O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

CORONAVÍRUS? O QUE CONTA É A “AMEAÇA RUSSA”

2020-03-07

O Parlamento Europeu suspende a sua sessão mensal, as pessoas cumprimentam-se com os pés, políticos e futebolistas ficam de mãos estendidas porque os contactos acabaram, competições desportivas são adiadas, evitam-se ajuntamentos. Entretanto a Europa vai ser invadida por 30 mil soldados norte-americanos que, acompanhados por mais dez mil de países da NATO, irão dedicar-se a jogos de guerra contra “a ameaça russa” em dez países europeus, entre os quais a Itália, o mais atingido pelo coronavírus. Disse coronavírus? O que é isso comparado com a “ameaça russa”?

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

Os Estados Unidos elevaram o alerta contra o coronavírus em Itália para o nível 3 (“evitar viagens não essenciais”), colocando-o no nível 4 na Lombardia e Veneza (”não viajar”), situação idêntica à que está definida para a China. As companhias aéreas norte-americanas American Airlines e Delta Airlines suspenderam todos os voos entre Nova York e Milão. Os cidadãos norte-americanos que se deslocam à Alemanha, Polónia e a outros países europeus devem “tomar precauções acrescidas”.

Mas existe uma categoria de cidadãos dos Estados Unidos que estão isentos destas normas: os 20 mil soldados que começam a chegar à Europa, desembarcando em portos e aeroportos para os jogos de guerra Defender Europe 20 (Defensor da Europa 2020), a maior deslocação de tropas norte-americanas para o velho continente nos últimos 25 anos. Em conjunto com os que já se encontram presentes, em Abril e Maio serão cerca de 30 mil os soldados dos Estados Unidos que participarão nessas manobras, ao lado de sete mil de 17 países membros e parceiros da NATO, designadamente a Itália.

A primeira unidade blindada viajou do porto de Savannah, nos Estados Unidos, para o de Bremerhaven na Alemanha. Cerca de 20 mil peças de equipamento militar chegarão a seis portos europeus (na Bélgica, Holanda, Alemanha, Letónia e Estónia). Mais 13 mil serão fornecidas pelos arsenais pré-posicionados do Exército de Terra dos Estados Unidos na Europa, principalmente na Alemanha, na Holanda e na Bélgica.

Segundo informa ainda o Exército de Terra, estas operações “exigem a participação de dezenas de milhares de militares e civis de numerosas nações”. Ao mesmo tempo, a maior parte do contingente de 20 mil soldados deslocados dos Estados Unidos desembarcará em sete aeroportos europeus. Entre estes os seis mil membros da Guarda Nacional oriundos de 15 Estados, designadamente Arizona, Florida, Montana, Nova York e Virgínia. No arranque das manobras, em Abril – comunica o Exército de Terra na Europa – os 30 mil soldados norte-americanos “distribuir-se-ão através da região europeia” para “proteger a Europa de toda a ameaça potencial”, com uma clara referência à “ameaça russa”. O general Tod Wolters – que comanda as forças dos Estados Unidos na Europa e simultaneamente as da NATO, como comandante supremo aliado na Europa –, assegura que “a União Europeia, a NATO e o Comando Europeu dos Estados Unidos trabalharam em conjunto para melhorar as infraestruturas”. O que permitirá aos comboios militares deslocar-se rapidamente ao longo de quatro mil quilómetros de vias de trânsito. 

“De boa saúde”

Dezenas de milhares de soldados atravessarão fronteiras para realizar exercícios em dez países. Serão 16 mil os soldados norte-americanos, em 2500 veículos, que chegarão à Polónia, onde foram estabelecidas 12 zonas de treino. Os paraquedistas norte-americanos da 173ª Brigada, com base em Veneza, e os italianos da Brigada Folgore, na Toscânia, irão para a Letónia fazer jogos de guerra conjuntos com as forças do país.

O Defender Europe 20 realiza-se para “aumentar a capacidade de deslocar rapidamente uma grande força de combate na Europa a partir dos Estados Unidos”. Desenrola-se, portanto, de acordo com tempos e procedimentos que tornam praticamente impossível submeter dezenas de milhares de soldados às normas sanitárias relacionadas com o coronavírus e impedir que, durante as horas de descanso, entrem em contacto com os habitantes das regiões envolvidas. Além disso, a banda de rock do Exército dos Estados Unidos na Europa dará uma série de concertos com entrada livre na Alemanha, Polónia e Lituânia, prevendo-se que atraiam apreciáveis assistências.

Os 30 mil soldados norte-americanos que “se distribuirão através da região europeia” estão, de facto, isentos das normas preventivas relacionadas com o coronavírus, as quais, por outro lado, se aplicam aos civis. A garantia dada pelo Exército de Terra dos Estados Unidos na Europa é suficiente: “temos o coronavírus sob vigilância” e “as nossas forças estão de boa saúde”.

Ao mesmo tempo, ignora-se o impacto ambiental de jogos de guerra desta dimensão. Neles participarão tanques norte-americanos Abrams com 70 toneladas e blindagens de urânio empobrecido, que consomem 400 litros de combustível aos 100 quilómetros e produzem enorme poluição para garantir a potência mais elevada.

Nestas circunstâncias, que fazem as autoridades da União Europeia e dos Estados membros, que faz a Organização Mundial de Saúde? Colocam a máscara sobre a boca e o nariz, mas também sobre os olhos.


fechar
goto top