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WASHINGTON PUBLICA GUIA “PARA DERRUBAR GOVERNOS”

A entronização do fascista Lech Walesa na Polónia foi fruto de um longo golpe norte-americano, agora confessado

2019-05-15

Martha Ladesic, Nova York; com Zero Hedge e Newsweek

Isto não é uma brincadeira e a manchete nem é nossa, pertence à revista Newsweek: “Escola das Forças Especiais dos Estados Unidos publica novo guia para derrubar governos estrangeiros”. Até onde é possível saber, a Newsweek é o único meio de comunicação de grande consumo a perceber que as forças armadas norte-americanas até já se vangloriam abertamente das suas operações secretas, no passado e no futuro, para promover mudanças de governos.

O estudo tem 250 páginas e intitula-se “Apoio à Resistência: Objectivo Estratégico e Eficácia”. Foi publicado pela Escola de Operações Especiais Conjuntas, sob a direcção do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos - o centro de comando unificado oficial do Exército que supervisiona todas as missões secretas e clandestinas a partir da Flórida.

“Este trabalho será como um documento de referência sobre os movimentos de resistência ao serviço da comunidade de operações especiais e da sua liderança civil”, lê-se na apresentação do relatório.

O estudo examina 47 intervenções de forças especiais dos Estados Unidos em vários países, no período de 1941 a 2003, dedicando, por isso, atenção especial à Guerra Fria. Não abrange, porém, golpes de Estados puros e duros, não sustentados em “movimentos legítimos de resistência” – como o caso da Operação Ajax em 1953, que derrubou o primeiro-ministro iraniano democraticamente eleito, Mohammad Mosaddegh.

Também não faz referência aos sucessivos golpes militares na América Latina, “o quintal das traseiras”, designadamente os realizados no âmbito da Operação Condor, como no Chile, na Argentina, no Brasil e, antes disso, na Guatemala, em 1954 – o primeiro de uma longa série.

Maioria dos golpes foram “bem sucedidos”

Apesar de algumas operações desastrosas, como a invasão abortada de Playa Girón (“Baía dos Porcos”) em Cuba, apoiada pela CIA, o relatório militar conclui que entre as quase cinquenta operações secretas investigadas a maioria foi “bem sucedida”.

“Um dado comum a todos os 47 casos analisados no estudo é o facto de o Estado-alvo ser governado por uma força de ocupação hostil ou por um regime autoritário repressivo”, escreveu o autor do trabalho, Will Irwin, veterano das Forças Especiais do Exército. O estudo concentra-se em operações históricas de mudanças de governo mas, parcialmente, sugere perspectivas em relação ao futuro quando salienta: “A Rússia e a China têm a ousadia de manifestar tendências expansionistas”.

Ainda de acordo com o trabalho, a agitação que atravessa o Médio Oriente desde a extinção da União Soviética deve ser atribuída aos legados políticos e aos fracassos soviéticos do passado, e não aos Estados Unidos. 

A Newsweek faz um resumo das conclusões do estudo.

Dos 47 casos analisados, 23 foram considerados “bem sucedidos”, 20 foram qualificados como “falhanços”, dois foram considerados “parcialmente bem sucedidos” e mais dois – ambos durante a Segunda Guerra Mundial – são avaliados como “inconclusivos”, pois o conflito abrangente terminou, de qualquer maneira, com uma vitória.

Método com melhores provas: “coerção” militar

A coerção militar foi o método mais bem sucedido, com um êxito total ou parcial de 75%; a ruptura de regime funcionou em pouco mais de metade dos casos; e a mudança de regime deu origem ao resultado desejado apenas em 29% dos casos.

O documento salienta também que as operações realizadas “em condições de guerra” tiveram quase o dobro do êxito das que foram realizadas “em tempo de paz”. Deduz ainda que “o apoio à resistência civil não-violenta parece ter mais probabilidades de resultar do que o apoio à “resistência armada”. Ao mesmo tempo, acrescenta, as operações “foram mais eficazes quando conduzidas em apoio directo a uma campanha militar do que realizadas de forma independente ou no comando das acções”.

O documento que confessa o modo como os Estados Unidos entendem ter o direito de mudar governos de países soberanos não inclui ainda as guerras mais actuais, por exemplo as realizadas através de interpostas forças como na Síria, Líbia ou Ucrânia, mencionando-as de passagem. O relatório é também omisso em relação à actividade contínua de intervenção na América Latina, designadamente os golpes da última década nas Honduras, Paraguai, Brasil, bem como as operações em curso contra a Venezuela, Cuba e a Nicarágua.

URSS, China, Angola, Polónia…

O texto realça alguns governos “derrotados” com êxito pelos Estados Unidos, da Indonésia ao Afeganistão, da Sérvia ao Iraque.

Analisando o documento mais ao pormenor deduz-se que os Estados Unidos falharam uma operação de “ruptura” de regime contra a União Soviética efectuada entre a Primavera de 1948 e o Outono de 1954. Já a intervenção na Polónia que decorreu em Dezembro de 1981 e Junho de 1989 foi coroada de êxito utilizando o mesmo tipo de golpe. Um resultado que não fora obtido na acção que decorreu entre 1950 e 52.

Angola foi alvo de duas intervenções dos Estados Unidos confessadas neste documento: de Julho de 1975 a Fevereiro de 1976, recorrendo ao método de “coerção” militar, o resultado foi um “falhanço”; de Dezembro de 1985 a Maio de 1993, a operação decorreu segundo o mesmo método e o documento assinala um “êxito parcial”.

O relatório saúda os “êxitos” das operações de “derrube dos governos” no Kosovo e na Sérvia nos anos finais do século XX.

O mesmo não pode dizer-se das intervenções conduzidas contra a China e a Coreia do Norte na primeira metade dos anos cinquenta do século passado. O método utilizado em ambos os casos, “coerção” militar, redundou em “falhanço”. O mesmo aconteceu numa das operações contra a Indonésia, entre 1955 e 1958; e já sucedera na Roménia, Albânia e Jugoslávia entre fins dos anos quarenta e início dos anos cinquenta.

É interessante que o texto reconheça como um “falhanço” a operação para derrubar o governo do Iraque executada militarmente entre Maio de 1991 e Julho de 2002, o que ajuda a explicar a reincidência lançada em Março de 2003. 

Nas observações finais, o autor do documento reconhece que este poderá ajudar “a explorar maneiras de recorrer de forma oportuna às capacidades das Forças de Operações Especiais” para influenciar “movimentos de resistência” que estão a tornar-se cada vez mais violentos. Isso ajudaria, possivelmente, “a evitar uma nova Síria”.

Fica por explicar se estas palavras pretendem significar que uma acção mais rápida poderia ter determinado a mudança de regime em Damasco; ou se o autor do estudo acredita que o apoio dos Estados Unidos aos “rebeldes” estava condenado desde o início.




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