ESTALOU O VERNIZ ENTRE O GRUPO DE VISEGRADO E ISRAEL

2019-02-18
Lourdes Hubermann, Varsóvia
Declarações proferidas pelo novo ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Israel Katz, secundadas pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, fizeram explodir uma polémica entre Israel, o governo polaco e a própria comunidade hebraica na Polónia. Posteriormente, os efeitos da tempestade alastraram pelo interior do Grupo de Visegrado – República Checa, Eslováquia, Polónia e Hungria .
Poucas horas depois de ter sido designado ministro interino dos Negócios Estrangeiros, no domingo, Israel Katz declarou a uma estação de televisão que “os polacos colaboraram decididamente com os nazis; como disse o antigo primeiro-ministro Isaac Shamir, os polacos mamaram o anti-semitismo com o leite das mães”.
Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro, não se distanciou da posição do ministro extremista, o que fez com que o seu homólogo da Polónia, Mateusz Morawiecky, tenha cancelado a participação de Varsóvia numa reunião de alto nível com países da Europa Central a realizar em Jerusalém. De notar, aliás, que dificilmente Netanyahu poderia distanciar-se de palavras originais de Shamir, de quem foi o principal responsável pela imagem de Israel durante a primeira invasão do Iraque e as primeiras negociações internacionais, formais e indirectas, entre o Estado hebraico e uma delegação jordano-palestiniana, em 1991
“As palavras proferidas pelo ministro israelita dos Negócios Estrangeiros são racistas e inaceitáveis; é evidente que o nosso ministro, Jacek Czaputowicz, não viajará para a reunião” em Jerusalém, disse Morawiecky.
O próprio chefe do governo polaco já tinha anteriormente cancelado a sua presença, e designado o ministro para o substituir, a propósito de palavras de Netanyahu sobre o mesmo tema. Palavras essas que, segundo o Gabinete do primeiro-ministro israelita, “foram indevidamente reproduzidas pela comunicação social”.
É a segunda vez, em poucos dias, que declarações de Netanyahu geram polémica e são depois pretensamente emendadas pelos seus serviços. A primeira vez foi quando o chefe do governo israelita anunciou “a guerra com o Irão”, excerto que depois foi trocado por “combate ao Irão”.
O ministro Israel Katz, por seu turno, reagiu ainda mais agressivamente aos primeiros protestos surgidos na Polónia, inclusivamente ao mais alto nível da comunidade hebraica do país. Logo a seguir, numa entrevista à rádio, o novo chefe da diplomacia israelita insistiu em que “os polacos participaram no extermínio de judeus no Holocausto; a Polónia tornou-se o maior cemitério do povo judeu”.
Comunidade hebraica protesta
O principal rabino da Polónia, Michael Schrudrich, e Monika Krawczik, presidente da União das Comunidades Religiosas Judaicas do país, subscreveram uma carta de protesto dirigida ao ministro israelita e na qual o acusam de “ter prejudicado” a comunidade hebraica polaca.
No texto, lembram que os cidadãos polacos constituem a maioria dos “justos entre as nações” que salvaram judeus do Holocausto. “Qualificar os polacos como anti-semitas é difamá-los, é acusar alguém que representa a verdadeira face da Polónia e também nos prejudica a nós, judeus polacos, que fazemos parte da sociedade polaca”, lê-se na carta destinada a Israel Katz.
O rabino sublinhou que o facto de alguns polacos terem colaborado com os nazis na perseguição e liquidação de judeus não responsabiliza toda a sociedade da Polónia; acrescentou que o próprio governo polaco da época não se identificou com o nazismo.
Fora dos holofotes mediáticos, membros da comunidade hebraica da Polónia consideram que, ao abrir uma polémica desta gravidade, o governo israelita deu “um tiro no pé” porque as relações entre Varsóvia e Telavive tinham atingido um importante ponto de desanuviamento.
De facto, os regimes de extrema-direita estabelecidos em países da Europa Central e Oriental, da Ucrânia à Polónia, Hungria e República Checa, têm estado de óptimas relações com o governo de Netanyahu. Na Ucrânia, inclusivamente, sectores militares e de espionagem israelitas têm contribuído para reforçar a influência dos grupos paramilitares neonazis nas estruturas militares e de segurança do regime de Kiev nascido com o golpe dito “democrático” de 2014.
Os novos tipos de nazismo e fascismo que alastram na Europa canalizam o racismo e a xenofobia já não contra comunidades hebraicas – identificadas com Israel – mas contra a imigração em geral. E o anti-semitismo que motiva essas atitudes manifesta-se sobretudo contra muçulmanos em geral e os árabes em particular.
Reunião cancelada
Depois de anunciada a ausência do governo polaco da reunião de Jerusalém, também a República Checa tomou a mesma atitude, inviabilizando, na prática, a iniciativa.
A reunião juntava em Jerusalém o governo israelita e altos representantes dos governos do Grupo de Visegrado, que envolve a Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia – todos eles de extrema-direita e pró-Israel.
Netanyahu organizou esta cimeira para formar na Europa uma frente de países que apoiassem a sua associação com Donald Trump para imposição do chamado “acordo do século” para o Médio Oriente.
Este suposto “acordo”, elaborado apenas pela administração Trump e o governo de Telavive, tem sido contestado por alguns países da União Europeia, apesar de ainda não ser oficialmente conhecido.
Antes do incidente que envolveu directamente a Polónia, o primeiro-ministro israelita tinha apostado nesta reunião para conseguir obter apoios sólidos dentro da União Europeia susceptíveis de alargar o leque de apoiantes do “acordo do século”.