O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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O QUE SABE A ESPIONAGEM DE WASHINGTON SOBRE O “VÍRUS DE WUHAN”?

2020-04-27

Segundo uma notícia da televisão ABC News, reforçada posteriormente pelos serviços secretos israelitas, a espionagem militar dos Estados Unidos tinha conhecimento, em meados de Novembro de 2019, de um “acontecimento epidémico catastrófico” em Wuhan. O Pentágono continua, porém, a ser ambíguo quanto ao conteúdo ou mesmo à existência ou não de um documento sobre essa matéria. O episódio permite, porém, levantar importantes perguntas: se autoridades de Washington sabiam da “catástrofe” em meados de Novembro porque não se prepararam a tempo para ela e culpam a China de a ter “escondido”? Como sabe a espionagem norte-americana de factos que só vieram a ser conhecidos por médicos chineses de Wuhan mais de um mês depois, na segunda metade de Dezembro? Será que os Estados Unidos “adivinharam” o COVID-19 e os seus efeitos bastante antes de ele ter sido identificado?

Pepe Escobar, Strategic Culture/O Lado Oculto

A Guerra Híbrida 2.0 contra a China, uma operação bipartidária norte-americana, está a atingir o seu pico febril. O seu braço de infoguerra de espectro total 24/7 culpa a China por tudo o que tenha relação com o novo coronavírus - o que também serve como manobra de diversão contra qualquer crítica informada sobre a trágica falta de preparação dos Estados Unidos.

A histeria reina, como seria previsível. E isto é apenas o começo.

Um dilúvio de acções judiciais está iminente - tal como a apresentada no Southern District da Flórida pelo Berman Law Group (ligado ao Partido Democrático) e pela Lucas-Compton (ligada ao Partido Republicano). Resumindo: a China tem de desembolsar toneladas de dinheiro. Coisa da ordem de pelo menos 1,2 biliões (milhões de milhões) de dólares, que - por uma ironia surrealista - é o valor dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos nas mãos de Pequim, até 20 biliões, requeridos por uma acção movida no Texas.

O argumento da acusação, como Scott Ritter, numa tirada memorável, nos fez lembrar vem directamente dos Monty Python. É exactamente assim que funciona:

"Se ela pesa o mesmo que um pato...

…e é feita de madeira!" 

"Portanto..." 

"É uma bruxa!!!!!" 

Em termos da Guerra Híbrida 2.0, a actual narrativa, bem ao estilo CIA, diz que a China malvada nunca nos contou, a nós o Ocidente civilizado, que havia um vírus terrível à solta. Se tivesse avisado, teríamos tido tempo para nos preparar. 

Mas os chineses mentiram e trapacearam - por sinal, marcas registadas da CIA, segundo o próprio Mike "Nós mentimos, nós roubamos, nós trapaceamos" Pompeo. E esconderam tudo. E censuraram a verdade. Os chineses, portanto, queriam infectar-nos a todos. Agora vão ter de nos indemnizar por todos os danos económicos e financeiros que estamos a sofrer e de pagar por todos os nossos mortos. É tudo culpa da China. 

E todo esse som e fúria forçam-nos a regressar a finais de 2019 para verificar o que os serviços de inteligência dos Estados Unidos de facto sabiam naquela época sobre o que mais tarde seria identificado como o SARS-Cov-2.

"Esse produto não existe"

O padrão informativo de referência continua a ser o trabalho da ABC News segundo o qual informações recolhidas em Novembro de 2019 pelo Centro Nacional de Informações Médicas (NCMI), subsidiário da Agência de Informações de Defesa do Pentágono (DIA), já alertavam para um vírus altamente contagioso que tinha fugido ao controlo em Wuhan, com base numa "análise detalhada de comunicações interceptadas e imagens de satélite".

Uma fonte não-identificada disse à ABC que "analistas concluíram que seria um acontecimento catastrófico", acrescentando que a informação fora "reenviada múltiplas vezes" ao DIA, ao Estado-Maior Conjunto do Pentágono e até mesmo à Casa Branca. 

Não é de admirar que o Pentágono tenha sido forçado a emitir o proverbial desmentido – em pentagonês, tendo como porta-voz um coronel R. Shane Day, diretor do NCMI do DIA: "Em nome da transparência durante a actual crise de saúde pública, podemos confirmar que a matéria jornalística sobre a existência/publicação de um produto/avaliação do Centro Nacional de Informações Médicas relativo ao coronavírus em Novembro de 2019 não está correcta. Esse produto do NCMI não existe". 

Bem, se esse "produto" existisse, o director do Pentágono e antigo lobista da Raytheon, Mark Esper, seria informado do facto. E foi devidamente questionado a esse respeito por George Stephanopoulos, da ABC.

Pergunta: "O Pentágono recebeu do Centro Nacional de Informações Médicas do DIA um relatório de inteligência sobre o COVID na China em Novembro do ano passado?

Esper: "Ah, não me lembro, George, (...) Mas temos muitas pessoas que acompanham esse assunto de perto".

Pergunta: Esse relatório foi produzido em Novembro e enviado ao NSC (Conselho de Segurança Nacional) em inícios de Dezembro com o objectivo de avaliar o impacto sobre a prontidão militar, o que, é claro, tornaria o documento importante para o senhor e para uma possível circulação nos Estados Unidos. Então, caso essa informação tivesse sido passada ao Conselho de Segurança Nacional em Dezembro o senhor teria sido informado, não teria? 

Esper: "Sim (…) Não tenho conhecimento disso".

Então, "esse produto não existe"? Ele foi inventado? Seria isso uma cilada montada pelo Deep State (Estado Profundo)/CIA para apanhar Trump? Ou os suspeitos do costume estão a mentir, bem ao estilo CIA? 

Examinemos alguns antecedentes importantes. Em 12 de Novembro, um casal da Mongólia Interior deu entrada num hospital de Pequim para tratamento de peste pneumónica.

O Centro de Controle de Doenças chinês, no Weibo – o Twitter chinês – informou o público de que as possibilidades de se tratar de uma nova peste eram "extremamente baixas". O casal foi colocado em quarentena.

Quatro dias depois, um terceiro caso de peste pneumónica foi identificado: era um homem, também da Mongólia Interior, sem qualquer relação com o casal. Vinte e oito pessoas que tinham estado em contacto próximo com o homem foram colocadas em quarentena. Nenhuma delas tinha os sintomas da peste. A peste pneumónica tem sintomas de falência respiratória semelhantes aos da pneumonia.

Embora o Centro de Controle de Doenças repetisse que "não há motivos para preocupação quanto a risco de infecção", é claro que muitas pessoas ficaram cépticas. É possível que o Centro tenha confirmado publicamente, em 12 de Novembro, a existência de três casos de peste pneumónica. Foi então que Li Jinfeng, médica do Hospital Chaoyang onde os três pacientes mongóis estavam internados, publicou uma mensagem privada no WeChat segundo a qual, na verdade, eles tinham sido transferidos para Pequim no dia 3 de Novembro. 

O ponto principal da mensagem de Li Jinfeng – mais tarde removida por censores – foi: "Estou muito habituada a diagnosticar e a tratar a maioria das doenças respiratórias (…) Mas, desta vez, eu continuava a investigar mas não conseguia descobrir que patógeno tinha causado a pneumonia. Eu pensava apenas que era uma doença rara, mas não tinha muitas informações além da história dos pacientes". 

Mesmo que fosse sido assim, a questão central é que os três casos da Mongólia Interior parecem ter sido causados por uma bactéria detectável. O COVID-19 é causado pelo vírus SARS-Cov-2, não por uma bactéria. O primeiro caso de SARS-Covid-2 só foi detectado em Wuhan, entre meados e fins de Dezembro. E foi apenas no mês passado que os cientistas chineses conseguiram rastrear com segurança o primeiro caso real de SARS-Cov-2 até ao dia 17 de novembro - alguns dias depois de os três pacientes mongóis terem sido hospitalizados.

Saber exactamente onde procurar 

Está fora de questão que os serviços de inteligência dos Estados Unidos, neste caso o NCMI, não tivessem conhecimento do que estava a acontecer na China, levando-se em conta a espionagem da CIA e o facto de essas discussões decorrerem abertamente no Weibo e no WeChat. Portanto, se o "produto" do NCMI não for uma mentira, caso ele realmente exista só teria encontrado indícios, ainda em Novembro, de alguns casos vagos de peste pneumónica.

Assim sendo, era disso que tratava a advertência ao DIA, ao Pentágono, ao Conselho de Segurança Nacional e à Casa Branca. É impossível que o assunto em questão fosse o coronavírus. 

A pergunta incandescente que não pode deixar de ser feita é: como poderia o NCMI, ainda em Novembro, saber tudo sobre uma pandemia viral se os médicos chineses, sem a menor sombra de dúvida, só identificaram os primeiros casos de um novo tipo de pneumonia em 26 de Dezembro? 

Acrescente-se a isso a pergunta de por que razão o NCMI, para começo de conversa, estaria tão interessado nessa temporada específica de gripe – dos casos de peste tratados em Pequim aos primeiros sinais de um "surto de pneumonia misterioso" em Wuhan? 

Podem ter existido sinais subtis de um leve aumento de actividade nas clínicas de Wuhan em fins de Novembro e inícios de Dezembro. Mas, nessa época, ninguém - nem médicos chineses nem o governo, para não mencionar os serviços de inteligência dos Estados Unidos - poderiam saber o que estava realmente a acontecer.

A China não poderia estar "a esconder" o que só foi identificado como uma nova doença em 30 de Dezembro, e imediatamente comunicada à Organização Mundial de Saúde (OMS). Então, em 3 de Janeiro, o director do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, Robert Redfield, ligou para a autoridade encarregada do Centro de Controle de Doenças da China. Os médicos chineses sequenciaram o vírus. E foi apenas em 8 de Janeiro que ficou estabelecido que se tratava do SARS-Cov-2 – que causa a COVID-19.

Esta cadeia de acontecimentos reabre, mais uma vez, uma poderosa caixa de Pandora. Tivemos o muito oportuno Event 201; a relação íntima da Fundação Bill e Melinda Gates com a OMS e também com o Fórum Económico Mundial e a galáxia John Hopkins, de Baltimore, que inclui a Escola Bloomberg de Saúde Pública; o conjunto identidade/vacina digital do ID2020; o Dark Winter – que simulou um bioataque de varíola contra os Estados Unidos, antes mesmo de o Iraque ter sido acusado do ataque de antrax, em 2001; senadores dos Estados Unidos a vender as suas acções depois de receberem informações privilegiadas do CDC; mais de 1300 altos executivos abandonando as suas confortabilíssimas mordomias em 2019, por "preverem" uma total quebra dos mercados; o FED (Reserva Federal, Banco Central) despejando dinheiro de helicóptero já em Setembro de 2019 – como parte do QE4.

Então, como que para validar o trabalho da ABC News, Israel entrou em cena. Os serviços de inteligência de Israel confirmam que de facto tinham sido avisados pela inteligência dos Estados Unidos, em Novembro, sobre uma pandemia potencialmente catastrófica em Wuhan (mais uma vez: como seria possível eles saberem disso na segunda semana de Novembro, num estágio tão inicial?). E os aliados da NATO foram avisados - em Novembro também.

O cerne da questão é explosivo: o governo Trump, bem como o CDC norte-americano, foram avisados com uma antecedência de pelo menos quatro meses - de Novembro a Março - e poderiam ter-se preparado suficientemente para a chegada do COVID-19 aos Estados Unidos. E nada fizeram. Toda a conversa de "a China é uma bruxa" cai por terra.

Além disso, a revelação israelita confirma o que é nada menos que extraordinário: os serviços de inteligência dos Estados Unidos já sabiam do SARS-Cov-2 cerca de um mês antes de os primeiros casos confirmados serem detectados pelos médicos de um hospital de Wuhan. Intervenção divina?

Isto só poderia ter acontecido se a inteligência dos Estados Unidos tivesse conhecimento, com toda a certeza, de uma cadeia de acontecimentos anterior que levaria necessariamente ao "surto misterioso" de Wuhan. E não apenas isso: sabia exactamente onde procurar. Não na Mongólia Interior, nem em Pequim, nem na província de Guangdong.

Nunca é demais repetir a pergunta por extenso: como é que a inteligência dos Estados Unidos poderia ter sabido da doença um mês antes de os médicos chineses terem detectado um vírus desconhecido? 

Mike "Nós mentimos, nós roubamos, nós trapaceamos" Pompeo talvez tenha mostrado o jogo quando afirmou publicamente que o COVID-19 era um "exercício ao vivo". Somando o trabalho da ABC News e os relatórios israelitas, a única conclusão possível e lógica é que o Pentágono - e a CIA - já sabiam de antemão que uma pandemia seria inevitável.

Aí está o revólver fumegante, a prova irrefutável. E agora o governo dos Estados Unidos joga o seu peso na tentativa de tomar todas as providências possíveis para - proactiva e retroactivamente - culpar a China.



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