TURQUIA ALTERA JOGO DE FORÇAS NO MÉDIO ORIENTE
2019-04-19
Valentin Vasilescu, Reseau Voltaire/O Lado Oculto
O anúncio da eventual compra de aviões Su-35 ou Su-57 russos pelas forças armadas da Turquia, a acrescentar à aquisição dos sistema de defesa aérea S-400, igualmente russo, é como abrir a porta de saída do país da NATO. Ancara estará mesmo em vias de constituir a sua própria aliança militar com o Qatar e o Irão, baseada numa visão comum do Islão como força política.
Com a decisão turca de adquirir o sistema de defesa antiaéreo russo S-400 o tempo da diplomacia secreta norte-americana parece ter chegado ao fim. Washington reagiu bloqueando a venda de aviões F-35 à Turquia, embora o país tenha sido parceiro na elaboração e no fabrico do modelo. De facto, a Turquia avançou com dinheiro para ter acesso à tecnologia.
Os Estados Unidos opuseram-se violentamente à compra do sistema S-400, nomeadamente porque consideram que foi feita em detrimento do seu próprio sistema Patriot. Os novos dirigentes militares turcos, escolhidos entre os que não fizeram estágios nos Estados Unidos, pronunciam-se por esta compra porque responde estritamente à segurança da Turquia. Os militares turcos têm igualmente presente a agressividade de alguns aliados do “grande amigo” que orquestrou o golpe militar, seguramente em nome da “democracia”.
Durante os últimos anos temos assistido a uma confrontação diplomática clara entre a Turquia, de um lado, e os Estados Unidos e seus aliados, do outro. Recordemos que a Turquia deu o primeiro passo, tomando a Arábia Saudita como alvo e publicando os pormenores do assassínio de Jamal Kashoggi. Depois da recusa dos Estados Unidos em entregar os F-35, uma situação que a Turquia já esperava, o quadro evoluiu de maneira semelhante no que diz respeito às relações directas com os Estados Unidos. O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Çavusoglu, anunciou que se os Estados Unidos recusarem a venda dos F-35 a Turquia comprará aviões de ponta noutros lados. Çavusoglu identificou explicitamente as alternativas: os Su-35 ou os Su-57 russos.
Bastidores de um golpe
Estas transacções constituem um precedente absoluto, porque é a primeira vez que a Rússia vende sistemas tão avançados a um exército estrangeiro, membro da NATO. Vladimir Putin será suficientemente ingénuo para oferecer tecnologia tão avançada aos seus inimigos? Se ele conseguir extrair a Turquia da zona de influência dos Estados Unidos, então o jogo será completamente alterado. Lembremos que a recente reunião entre Putin e Erdogan foi a terceira desde o início de 2019; a aproximação russo-turca começou em 2014 e acelerou-se com o golpe de Estado falhado de 2016.
Regressemos ao golpe de Estado, que tinha como objectivo assassinar o presidente Erdogan e não foi mais do que uma tentativa desesperada para eliminar um adversário dos Estados Unidos. Algumas horas antes, Putin teria informado Erdogan do que estava prestes a passar-se e tê-lo-ia aconselhado a deixar urgentemente a sua residência de férias em Marmaris, 30 minutos antes do ataque de comando dos golpistas, e a tomar um jacto privado. Putin teria igualmente colocado à disposição um satélite de comunicações russo para dirigir as forças que continuavam fiéis a Erdogan.
Esta ajuda permitiu ao Primeiro Exército turco, comandado pelo general Umit Dundar, posicionar-se em redor de Istambul e inverter o curso do golpe de Estado de modo favorável ao presidente. Dundar retomou o aeroporto de Ataturk, que estava sob controlo dos golpistas, e assegurou a aterragem do avião do presidente constitucional.
Acertos terroristas
De facto as coisas não poderiam continuar assim indefinidamente porque o presidente turco quer resolver rapidamente o problema com o PKK, considerado um grupo terrorista pelo seu país mas cujo ramo sírio é apoiado pelos Estados Unidos. Simultaneamente, Erdogan pretende transferir para o âmbito dos seus serviços secretos a gestão dos assuntos relacionados com todos os grupos terroristas islâmicos combatendo no norte da Síria, recrutados e armados pela CIA e o Pentágono, via Arábia Saudita. Esta medida tem como finalidade impedir que esses grupos sejam redirecionados pelos Estados Unidos para outras “primaveras árabes”.
O verdadeiro objectivo de Erdogan é criar o seu próprio bloco militar, formado pela Turquia, o Irão e o Qatar, como contrapeso à “NATO árabe” pretendida pelos Estados Unidos. Se, apoiado por Putin, Erdogan vencer o desafio que conduz contra os Estados Unidos e os seus aliados árabes, a relação de forças no Médio Oriente mudará radicalmente em detrimento de Washington.