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BRAIN DRAIN: A FUGA OU EXPULSÃO DE CÉREBROS

Sem palavras

2018-12-20

Jorge Fonseca de Almeida*

Portugal em vários momentos da sua longa história enfrentou saídas em número significativo das suas elites intelectuais. Esse fenómeno conhecido na literatura anglo-saxónica sob a designação de Brain Drain ou Fuga de Cérebros, afecta negativamente as capacidades técnicas dos países, não permitindo que se desenvolvam plenamente.

Esta migração de talentos representa igualmente um enorme subsídio a fundo perdido dos países mais pobres aos países mais ricos, já que a formação de um jovem custa elevadas somas de dinheiro.

A fuga de cérebros contribui igualmente para a alargar o fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, concentrando o capital humano nos desenvolvidos, facilitando que os melhoramentos científicos e tecnológicos ocorram nos países receptores de pessoas qualificadas e que os restantes países se transformem em consumidores passivos e pagantes desses avanços.

Constitui também uma selecção negativa da população em que os mais dinâmicos, mais capazes de enfrentar desafios, se vão embora e os mais acomodados, os mais predispostos a contentar-se com migalhas, os menos combativos tendem a ficar.

Mais problemático é o desperdício de talentos que advém quando no país de destino os imigrantes são obrigados a tarefas em que as suas capacidades são subaproveitadas. Todos nos lembramos dos médicos e engenheiros ucranianos a trabalhar nas obras em Portugal. O mesmo acontece a muitos emigrantes portugueses qualificados no estrangeiro.

Portugal nos últimos anos tem assistido a uma emigração massiva de portugueses, incluindo os mais instruídos e os mais capazes, que terá repercussões negativas nas próximas décadas.

Um fenómeno que já vem de longe

Logo no período de alargamento territorial levado a cabo pelos nossos primeiros reis era comum a expulsão dos religiosos e académicos muçulmanos, quando não também das populações, despovoando o território que acabava entregue a colonos e clérigos estrangeiros.

Essas colónias tomavam o nome de vilas francas, já que “Francos eram, para os portugueses, todos os homens que vinham do Norte” (Ribeiro, 1969), de que subsistem ainda muitas na nossa toponímia.

Mas a primeira grande expulsão de “cérebros”, juntamente com muitos outros, ocorre com a expulsão de judeus e mouros decretada e depois executada por D. Manuel no final do século XV. O edito com o título de “Que os Judeus e Mouros forros se saiam destes Reinos e não morem, nem estejam neles” selou o destino de muitas pessoas que foram expulsas do país, muitos deles letrados, médicos, filósofos e outros ocupando profissões técnicas e intelectuais. Os que se converteram ao cristianismo e ficaram, na maioria judeus, foram depois perseguidos por uma nova instituição: a Inquisição.

A Inquisição foi, ao longo dos séculos, um motivo de permanente fuga de cérebros, que preferiam paisagens menos intolerantes para desenvolver os seus saberes do que um país em que a fogueira era uma possibilidade real.

Mais recentemente, na segunda metade do século XIX, prosseguiu a hemorragia humana com vastas emigrações para as Américas, nomeadamente para o Brasil.

Bairro de lata português em França anos 60

 

Já nos anos 60 do século XX nova sangria humana a caminho da Europa, França, Alemanha e Suíça, mas também rumo a África. Muitos jovens qualificados, recusando ir combater na injusta guerra colonial, saíram do país nessa vaga que, ao contrário do mito, não incluiu apenas trabalhadores sem qualificações. Apenas que o grupo mais qualificado se via mais como refugiado político do que como emigrante, mesmo quando acabava a executar os mesmos trabalhos dos seus compatriotas menos instruídos.

Família portuguesa num bairro de lata em França anos 60

 

O 25 de Abril permitiu o retorno de muitos quadros e jovens instruídos emigrados na Europa, bem como obrigou ao regresso ao país de uma faixa de profissionais qualificados que estavam em África. Este capital humano teve um papel importante no desenvolvimento económico e social que o país viveu nos tempos pós-Revolução.

Em resumo, diremos que desde o alvor da nacionalidade que Portugal, por motivos diversos, expulsou ou deixou sair uma parte considerável da sua população mais qualificada. Essa circunstância marcou desde cedo um atraso cultural, técnico e científico em relação a outros países que souberam desenvolver mais eficazmente os seus recursos humanos.

Defensores do Brain Drain

Naturalmente que os países receptores têm todo o interesse em defender que a fuga de cérebros é mutuamente vantajosa. Sendo os benefícios para quem recebe imigrantes qualificados óbvios, restava explicar como é que os países de onde saem poderiam ter algo a ganhar. 

Surgem assim teoria abstrusas como a da fertilização cruzada, que defende que a emigração ajuda os nacionais de países mais atrasados a aprender novas técnicas e novas ideias que depois podem levar para o seu país ao mesmo tempo que contribuem com as suas ideias para o desenvolvimento dos países de recepção.

O resultado, depois de séculos de fertilização cruzada, não tem sido o que essa teoria prevê e que seria uma aproximação dos níveis científicos e tecnológicos.

Desinvestimento na educação e na Ciência

O Governo de Passos Coelho enveredou por uma política de retirada do Estado das áreas económicas (extenso programa de privatizações) mas também sociais, nomeadamente a educação, e de desregulamento das relações laborais – que consequentemente levaram a maior precarização e a baixas substanciais dos salários.

Em termos de maior qualificação – o Doutoramento representa o último e mais elevado grau da educação académica – os números são expressivos – uma redução violenta e o regresso a valores de 2005. O número anual de doutoramentos, que tinha atingido os 2.000 antes da crise, regrediu para 1.200 em 2012.

Sandra Hasanefendic, analisando o caso português, escreve que “O declínio do investimento público em R & D levou, portanto, não apenas à emigração de pessoas altamente qualificadas e à redução da capacidade de pesquisa, mas também dificulta fortemente a inovação e, com isso, a competitividade das empresas” (Hasanefendic, 2017).

Quadro I
Doutorados 1994-2012

 

Emigração nos últimos anos (mitos e verdades)

Entre 2011 e 2016 mais de 100 mil portugueses emigraram em cada ano, enviando para o estrangeiro um contingente heterogéneo de pessoas, desde as mais qualificadas às de menores qualificações, mas seguramente das mais activas e decididas.

Se bem que parte deste fluxo em direcção ao exterior seja de emigração temporária, outra parte significativa é de emigração permanente em que o desejo de regressar no curto prazo não existe.

Segundo um relatório do Eurofond, as razões para este aumento da emigração encontram-se no elevado desemprego, na precariedade e nas condições laborais em processo de deterioração progressiva (Carrilho e Perista, 2016).
 
Os destinos desta emigração parecem reproduzir os da emigração dos anos 60, isto é, muito centrada nos países da OCDE e em Angola.

Quadro II
Emigração 2011-2016

Fonte: Observatório da Emigração

 

Ao contrário do que muitos querem fazer passar, a emigração recente não incluiu apenas profissionais altamente qualificados. Os emigrantes recentes são mais qualificados que a geração que emigrou nos anos 60 do século XX apenas porque essa era uma geração sem acesso a qualquer educação e em que, consequentemente, muitos eram analfabetos.

Por exemplo nos anos 2010-2011 mais de 60% das pessoas que emigraram tinham apenas a instrução primária e somente 10% tinham instrução superior (Carrilho e Perista, 2016). Outros estudos mais recentes apontam valores da mesma ordem de grandeza – “Actualmente estima-se que 11% de todos os emigrantes possuem um diploma do ensino superior” (Gomes, 2015).

Estes números dizem também muito sobre a tão apregoada geração mais qualificada de sempre. O número de 60% de emigrantes que apenas possui a instrução primária fala por si.

Apesar disso, num país com uma faixa estreita de população com educação superior estes 10% fazem muita falta, porque se trata de um número que ultrapassa as 10.000 pessoas por ano. Para além disso, estes profissionais mais qualificados encaram a emigração como uma estadia fora do país de longa duração, ao invés de profissionais menos qualificados, que muitas vezes têm de sujeitar-se, por imposição dos países receptores, a uma emigração de carácter mais temporária, de menor duração.

Regressando aos trabalhadores qualificados, os cérebros, “saliente-se ainda que a emigração tem efeitos claros no emprego: se 36,1% dos indivíduos estavam desempregados em Portugal, apenas 3,8% se encontram nessa condição no país de destino. Por outro lado, a emigração está também associada a um aumento claro dos rendimentos: mais de 70% dos inquiridos recebiam, em Portugal, um salário inferior a 1000 euros, enquanto mais de metade dos indivíduos aufere de um montante superior a 2000 euros no país de destino” (Gomes, 2015). Confirma-se que estes emigrantes buscam e encontram nos países de destino emprego e melhores condições salariais.

Veja-se que os salários de 2.000 euros se situam pouco acima salário mínimo de vários países europeus de destino da emigração portuguesa (França, Reino Unido, etc.,) o que significa o trabalho em áreas muito distintas daquelas que seriam expectáveis para jovens licenciados. Significa que muitos, se não a maioria, apenas encontram ocupação em trabalhos exigindo menores qualificações.

Anúncio de trabalho 2018

 

Políticas para contrariar o fenómeno

As políticas utilizadas para combater a fuga de cérebros são normalmente uma combinação de medidas de retenção-atracção (push-pull factors).

Ora os factos parecem indicar que a emigração portuguesa é originada por dois grandes factores: a falta de emprego e as condições de trabalho, nestas últimas sobressaindo a precariedade e os salários baixos.

Aliás, à medida que o desemprego tem vindo a diminuir o fluxo migratório tem vindo a reduzir-se, apesar de se manter a nível historicamente elevado.

Assim, é necessária uma aposta real nas condições de trabalho, diminuição da precariedade e aumento dos níveis salariais.

Por outro lado, não adianta procurar atrair de volta os que saíram, como o atual Governo tem feito oferecendo magras vantagens fiscais, quando o urgente é estancar a saída de portugueses e de imigrantes que já se tinham fixado em Portugal. Quanto à atracção de jovens qualificados de outros países, parece funcionar de forma limitada, com profissionais de alguns Estados de língua oficial portuguesa.

Esse estancar só será conseguido com uma profunda reorganização do mercado de trabalho e das Leis laborais favorecendo a estabilidade, por oposição à precariedade, e a valorização do trabalho qualificado contra a actual desvalorização.

É preciso entender que os jovens portugueses sabem o que se passa na Europa e no mundo e que, naturalmente, não ficarão em Portugal se o fosso das oportunidades oferecidas pelo nosso país, comparadas com as oferecidas por outros, se continuar a alargar.

Veja-se a diferença do salário mínimo entre Portugal e Espanha (que anunciou fixá-lo nos 900€ a partir de 2019), ie 50% mais do que em Portugal. Quem quer ficar? Que incentivos existem à permanência? Quem aconselharia os seus filhos a ficar?

Portugal como receptor – Não faças aos outros …

Portugal também tem actuado como receptor de cérebros que são essenciais ao desenvolvimento de outros países. Isto é particularmente verdade em relação a pessoas com habilitações superiores oriundas de países africanos de expressão portuguesa (PALOPs).

Muitos quadros que poderiam reforçar os sistemas de saúde, ensino ou produtivo desses países acabam retidos em Portugal, não podendo assim contribuir para o desenvolvimento dos seus países.

Situação tanto mais grave no momento em que alguns desses países, Guiné-Bissau, Moçambique, tanto necessitam de pessoas qualificadas para encetarem uma caminhada rumo ao desenvolvimento económico e social.

Naturalmente que deve ser respeitada a vontade destes profissionais e o seu direito à mobilidade internacional, mas por outro poder-se-iam encontrar soluções que lhes permitissem, mesmo permanecendo em Portugal, contribuir para o seu país.

As leis da imigração e do acesso à nacionalidade portuguesa contribuem para reduzir a mobilidade e não contribuem, por exemplo, para uma partilha do tempo desses quadros entre o país de origem e o país de acolhimento. Outras soluções seriam igualmente possíveis.

Conclusões

A fuga de cérebros é, na actualidade, uma calamidade que está a retirar do país a sua capacidade de desenvolvimento sustentado num mundo em que cada vez mais as qualificações são importantes.

No passado, Portugal deixou sair ou expulsou muito dos seus melhores filhos, o que contribuiu para o atraso em que o país mergulhou a partir de meados do século XVI. A cada geração a hemorragia de homens e mulheres tolhe o nosso desenvolvimento.

A partir da crise iniciada em 2008 o fluxo migratório explodiu, criando-se com as reformas então encetadas de desregulamentação laboral, descida dos salários e da proteção social, um forte incentivo à saída do país.

A grande maioria (60%) dos que têm vindo a emigrar tem a instrução primária, mas 10% tem instrução superior. Apesar de minoritários num país de baixas qualificações, estas saídas de jovens qualificados são importantes. Impõem-se parar a hemorragia humana.

Só agindo sobre o mercado laboral será possível estancar esta fuga humana em direção ao centro da Europa (Reino Unido, França, etc.). A redução do desemprego, através do investimento produtivo, e a melhoria das condições de trabalho são condições indispensáveis.

A continuar nesta senda Portugal não conseguirá manter no país os quadros de que necessita para levar por diante uma economia do século XXI e terá de se contentar com indústrias ultrapassadas ou serviços de menor valor acrescentado.

Se pensarmos que hoje uma das empresas que mais trabalhadores emprega em Portugal é um call center estrangeiro verificamos qual o posicionamento que o país está a ocupar na divisão internacional do trabalho: o de fornecedor de mão-de-obra barata e pouco qualificada no sector dos serviços. Uma especialização em que concorremos, tal como no turismo, com os países do Norte de África.

 

* Economista, MBA

Referências

Cabrita, Belmiro, Luísa Cerdeira, Maria Lourdes Machado-Taylor, Tomás Patrocínio, Rui Brites, Rui Gomes, João Teixiera Lopes, Henrique Vaz, Paulo Peixoto, Dulce Magalhães, Sílvia Martins (2015) “The Brain Drain in Portugal: some explanatory reasons”, Investigaciones de Economía de la Educación, Número 9, pp 831- 845

Carrilho, Paula e Heloísa Perista (2016), Portugal: High and rising emigration in a context of high, but decreasing, unemployment, [online], https://www.eurofound.europa.eu/publications/article/2016/portugal-high-and-rising-emigration-in-a-context-of-high-but-decreasing-unemployment, acedido a 17 de Dezembro 2018

Hasanefendic, Sandra (2017), ““Brain drain, brain gain… Brain sustain?” Challenges in building portuguese human research capacity”, Sociologia, Problemas e Práticas, Número 83, pp 117-135

Ribeiro, Ângelo (1969) História de Portugal – A Fundação do Reino – Volume I, Portugal, Lello Editores

Gomes, Rui (2015), Comunicado de Imprensa, [online] http://www.bradramo.pt/wp-content/uploads/2015/09/Comunicado-de-imprensa27_08_2015-FINAL.pdf, acedido a 17 de Dezembro 2018

Roudgar, Iraj (2014) The Global brain drain: Theory and Evidence, Alemanha, Lambert academic Publishing


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