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NASCE A GUANTÁNAMO DO SUL

Tropas norte-americanas participaram em manobras militares realizadas na Amazónia no Outono de 2017

2019-01-20

Marcelo Zero, Brasília; adaptação de O Lado Oculto

Os Estados Unidos da América (EUA) têm cerca de 800 instalações militares espalhadas pelo mundo, desde grandes bases que são verdadeiras cidades até postos de radar e de telecomunicações. Gastam ao redor de 100 mil milhões de dólares por ano para mantê-las.

Os EUA são, de longe, o país que tem mais bases espalhadas pelo mundo. Só para se ter uma ideia, França, Grã-Bretanha e Rússia têm, combinadas, somente 30 bases. Apenas na Alemanha, os EUA têm 34 bases, instaladas na época da Guerra Fria. Na América Latina, os EUA possuem 76 instalações, a maioria concentrada na América Central e nas Caraíbas.
Na América do Sul, os EUA têm nove instalações na Colômbia e oito no Peru. Há também bases e instalações no Equador (Manta) e Argentina (Neuquén - anunciada no ano passado), além do Chile e Paraguai.
Porém, os EUA têm escassez de bases no Atlântico Sul. Deve lembrar-se que, logo após a descoberta do pré-sal*, os EUA, por coincidência ou não, resolveram reactivar a sua Quarta Esquadra, sem consultar os governos da região, a qual tem cenário de actuação no Atlântico Sul.
Pois bem, em maio de 2018, o Comando Sul dos EUA, ao qual a Quarta Esquadra está subordinada, divulgou a sua estratégia para a América Latina e Caraíbas.
Entre as “ameaças” detectadas pelo Comando Sul, estão, além das tradicionais relativas a “tráfico de drogas”, “imigração ilegal”, “crime organizado”, etc., a crescente presença da China e da Rússia na região e “governos hostis” como os da Venezuela, Cuba e Bolívia.
A grande disputa de poder entre os EUA e aliados, de um lado, e China, Rússia, BRICS e seus aliados, do outro, passou a ser o eixo estratégico da política de defesa norte-americana e substituiu o combate ao terrorismo como a principal preocupação de segurança do grande irmão do Norte.
Assim, a região da América do Sul passou a ser um dos palcos importantes dessa luta mundial pelo poder, que inclui, obviamente, a disputa por recursos estratégicos.

Ressurgimento da Doutrina Monroe

Essa importância da América Latina na luta mundial pelo poder resulta do facto de que os EUA tradicionalmente vêem, desde a doutrina Monroe, a região como uma espécie de “quintal”, uma zona de influência exclusiva de interesses norte-americanos.
O Almirante Kurtis Tidd, chefe do Comando Sul, afirmou ao Congresso dos EUA, em Fevereiro de 2018, que, dada à “proximidade geográfica”, não havia outra região do mundo que afectasse mais a “vida quotidiana” dos norte-americanos do que a América Latina e as Caraíbas.
Há, portanto, um ressurgimento da Doutrina Monroe e uma grande ofensiva estratégica norte-americana na América Latina, particularmente na América do Sul, a qual visa contrapor-se à influência de China e Rússia na região e desestabilizar “regimes hostis”, como o da Venezuela, de Cuba, da Bolívia, etc.
O general Joseph P. Di Salvo, segunda autoridade no Comando Sul, já fala em transformar o Plano Colômbia, que colocou aquele país na orbita estratégica do EUA, num “Plano América do Sul”, que visaria submeter toda a região aos desígnios estratégicos norte-americanos.

A oferta de uma base por Bolsonaro

É justamente nesse contexto que o governo Bolsonaro fez a oferta de disponibilizar uma base militar aos EUA, prontamente aceite pelos norte-americanos.
Na realidade, não foi uma iniciativa brasileira. Só um total beócio acreditaria nisso. O governo Bolsonaro simplesmente cedeu, de bom grado, é claro, a um desejo antigo dos EUA, exacerbado pela nova necessidade estratégica de disputar o poder mundial numa região tradicionalmente sob sua influência exclusiva.
Embora tenham ocorrido reacções negativas no meio militar a tal ideia, é preciso levar em consideração que, desde o golpe de 2016, ocorreram mudanças significativas na política de defesa brasileira.
Tais mudanças reflectiram-se em iniciativas polémicas.
O convite para que os EUA participassem nos exercícios conjuntos na Amazónia foi uma delas. Tratou-se de uma decisão inédita na história militar recente do Brasil, que causou muita estranheza. Com efeito, esse convite a uma superpotência estrangeira, que não faz parte da Bacia Hidrográfica da Amazónia, representou um “ponto fora da curva”, na tradição de afirmação da soberania nacional numa região estratégica para o país.
No mesmo diapasão, o Ministério da Defesa do Brasil e o Departamento de Defesa dos EUA assinaram, em 2016, o Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento, ou MIEA (Master Information Exchange Agreement), na sigla em inglês. Com tal decisão, o governo do golpe investiu na cooperação com os EUA como forma de “desenvolver” a indústria de defesa brasileira. Na prática, isso significa renunciar a ter real autonomia no campo do desenvolvimento industrial e tecnológico da defesa nacional.
No mesmo sentido, a renegociação do famigerado Acordo de Alcântara com os EUA, que impediria o desenvolvimento do veículo lançador espacial brasileiro, já denunciava a retomada de uma nova relação de dependência com aquele país.

Contra decisão da ONU

Agora, porém, com o governo Bolsonaro, a submissão estratégica do Brasil será total. A política externa e a política de defesa do Brasil serão colocadas ao serviço único dos interesses estratégicos da administração Trump e dos seus aliados, como Israel.
A cedência de parte do território nacional para que os EUA tenham uma base no Atlântico Sul representa a capitulação última da soberania brasileira e um marco fundamental da transformação do “Plano Colômbia” no “Plano América do Sul”. O Brasil será o grande “capitão-do-mato” dos interesses do Império na América do Sul.
Trata-se de uma decisão que, se concretizada, será praticamente irreversível. Existirá uma Guantánamo do Sul, uma mácula eterna no território e na soberania do Brasil. 
Observe-se que a criação de base militar com pessoal norte-americano geralmente é precedida pela celebração dos tristemente famosos Status of Forces Agreements (SOFAs). Tais instrumentos foram criados para definir e distribuir a jurisdição sobre delitos cometidos por forças militares norte-americanas no estrangeiro. De um modo geral, os SOFAs distribuem a jurisdição da seguinte forma: os crimes militares são julgados por tribunais militares do Estado que enviou as tropas e os crimes civis são julgados por tribunais do Estado receptor. Na prática, no entanto, isso permite total impunidade às forças norte-americanas, pois quem define a natureza dos crimes são os próprios militares norte-americanos.
Mas a criação dessa base não agrediria apenas a soberania do Brasil. Ela agrediria também a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), criada pela Resolução 41/11, de 27 de outubro de 1986, da Assembleia Geral das Nações Unidas. Essa zona de paz foi criada justamente para preencher o vazio geoestratégico que havia no Atlântico do Sul. Por iniciativa do Brasil, a Assembleia das Nações Unidas tomou a decisão de tornar o Atlântico do Sul, ao contrário do Atlântico Norte, uma zona de paz, a ser administrada pelos países da região.
Ora, a criação de bases norte-americanas no Atlântico Sul subverte inteiramente essa directiva multilateral pacífica e passa a incluir a América do Sul numa disputa militarista mundial. Passaremos a ter, potencialmente, uma região geopoliticamente tão instável quanto o Médio Oriente.
Bolsonaro, que não entende de nada e parece não mandar em nada, é o presidente ideal para os interesses do Império. Fraco e obtuso, bate continência a qualquer autoridade norte-americana ou israelita que pise o solo do Brasil. Com seu ministro dos Negócios Estrangeiros templário, que idolatra Trump, faz dupla imbatível no terreno da submissão geoestratégica.
Com eles, serão terceirizadas aos EUA as políticas externa e de defesa. O Brasil soberano desvanecer-se-á e erguer-se-á, impávido colosso, a Guantánamo do Sul.

*Reservas petrolíferas oceânica existentes sob uma profunda camada de sal e cuja descoberta  recente, em águas territoriais, permitiu abrir ao Brasil perspectivas de se transformar numa potência petrolífera


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