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RÚSSIA MONTA SISTEMA DE EXCLUSÃO AÉREA SOBRE A SÍRIA

Sistemas russos de guerra electrónica que permitem montar uma zona de exclusão aérea sobre o território sírio

2018-10-05

José Goulão; com Edward Barnes, Damasco e Pilar Camacho, Bruxelas

A resposta da Rússia ao acto de guerra cometido por Israel quando se tornou responsável pela destruição de um avião de observação altera completamente os dados da guerra na Síria. Não por causa apenas do reforço da defesa antiaérea síria, mas porque os novos sistemas S-300 russos serão acompanhados pela criação, por Moscovo, de uma zona de exclusão aérea sobre território sírio. A partir de agora, os Estados Unidos, Israel, França e Reino Unido terão que medir muito bem as agressões contra a Síria, mesmo que utilizem os famosos caças F-35.

A entrega à Síria de sistema de defesa antiaérea S-300, anunciada por Moscovo pouco tempo depois do derrube de um Il-20 de observação com 15 oficiais a bordo, em 17 de Setembro, já seria suficiente para incomodar as forças agressoras da chamada “coligação internacional”, incluindo Israel; forças estas responsáveis por numerosos actos hostis como dezenas de raides aéreos e o lançamento de centenas de mísseis de cruzeiro.
Há cinco anos que Israel e outros parceiros da “coligação” pedem à Rússia que não forneça novas capacidades de defesa a Damasco, ao que Moscovo tem acedido. Porém, o recente do derrube do aparelho russo durante um ataque aéreo de Israel acabou com essa espécie de moratória e o cenário alterou-se.
Para que o fornecimento de novas condições de defesa antiaérea à Síria tenha efectivamente efeitos estratégicos, tudo indica que a Rússia o faça acompanhar de sistemas de gestão de espaço aéreo C3l que irão potenciar, de forma integrada, as acções não apenas dos novos S-300/PMU2 mas também dos S-200, S-75 e S-125 já pertencentes ao arsenal sírio. A partir de agora, o sistema defensivo sírio passa a ser enquadrado por um autêntico escudo protector do espaço aéreo que sujeitará os aparelhos da “coligação internacional” a sérios riscos em casos de agressão – o que será válido igualmente para mísseis de cruzeiro, bombas e mísseis teleguiados.
A “coligação internacional” demorou mais de duas semanas a pronunciar-se sobre estas alterações e acabou por dizer, a meio desta semana, que nada vai mudar no campo de batalha. Tratando-se de pura propaganda de guerra, a declaração confirma, mais uma vez, que o objectivo das principais potências da NATO e do seu aliado israelita é prosseguirem a agressão contra a Síria até “derrubar o governo de Damasco” – como prometeu Trump no recente discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidos. No entanto, tentar demonstrar que “nada mudou” será agora uma operação com riscos acrescidos.

Pesadelo no Pentágono e na Lockheed

Apesar da declaração oficial da “coligação”, têm chegado à superfície sinais das preocupações no Pentágono e até na Lockheed Martin, um dos principais fornecedores da Força Aérea norte-americana, com o novo posicionamento de Moscovo perante a guerra de agressão contra a Síria. Por um lado, não estão indiferentes aos efeitos da integração da defesa antiaérea síria num ambiente de gestão global do espaço aéreo que inclui redes de interferência, bloqueio e corte generalizado de comunicações dos diferentes meios usados pelos agressores; por outro lado, temem a tendência de Israel para realizar acções isoladas que podem por em risco o prestígio e o valor comercial de armas de última geração, designadamente os caças F-35, um projecto cujos custos se aproximam do valor proibitivo dos três biliões de dólares (três mil milhares de milhões).
A conjugação da entrega dos S-300 com a montagem de um sistema de gestão integrada do espaço aéreo na Síria muda, de facto, o cenário de guerra.
A aparelhagem com que a Rússia fará acompanhar os novos mísseis de defesa antiaérea permitirá, designadamente, a interferência e o bloqueio nas comunicações dos agressores feitas com base em radares no solo, em aviões espiões do tipo AWAC e satélites de órbita baixa. Permitirá bloquear os radares dos aviões de ataque, as comunicações de rádio entre estes, mesmo com linhas dedicadas, e também os radares que guiam os mísseis lançados por aviões.
O sistema permite bloquear redes de comunicações por telefones móveis e por satélite, entre satélites das redes de navegação e os meios de ataque, incluindo mísseis teleguiados, aviões, helicópteros, mísseis de cruzeiro, bombas teleguiadas.
Permite ainda interferir e confundir os sinais emitidos e recebidos pelos dispositivos de ataque.
Os meios russos em território sírio permitirão perturbar e bloquear a navegação por satélite (GPS), os radares navais ou aerotransportados e os dados e as comunicações do conjunto dos meios de ataque contra a Síria a partir do Mediterrâneo. Todas as acções de resposta serão efectuadas sob a coordenação centralizada do sistema de gestão do espaço aéreo, a cargo do comandante do contingente militar da Rússia na Síria. É a guerra electrónica para potenciar os meios de defesa antiaérea e que proporciona capacidades renovadas aos sistemas mais antigos em poder das Forças Armadas da Síria.
Analistas independentes consultados sobre as novas potencialidades colocadas ao dispôr da soberania Síria consideram que este país é agora capaz de responder de maneira muito mais eficaz aos ataques de que tem sido vítima pelas maiores potências militares mundiais. Afirmam mesmo que as Forças Armadas sírias poderão atacar os terroristas em Idleb sem estarem expostas a ameaças aéreas, embora essa ofensiva esteja, para já, descartada devido ao acordo recentemente estabelecido entre os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Turquia, Recip Tayiep Erdogan. Este acordo tem como objectivo isolar tanto quanto for possível os grupos de mercenários terroristas associados à al-Qaida e ao Estado Islâmico, tentando proteger as populações civis.

O treino e o risco

A partir do momento em que vários países do mundo têm adquirido sistemas de defesa antiaérea russos do tipo S-400, designadamente a China, a Índia, a Turquia e mesmo nações do Golfo como o Qatar e a Arábia Saudita, a NATO e Israel procuram detectar as possibilidades de contornar os seus efeitos.
Para tal, têm utilizado os S-400 comprados há alguns anos pela Grécia e que o governo de Alexis Tsipras tem posto à disposição das principais potências da aliança e também do regime sionista.
Trata-se, porém, de armamento envelhecido porque não tem recebido manutenção nem foi equipado com os dispositivos electrónicos e as partes susceptíveis de o colocar em paridade com as versões mais actuais.
No Pentágono receia-se que os treinos se efectuem em condições ilusórias, além de não decorrerem em ambiente de guerra electrónica, pelo menos ao nível do que foi montado na Síria.
O maior receio do Pentágono e da Lockheed Martin continua a ser a tendência de Israel para agir isoladamente, agora que considera a entrega dos sistemas S-300 à Síria um acto “ilegítimo”. Isto dito por um país que ataca repetidamente o território soberano da Síria, violando ostensivamente o direito internacional.
Israel possui aviões F-35 e já insinuou que poderá utilizá-los contra a Síria, mesmo nas novas condições, com base na experiência adquirida nos treinos efectuados contra os sistemas em poder da Grécia. No Pentágono temem-se as consequências de acções deste tipo. “A hipótese de um F-35 ser derrubado por um míssil antiaéreo de 1969 é um pesadelo”, afirma-se na sede da NATO, em Bruxelas, testemunhando o sentir em Washington e no próprio fabricante Lockheed Martin.
Parece não haver dúvidas: a guerra de agressão internacional contra a Síria trava-se agora numa situação de equilíbrios profundamente alterados. Por uma vez, um acto de guerra israelita como o de 17 de Setembro não ficou impune.



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