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O REGRESSO DOS “EUROMÍSSEIS”

O "escudo anti-mísseis" norte-americano, como este instalado na Roménia, não é "defensivo": esconde a possibilidade de lançar mísseis ofensivos. Contraria o tratado contra os mísseis nucleares de curto e médio alcance

2018-11-01

Manlio Dinucci, Il Manifesto, Roma

O Pentágono admitiu finalmente que o presidente Putin não estava a fazer bluff quando apresentou o novo arsenal russo aos membros da Duma (Parlamento), no dia 1 de Março de 2018. A partir de agora, Moscovo está claramente na dianteira em matéria de armamento convencional. Ora, tendo em conta o estado das suas investigações militares, os Estados Unidos não estarão em condições de criar rapidamente um equivalente do míssil hipersónico Avanguard. O presidente Trump prepara-se, por isso, para denunciar o Tratado de Forças Nucleares de Médio Alcance (INF na sigla anglo-saxónica) e reequipar o seu país com mísseis nucleares de médio alcance, única solução para reequilibrar as forças.

O anúncio de que Trump “transforma em sucata o tratado nuclear histórico com Moscovo” não é inesperado. Mas tornou-se oficial. Para compreender o alcance desta medida devemos recordar o contexto histórico que lhe deu origem.
O Tratado foi assinado em Washington, a 8 de Dezembro de 1987, pelo presidente norte-americano, Ronald Reagan, e pelo presidente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, depois do acordo estabelecido no ano anterior na cimeira de Reikjavic. Nos termos do tratado, os Estados Unidos comprometiam-se a eliminar os “euromísseis”: os mísseis balísticos Pershing 2, instalados na Alemanha Ocidental, e os mísseis de cruzeiro lançados de terra, baseados na Grã-Bretanha, em Itália, na Alemanha Ocidental, na Bélgica e na Holanda; a União Soviética comprometia-se a eliminar os mísseis balísticos SS-20 instalados no seu próprio território.
O Tratado INF determinava não apenas um limite para a instalação de uma categoria específica de mísseis, mas a eliminação de todos os mísseis dessa categoria: até 1991foram eliminados 2692 mísseis, no total.
A limitação do tratado consistia no facto de eliminar os mísseis nucleares de curto e médio alcance lançados de terra, mas não os que eram lançados do mar e do ar.
Apesar disso, o Tratado INF constituía um primeiro passo no caminho real do desarmamento nuclear.
Este importante resultado deveu-se substancialmente à “ofensiva do desarmamento” lançada pela União Soviética de Gorbatchov: em 15 de Janeiro de 1986 ele tinha proposto não apenas a eliminação dos mísseis soviéticos e norte-americanos de médio alcance, mas a elaboração de um programa completo, em três fases, para que fossem banidas as armas nucleares até ao ano 2000. Um projecto que ficou no papel porque Washington se aproveitou da crise e da desagregação da superpotência rival para aumentar a superioridade estratégica, incluindo a nuclear, dos Estados Unidos, tornada a única superpotência na cena mundial.
Não é por acaso que o Tratado INF tenha sido posto em causa por Washington na altura em que os Estados Unidos vêem diminuir a sua vantagem estratégica sobre a Rússia, a China e outras potências. Em 2014, sem apresentar qualquer prova, a administração Obama acusou a Rússia de testar um míssil de cruzeiro da categoria interdita pelo tratado, anunciando que “os Estados Unidos estão em vias de considerar a instalação de mísseis na Europa baseados em terra”, isto é, o abandono do Tratado INF.
O plano foi confirmado pela administração Trump: durante o ano fiscal de 2018 o Congresso autorizou o financiamento de um programa de investigação e desenvolvimento de um míssil de cruzeiro lançado do solo a partir de uma plataforma móvel. O projecto foi apoiado pelos aliados europeus da NATO. Na recente reunião ao nível de ministros da Defesa, o Conselho do Atlântico declarou que “o Tratado INF está em perigo devido às acções da Rússia”, acusada de instalar “um sistema desestabilizador de mísseis que representa um sério risco para a nossa segurança”. Moscovo nega que esse sistema de mísseis viole o Tratado INF e, por seu lado, acusa Washington de ter instalado, na Polónia e na Roménia, rampas de lançamento de mísseis interceptores (os do “escudo”) que podem ser usadas para lançar mísseis de cruzeiro com ogivas nucleares.
Segundo informações filtradas pela Administração, os Estados Unidos preparam-se para instalar mísseis nucleares de médio alcance não apenas na Europa, contra a Rússia, mas também no Pacífico e na Ásia, contra a China.



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