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AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS COMO ARMA DE GUERRA

2020-01-29

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/Abril Abril

Os Estados Unidos dispõem desde o início dos anos noventa do século passado de Técnicas de Modificação Ambiental (ENMOD) com objectivos militares; em meados da mesma década a Força Aérea norte-americana criou condições operacionais no Alasca para interferir no ambiente de modo a desencadear poderosos fenómenos meteorológicos; e a mesma Força Aérea norte-americana tem há quase 25 anos em seu poder um relatório que definiu o horizonte de 2025 para se tornar “dona da meteorologia”. Em tempos de acesas discussões sobre alterações climáticas é intrigante que dados como estes, do domínio público, não sejam parte do debate e escapem à agenda ecologista.

“Alterações meteorológicas irão tornar-se parte da segurança nacional e internacional e podem ser produzidas de modo unilateral”, lê-se num relatório da Força Aérea dos Estados Unidos que data de Agosto de 1996 e tem o seguinte título: “A Meteorologia como um multiplicador de força. Ser dono do tempo em 2025”.

Ora 2025 é já amanhã. O relatório sublinha que as alterações meteorológicas “podem ter aplicações ofensivas e defensivas e até ser utilizadas como meio de dissuasão”. Além disso, “a capacidade para gerar chuva, neblina e tempestades na Terra ou modificar a meteorologia no espaço (…) e a produção de condições meteorológicas são parte integrante das tecnologias militares”.

Este relatório está longe de ser o pontapé de saída de um processo conducente à manipulação da meteorologia e do clima para efeitos de guerra. Há cerca de 70 anos, o matemático John von Neumann, em colaboração com o Pentágono, anteviu a existência de “formas de guerra climática ainda inimagináveis”.

Inimagináveis, mas não por muito tempo. Menos de 20 anos depois, em plena guerra do Vietname, os Estados Unidos puseram em marcha o “Projecto Popeye” para aplicação de técnicas de “sementeira de nuvens”. O objectivo básico era o de prolongar a época das monções para tentar bloquear as rotas de abastecimento dos patriotas vietnamitas.

Década de noventa: a teoria e a prática

A década de noventa do século passado foi um período fértil de trabalho sobre a intervenção no clima e nas condições meteorológicas para fins militares. Viviam-se os tempos de desenvolvimento da chamada “Guerra das Estrelas” lançada durante a administração Reagan (1980-1989) com o objectivo de militarizar o espaço.

Em Agosto de 1996 foi conhecido o relatório da Força Aérea abrindo o horizonte até 2025 para assumir o controlo da meteorologia.

“A aplicação apropriada de modificações meteorológicas pode proporcionar o domínio do campo de batalha num grau nunca antes imaginado”, lê-se no documento. “No futuro, essas operações irão aumentar a superioridade aérea e espacial e fornecerão novas opções para definição” do próprio campo de batalha. 

Um dos capítulos do documento intitula-se “Porque queremos intervir nas condições meteorológicas?”. O relatório explica as variáveis dessas modificações, “suaves” ou “extremas”, sendo estas “a criação de padrões meteorológicos completamente novos, o controlo de tempestades graves e até a alteração global do clima numa escala de longo alcance e/ou longa duração”. Os casos mais “suaves” são os de “induzir ou suprimir chuva, nuvens ou neblinas por curtos períodos de tempo e em escala territorial mais reduzida”.

Uma das possibilidades das modificações é a supressão e/ou intensificação dos padrões meteorológicos existentes. Numa palavra: manipulação.

O relatório, recorda-se, é de índole teórica e com o objectivo de as forças militares norte-americanas serem “donas do tempo até 2025”.

Na altura em que este documento foi conhecido, porém, já o Pentágono passara da teoria à prática no quadro dos projectos inseridos na “Guerra das Estrelas”.

Um documentário da CBC News TV revelou a existência no Alasca do Projecto HAARP (High-frequency Active Auroreal Research Program), sob a tutela da Força Aérea, dotado de capacidades para desencadear tempestades, terramotos, cheias e secas. Nesse âmbito funciona um sistema de aquecimento da ionosfera susceptível de transformar o clima em arma de guerra. De acordo o documentário, o projecto estava operacional; posteriormente suscitou preocupações mesmo em aliados dos Estados Unidos, designadamente a União Europeia.

Na verdade, o HAARP foi concebido como uma arma de destruição massiva que opera a partir da atmosfera e pode desestabilizar sistemas agrícolas e ecológicos em todo o mundo. O objectivo oficial da sua criação foi "estudar, simular e controlar os processos ionosféricos que poderiam mudar o funcionamento das comunicações e sistemas de vigilância".

Geoengenharia, CIA e COP’s

De acordo com a narrativa oficial norte-americana, o sistema montado no Alasca foi encerrado em 2014. A tecnologia operacional, porém, existe e, no mínimo, foi testada durante vinte anos. O projecto de “guerra das estrelas” foi oficialmente cancelado mas, como ficámos a saber através da recente cimeira da NATO em Londres, a militarização do espaço é um objectivo “defensivo” dos Estados Unidos e da aliança. 

Suponhamos, no entanto, que a existência do projecto HAARP, em si mesma, não permite extrair conclusões definitivas sobre a pretensão norte-americana de manipular o clima e o ambiente com objectivos militares. Enquadrada, porém, num conjunto de acções teóricas e práticas desenvolvidas nas últimas décadas não deixa dúvidas quanto às verdadeiras intenções. 

Mesmo que o HAARP tenha sido encerrado, a sua existência operacional durante 20 anos não pode ser desligada do desenvolvimento dos projectos de geoengenharia que são hoje uma realidade, ironicamente para proporcionarem a “adaptação” do planeta às alterações climáticas que se verificam. A geoengenharia é um conceito de manipulação do ambiente de maneira a proporcionar alterações meteorológicas e ambientais supostamente consideradas necessárias para combater a deterioração ecológica. Além de ser um dos negócios com perspectivas mais lucrativas dos tempos que correm, e que envolve pesos-pesados da economia e finança globais, é evidente que os sectores da guerra não poderiam ficar-lhe indiferentes.

Notícias que circularam a partir de 2013, portanto ainda antes do “encerramento” oficial do HAARP, dão conta de que a CIA está envolvida no apoio a um projecto atribuído à Academia Nacional das Ciências (NAS) dos Estados Unidos precisamente sobre geoengenharia e manipulação do clima. O objectivo declarado é o de analisar “as preocupações para a segurança nacional relacionadas com as tecnologias de geoengenharia em qualquer lugar do mundo”.

Um porta-voz departamental da CIA, Christopher White, declarou a propósito que “num assunto como as alterações climáticas a agência trabalha com cientistas para entender melhor o fenómeno e as suas implicações na segurança nacional”. As notícias deram igualmente conta do “medo” sentido por um cientista sénior quando os serviços de inteligência norte-americanos lhe fizeram perguntas sobre a possibilidade de transformar o clima numa arma.

Um relatório que perspectiva como apoderar-se da meteorologia até 2025, as primeiras acções para militarizar o tempo realizadas ainda na guerra do Vietname, o projecto HAARP, a corrida à geoengenharia montam um cenário perante o qual é preciso ser-se muito ingénuo para não reconhecer o óbvio: existe nos Estados Unidos a ambição de usar a manipulação do clima e da meteorologia como arma de guerra.

No entanto, não consta que as conferências sobre as alterações climáticas das Nações Unidas (COP’s) abordem esta vertente do assunto, talvez a mais dramática e decisiva de todas elas porque uma vez em movimento não terão, sequer, um “ponto de não retorno” que possa ser medido em anos. Ao secretário-geral da ONU, tão prolixo sobre o tema das alterações climáticas, não se lhe conhece qualquer alusão à militarização do clima. E os media corporativos, que recentemente se tornaram eco da milagrosa conversão dos grandes poluidores do planeta em regeneradores ecológicos, ainda não chegaram à faceta belicista do assunto. E provavelmente não chegarão. Estamos perante um tabu: por isso, é necessário que a evolução do processo decorra sob a capa de secretismo própria das coisas militares.

Qual direito internacional?

A militarização meteorológica e climática é a grande prova de que não é possível separar artificialmente – como é prática comum – a luta contra as mudanças climáticas do combate contra a guerra. São uma e a mesma acção, transversal à sociedade, que não se compadece com a existência de nichos e clientelas enredadas em ineficácia.

As Técnicas de Modificação Ambiental (ENMOD) integram o arsenal de armas consideradas de destruição massiva, por sinal bastante mais reais estas do que as jamais encontradas no Iraque.

No afastado ano de 1977, e dando provas de uma notável capacidade de antecipação, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção para a proibição do uso militar ou qualquer outro uso hostil de Técnicas de Modificação Ambiental “que tenham efeitos generalizados, duradouros ou graves”. Quinze anos depois, em 1992, foi aprovada a Convenção contra as mudanças climáticas, para “evitar as alterações climáticas perigosas”.

A militarização do clima e da meteorologia, como arma de destruição massiva, é uma ameaça ao planeta e um crime contra a humanidade. Nesse sentido, o Direito Internacional teria instrumentos para bani-la da face da Terra.

Se o Direito Internacional funcionasse.


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