagem popular que existe da Wikipedia seja a de um empreendimento público colectivo onde todos podem dar os seus contributos, a enciclopédia online reflecte, na realidade, as desigualdades existentes na sociedade. Quanto mais edições uma pessoa realiza mais prestígio e influência adquire, permitindo-se assim que alguns editores exerçam um poder irracional sobre o 13º website mais visitado em todo o mundo. Surgiu assim uma casta de editores poderosos, que diariamente passam horas editando e alterando o conteúdo de artigos como entenderem. Existem fortes suspeitas de que governos e organizações financeiramente poderosos estão a pagar a pessoas – ou a equipas de pessoas que utilizam a mesma conta – para intervir no site a tempo inteiro; aliás, esses usuários publicitam abertamente os seus serviços a empresas ou outros grupos que pretendam limpar ou promover a sua imagem alterando as páginas que lhes dizem respeito. Como tais agentes de edição subiram na hierarquia da Wikipedia, as suas actividades tornam-se reconhecidas e muito difíceis de ser anuladas.

A CIA já foi detectada a alterar páginas de tópicos politicamente sensíveis como a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, Ronald Reagan e Richard Nixon; um computador do FBI foi identificado quando editava o artigo sobre Guantánamo; e o Departamento de Polícia de Nova York alterou a página de Eric Garner, além de tentar remover páginas focadas na brutalidade policial. Grupos israelitas e pró-Israel estão igualmente muito activos na Wikipedia, montando uma verdadeira guerra de informação para tentar melhorar a imagem do país. O jornal Guardian revelou que esses grupos chegam a distribuir prémios, como por exemplo passeios de balão gratuitos, a quem for selecionado como “melhor editor sionista”.

Deste modo, Wikipedia foi efectivamente transformada “numa ferramenta para propagar a ideologia dominante e os interesses das elites poderosas, segundo as palavras de Chris Hedges, ex-jornalista do New York Times. Como a Wikipedia demonstra pouco interesse em opor-se ao facto de o website ser lentamente dominado por grupos organizados, é improvável que a massiva lista negra censória seja revertida.


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