TURQUIA INVADE SÍRIA PARA SALVAR AL-QAIDA

2020-02-16
Reintegrando-se plenamente na estratégia norte-americana e da NATO de impedir o restabelecimento da soberania da Síria sobre a totalidade do território do país, assegurando assim a continuação da guerra, a Turquia está a efectuar uma verdadeira invasão militar do país vizinho com tropas e armamento pesado. Apoiando todos os grupos terroristas infiltrados na região, extremistas ou “moderados”, as tropas turcas têm vindo a entrar em confronto directo com o exército regular da Síria para evitar, a todo o custo, a libertação total da província de Idleb e de zonas da província de Alepo em poder da al-Qaida. A Rússia tenta ainda reduzir o nível de violência, mas há registo do envolvimento de tropas invasoras norte-americanas em acções contra populações sírias. A estratégia da NATO na região é cada vez mais perigosa.
Valery Kulikov, New Eastern Outlook/O Lado Oculto
Nos últimos dias tem vindo a registar-se uma perigosa deterioração da situação na Síria. As hostilidades centram-se nas províncias de Idleb e Alepo, onde grupos terroristas estão a tentar desesperadamente retomar o controlo dos sectores da estrada M5 que foram forçados a abandonar recentemente. Há registo de troca de tiros perto da localidade de al-Rashidin, a oeste da cidade de Alepo.
Está demonstrado que existe um aumento massivo de tropas e equipamentos militares turcos no Norte da Síria. Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos e fontes da comunicação social turca, entre 2 e 10 de Fevereiro quase 1500 camiões e tractores turcos transportando tanques chegaram às duas citadas províncias; o número de militares otomanos no terreno foi aumentado para nove mil.
Em 10 de Fevereiro foi relatado um dos maiores confrontos armados entre as Forças Armadas da Turquia e o exército regular da República Árabe Síria. Segundo o Ministério da Defesa de Ancara, as tropas turcas mataram mais de cem soldados sírios, destruíram três tanques, duas peças de artilharia e um helicóptero na sequência de um ataque em massa com mísseis e artilharia contra um total de 115 alvos no Noroeste do país.
Mercenários do grupo Hayat Tahrir al-Sham, uma braço da frente terrorista Jabhat al-Nusra (al-Qaida), lançaram recentemente um ataque com mísseis contra as posições do exército sírio na região Oeste de Alepo, onde as forças governamentais envolvem activamente as formações agressoras. Depois desse ataque, quando a Agência de Notícias Ebaa divulgou fotografias dos acontecimentos, provou-se que a operação foi apoiada pelos tanques M60 das Forças Armadas turcas – verificando-se que Ancara tem uma presença militar massiva nesta zona da Síria. É uma evidência que a Turquia está a acumular veículos blindados na região.
Envolvimento dos Estados Unidos
O Estado-Maior das Forças Armadas sírias não forneceu números sobre as consequências do ataque. Alguns jornalistas no terreno afirmam que as unidades de artilharia sírias abriram fogo de retaliação, atingindo as colunas militares turcas. Os ataques mais violentos incidiram sobre o comboio militar turco que se deslocava nas imediações da base aérea síria de Taftanaz, em Idleb, e o reduto turco situado nas imediações de Atareb, em Alepo.
Além disso, perto de Qamishli, no Nordeste da Síria, registou-se em 12 de Fevereiro um confronto entre forças militares dos Estados Unidos e unidades governamentais sírias. Segundo relatos publicados na imprensa, os norte-americanos abriram fogo contra a população civil local perto da aldeia de Khirbet Ammu, quando esta tentou bloquear o avanço das tropas invasoras, e mataram um residente. A situação degenerou num tiroteio entre os militares norte-americanos e elementos armados das forças milicianas sírias chegados ao local – havendo indicações de que foi morto um dos invasores.
Entretanto, a Turquia está a colocar sistemas de mísseis nos seus “postos de observação” na província de Idleb. Segundo a agência turca Anadolu, chegaram até agora a essas posições mais de uma dezena de camiões com equipamento necessário para o lançamento de ataques com mísseis. Foram vistos igualmente elementos das forças especiais turcas na chamada “zona desmilitarizada” de Idleb. A mesma agência informou que veículos blindados transportando agentes das forças especiais estão a ser enviados de várias zonas da Turquia para a Síria, passando pela região de Reyhanli, na província de Hatay.
Ancara busca o confronto
O comando das Forças Armadas turcas implantou igualmente vários sistemas de mísseis ao longo da fronteira com a Síria, demonstrando assim a intenção governamental de Ancara de intensificar o confronto com Damasco. Ao mesmo tempo, as autoridades turcas desdobram-se em acusações infundadas contra dirigentes políticos russos e sírios, responsabilizando-os pela escalada de violência em Idleb.
Neste contexto, Moscovo acusou pela primeira vez directamente a Turquia de ser incapaz de respeitar os acordos de Sochi, chamando a atenção de Ancara para o facto de uma ofensiva bem-sucedida das forças sírias ter contribuído para o estabelecimento de uma zona de segurança real em Idleb e Alepo – objectivo dos acordos que a Turquia não conseguiu atingir por si própria.
A Rússia sublinhou, ao mesmo tempo, que a ofensiva lançada pela Síria tem como alvo principal o grupo terrorista Hayat Tahrir al-Sham, filiado na al-Qaida, juntamente com os seus aliados no terreno. Entre estes estão os membros do grupo terrorista da Frente de Libertação Nacional, apoiado pela Turquia. As forças mercenárias têm multiplicado as provocações feitas a partir da zona desmilitarizada de Idleb porque depois conseguem escapar ao fogo de resposta das tropas governamentais sírias usando a população local como escudos humanos. A situação tornou-se ainda mais grave devido ao facto de estas regiões estarem repletas de armamento que circula através da fronteira da Turquia com a Síria e também porque os militares turcos continuam a acumular veículos blindados e tropas em Idleb.
Astana e Sochi
Recorda-se que em Maio de 2017, em Astana, a Rússia, o Irão e a Turquia concordaram em criar quatro zonas desmilitarizadas ou de separação na Síria. Três delas ficaram sob controlo de Damasco em 2018. A maior parte da quarta zona, que integra territórios das províncias de Idleb, Alepo, Hama e Latakia (também conhecida como região do Grande Idleb) tem sido, até agora, controlada pelos terroristas do Hayat Tahrir al-Sham.
Em Setembro de 2018, a Rússia e a Turquia assinaram um acordo em Sochi para estabelecimento de uma zona desmilitarizada em Idleb, o que implicou que Ancara se tornou responsável por garantir a separação dos terroristas do Hayat Tahrir al-Sham dos “moderados” da Frente de Libertação Nacional, apoiada pelo governo turco. No entanto, a Turquia não cumpriu as suas obrigações e fez ainda pior: tenta efectivamente impedir que as forças sírias provoquem danos significativos às forças terroristas sitiadas. Pelo que agora Ancara está a apoiar abertamente aquilo que descreve como “a resoluta oposição armada síria” nas suas batalhas contra as tropas governamentais em Idleb.
Neste contexto, a existência dos chamados “postos de observação” da Turquia na Síria perde todo o significado prático, pois estes não cumprem as suas missões estabelecidas no memorando de Sochi. Pelo que é muito improvável que Moscovo aceda às exigências de Ancara para que seja abandonado o combate contra os terroristas entrincheirados em Idleb.
É nestas circunstâncias que as relações russo-turcas, aprofundadas desde 2015, estão a passar por um sério “teste de stress”, principalmente devido às exorbitantes ambições de política externa das elites turcas no poder. Moscovo considera que a causa principal da rápida deterioração da situação na Síria é o fracasso crónico de Ancara em cumprir as suas obrigações estabelecidas no memorando de Sochi. Segundo a porta-voz do Ministério russo da Defesa, Maria Zakharova, a Rússia está comprometida com o cumprimento dos acordos assinados e está preparada para trabalhar em conjunto com todas as partes envolvidas na questão de Idleb. O objectivo principal de Moscovo perante esta situação é a redução do nível de violência no terreno e a garantia da segurança dos efectivos militares dos países signatários dos acordos localizados no interior e no exterior da zona de separação, além de impedir novos confrontos armados decorrentes de acções militares mal avaliadas. No caso de se registarem novas escaladas de confrontos, o memorando de Sochi, de 17 de Setembro de 2018, poderá ser considerado nulo por Moscovo.