OS TEMAS PROIBIDOS NO OÁSIS DE DAVOS
2019-01-25
Vijay Prashad, Globetrotter/Independent Media Institute/O Lado Oculto
Esta é a altura do ano em que dois mil jactos particulares aterram no aeroporto de Zurique e outros aeroportos menores da Suíça (incluindo a base aérea militar de Dubendorf). Centenas de vôos de helicópteros deslocam-se depois de Zurique para Davos, onde os quartos de hotel chegam a custar dez mil dólares norte-americanos por noite durante o Fórum Económico Mundial (WEF, na correspondente sigla anglo-saxónica).
A temporada deste ano do WEF, uma reunião que se efectuou pela primeira vez em 1971, iniciou-se na terça-feira, dia 22, e prolonga-se até ao fim-de-semana. O tema é “Globalização 4.0”, que corresponde, aparentemente, à necessidade integrar a economia de alta tecnologia e criar uma nova arquitectura para um sistema mundial em ruínas.
A evidência da irrelevância actual do encontro de Davos e desse sistema mundial em ruínas é clara. Nem o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nem o presidente chinês, Xi Jinping, estão presentes. Em fase de desintegração europeia, nem a primeira-ministra britânica, Theresa May, nem o presidente francês, Emmanuel Macron, voaram para Davos. A chanceler alemã, Angela Merkel, ficou com parceiros como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu. Não são companhias recomendáveis.
O clube dos bilionários
O Fórum Económico de Davos fala-se em linguagem neoliberal, mas pretensamente pretende reflectir preocupações com as profundas disparidades no mundo, as crises da guerra e das mudanças climáticas. Por vezes é preciso fazer uma demonstração de que estas coisas são levadas a sério.
No mundo, existem actualmente 2208 pessoas cujas fortunas pessoais estão na casa dos milhares de milhões de dólares, os chamados “bilionários”, número que duplicou com a crise financeira global de 2007-2008. A maioria deles vivem na América do Norte e na Europa. Possuem mais riqueza do que nunca, de acordo com um novo relatório da organização não-governamental Oxfam International.
As fortunas combinadas dos 26 mais ricos entre os 2208 bilionários atingem os 1,4 biliões de dólares norte-americanos, o que equivale à riqueza total das 3800 milhões de pessoas mais pobres do planeta – metade da população. Quer isto dizer que apenas 26 indivíduos possuem tanta riqueza como 3800 milhões de pessoas. Coisa de somenos.
Quem são esses homens e essas mulheres? Os dez primeiros são Jeff Bezos (Amazon), Warren Buffet (Berkshire Hathaway), Bernard Arnault (LVMH), Mark Zuckerberg (Facebook), Amâncio Ortega (Zara), Carlos Slim Helu (America Mobile), os irmãos Koch (Koch Industries) e Larry Ellison (Oracle).
Nesta lista, apenas uma pessoa não tem origem na Europa ou nos Estados Unidos da América: Carlos Slim Helu. É mexicano. Mais abaixo na lista estão um indiano (Mukesh Ambani) e vários bilionários chineses (Ma Huateng), Jack Ma, Li Ka-shing, Huo Ka Yan, Lee Shau-kee e Wuang Jianlin).
Não é que esses homens, e algumas mulheres, trabalhem assim tanto para justificar tamanha riqueza. A maioria herdou-a; outros conseguiram deitar a mão a activos públicos a preços de saldos em alturas de privatizações. Enquanto isso, centenas de milhões de mulheres de famílias das classes trabalhadoras e das classes médias fazem milhões de horas de trabalho não remunerado para manter um sistema que cortou as redes de segurança social e do Estado social.
O relatório da Oxfam contém um dado surpreendente: “Se todo o trabalho não remunerado feito por mulheres em todo o mundo fosse realizado por uma única empresa, esta teria receitas anuais de 10 biliões (triliões, segundo o modelo de contagem anglo-saxónico) de dólares – 43 vezes as receitas da Apple”. E são os proprietários da Apple e empresas afins que ganham milhares de milhões de dólares enquanto essas mulheres trabalham e nada recebem.
Esta é uma das verdadeiras causas da crise estrutural e que não está a ser discutida em Davos. Seguir por esses caminhos de conversa é contra os interesses dos bilionários.
A praia da Líbia
Há poucos dias, um bote insuflável afundou-se nas costas da Líbia. Nele amontoavam-se pelo menos 120 refugiados – três dos quais sobreviveram. Foram transportados para a ilha italiana de Lampedusa, onde revelaram que no barco viajavam pessoas oriundas da África Ocidental e do Sudão. A bordo havia crianças e uma mulher grávida. Os homens que sobreviveram eram originários do Sudão e da Gâmbia.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) faz balanços das pessoas que tentam atravessar o Mar Mediterrâneo. Revela que, nos primeiros 16 dias de 2019, 4216 pessoas tentaram a travessia, número que compara com 2365 no ano passado. Até agora, 200 migrantes morreram este ano nessas águas.
O governo italiano de extrema-direita prende os imigrantes que chegam ao seu território e deporta-os de regresso à Líbia. Não existem dados sobre o número de pessoas procuram outros barcos e voltam a tentar a travessia.
Calcula-se que cerca de um milhão de migrantes estejam na Líbia, muitos deles em campos de concentração, sempre na esperança de atingirem a Europa. Chegam principalmente do Bangladesh, Egipto, Mali, Níger, Nigéria, Paquistão, Sudão e Síria.
O que os leva a procurar a Líbia, mesmo já conhecendo nos seus países tantas histórias sobre os elevados riscos de uma jornada assim? Muitos fogem das guerras provocadas nas suas terras, como no Sudão e na Síria. Mas outros emigram por causa da dureza das suas vidas, da impossibilidade de se sustentarem a si próprios e às famílias enquanto o seu trabalho serve apenas para engordar as contas bancárias de meia dúzia.
A maioria dos migrantes são refugiados económicos, pessoas que trabalham duro e passam fome enquanto sonham com uma vida melhor em qualquer outro lugar do mundo. Nos seus países são-lhes recusados direitos básicos como o bem-estar social, a saúde e a educação universais e gratuitas.
Bilionária fuga aos impostos
Os ricos não querem pagar mais impostos, uma política que aumenta a riqueza de poucos e impede até que Estados com disponibilidade política para isso apliquem programas sociais-democratas. Além disso, os ricos escondem uma quantia avaliada em 7,6 biliões (triliões) de dólares norte-americanos das autoridades fiscais, dinheiro amontoado em paraísos fiscais que poderia contribuir para melhorar a vida das pessoas nos seus países de origem.
Os homens e as mulheres de Davos sorriem no Fórum Económico Mundial e dissertam longamente sobre as necessidades de “reformas” e de enfrentar os “desafios” do mundo. Porém, em simultâneo, os homens e as mulheres de Davos batem-se arduamente para proteger as riquezas ocultadas; riquezas que muitas pessoas criaram e a essas pessoas são negadas.
Existe uma relação directa entre o crescimento das fortunas dos bilionários e o aumento do número de migrantes e refugiados que pretendem atravessar o Mediterrâneo. Uns voam para Davos nos seus jactos particulares enquanto outros se afogam em botes de borracha à deriva no mar.