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GANÂNCIA EMPRESARIAL RETARDA COMBATE AO ALZHEIMER

2019-08-09

Martha Ladesic, Washington

Cientistas da Pfizer apuraram que um medicamento já conhecido poderia ser usado com êxito no combate ao Alzheimer. A empresa bloqueou essa possibilidade porque já não poderia usufruir dos lucros em exclusivo.

Um dos gigantes mundiais da indústria farmacêutica, a norte-americana Pfizer, recusou-se a explorar as possibilidades de um dos seus produtos poder ser aplicado na luta contra a doença Alzheimer porque não iria obter os lucros em exclusividade, uma vez que a patente do fármaco já expirou. Negou-se também a divulgar os estudos científicos já desenvolvidos, os quais, segundo o jornal Washington Post, demonstravam a eficácia do medicamento, sobretudo nas fases iniciais do desenvolvimento da doença de Alzheimer.

De acordo com o trabalho de investigação do jornal norte-americano, uma equipa científica de pesquisa da Pfizer fez uma descoberta surpreendente em 2015: o medicamento Enbrel, um potente anti-inflamatório usado com bastante êxito contra a artrite reumatoide, tem igualmente condições para reduzir os riscos da doença de Alzheimer em cerca de 64%.

Os indícios foram obtidos através da análise de dezenas de milhares de situações; para confirmar se o Enbrel deveria utilizar-se ou não na doença de Alzheimer seria necessário que a Pfizer realizasse um ensaio clínico, um investimento na ordem dos 80 milhões de dólares; o medicamento já rendeu ao grupo, durante o tempo de patente exclusiva, cerca de 2100 milhões de dólares.

“O Enbrel poderia potencialmente prevenir, tratar e retardar a progressão da doença de Alzheimer”, revela um documento interno da Pfizer que serviu de base à investigação do Washington Post. Esse documento dá conta de um processo de debate interno que durou até 2018, altura em que a Pfizer encerrou a divisão que investigava o combate ao Alzheimer e despediu dezenas de trabalhadores.

“Em minha opinião o assunto é estritamente financeiro e resulta do facto de o grupo não ir fazer dinheiro com a nova possibilidade de utilização do medicamento”, disse um ex-executivo do grupo na condição de anonimato.

Em 2018, de facto, terminou o período de patente exclusiva da Pfizer sobre o Enbrel. Isto significa que a produção do fármaco está aberta a genéricos, que podem partilhar o seu fabrico e comercialização em concorrência aberta.

Os lucros antes das pessoas

A possibilidade de o Enbrel vir a confirmar-se como um medicamento útil na prevenção e tratamento de Alzheimer – uma meta que a comunidade científica e a indústria farmacêutica perseguem e na qual já investiram somas avultadas – significaria uma “nova vida” para o fármaco, mas já não em exclusividade. Isto é, atingia-se uma desejada meta na luta contra uma doença terrível mas a empresa já não iria usufruir dos lucros previsíveis para uma descoberta tão pretendida. O Alzheimer atinge cerca de 10 milhões de pessoas anualmente, maioritariamente em países com menores rendimentos.

A Pfizer decidiu, portanto, não realizar o ensaio clínico e não divulgar os estudos científicos, impedindo assim a possibilidade de outros explorarem em pleno a janela aberta pelos indícios existentes.

Solicitada a comentar a situação pelo jornal que a divulgou, a Pfizer argumentou que os três anos de revisões internas não se revelaram promissores, fazendo prever que os resultados de um ensaio clínico seriam improdutivos.

Membros da comunidade científica ouvidos pelo jornal discordam da posição do grupo, sobretudo por não ter publicado os resultados dos estudos de maneira a que as possibilidades de recurso ao Enbrel no combate ao Alzheimer não ficassem num beco sem saída.

“Ter o conhecimento e recusar-se a revelá-lo para que outros possam desenvolvê-lo prejudica as pessoas que têm Alzheimer e as que correm o risco de vir a sofrer com a doença”, declarou Bobbie Farsides, professora de ética clínica e biomédica no Reino Unido. 

Este caso não é único na indústria farmacêutica. Em 2011, o Nobel da Química, Thomas Steitz, denunciou que os grandes grupos fabricantes de medicamentos não estão prioritariamente empenhados em curar pessoas mas sim em torná-las dependentes de fármacos que sejam obrigadas a consumir toda a vida. Richard J. Roberts, Nobel da Medicina, afirmou conhecer casos de empresas que bloqueiam medicamentos com êxito comprovado simplesmente por considerarem que não serão rentáveis.



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