O “ASSASSÍNIO” DE NAVALNY: UM GUIÃO SEM PÉS NEM CABEÇA
2020-10-08
Finian Cunningham, Strategic Culture/Adaptação de O Lado Oculto
Alexei Navalny, o político fascista russo endeusado no Ocidente como uma grande figura da oposição a Putin – mas que está longe de tirar o sono ao Kremlin – sobreviveu miraculosamente ao mortífero veneno Novichok. Saiu-se tão bem como há dois anos o agente duplo Skripal, aparentemente são como um pero depois de ter sido dado como praticamente morto. Das três uma: ou Navalny e Skripal são super-homens, ou o Novichok perdeu potencialidades em termos de letalidade ou simplesmente nunca houve Novichok nestas histórias para entreter telejornais e alimentar a guerra contra a Rússia. Histórias mal contadas, que não têm factualmente pés nem cabeça, mas que são levadas a sério e podem gerar convulsões de consequências imprevisíveis. Assim funciona a propaganda que tomou as rédeas da informação.
Então agora o estranho episódio do veneno de Navalny sofreu uma grande reviravolta, com a inteligência militar alemã a declarar que encontrou vestígios do produto Novichok numa garrafa de água da qual o oposicionista russo terá supostamente bebido. A garrafa apareceu recentemente na Alemanha sabe-se lá de onde e mais parece que os autores desta desajeitada operação de provocação ou de “bandeira falsa” pretendem “engarrafar” a inteligência de todos nós, tantos são os absurdos já associados à narrativa seguida.
O governo alemão anunciou recentemente que um laboratório militar da Bundeswehr terá detectado Novichok nos fluidos corporais de Alexei Navalny. Numa associação esperada, logo surgiram acusações segundo as quais o Kremlin era responsável por uma tentativa de assassínio de Navalny usando um veneno extremamente letal que ataca o sistema nervoso e que foi criado na época soviética – pelo menos de acordo com todas as narrativas que são oficializadas a propósito de alegados casos deste tipo, designadamente o do pai e filha Skripal no Reino Unido.
O lado alemão tem um problema…
Mas o lado alemão tem um problema, que não tardou a vir ao de cima em virtude das contradições desta versão com a dos toxicologistas russos que trataram Navalny pela primeira vez, quando o político oposicionista aparentemente adoeceu num voo da Sibéria para Moscovo, em 20 de Agosto. Os médicos russos declararam que não encontraram qualquer veneno no doente, designadamente do tipo de organofosforados que atacam o sistema nervoso. Os médicos informaram que induziram o estado de coma em Navalny devido a condições clínicas pré-existentes, provavelmente diabetes. A equipa médica que assistiu o paciente no hospital da cidade de Omsk, para onde Navalny foi levado em 20 de Agosto, numa escala do voo, revelou que recolheu e guardou amostras originais dos fluidos corporais.
Foi este pormenor relacionado com os cuidados tomados em devido tempo pela equipa médica russa que parece ter levado os espiões militares alemães a interferir no curso da narrativa apresentando um novo elemento desconhecido desde o início dos episódios: a garrafa de água envenenada.
Na realidade as amostras biológicas russas, sem quaisquer traços de toxinas, não suportam a tese do envenenamento desde logo assumida na versão tornada dominante através da comunicação social corporativa. Facto que levanta imediatamente a hipótese de, a haver uma contaminação dos fluidos corporais de Navalny, ela ter surgido depois de a “vítima” ter sido internada no hospital de alemão de Berlim para onde foi transportada da Rússia em 22 de Agosto.
De acordo com a publicação alemã Der Spiegel, os membros da família Navalny guardaram a suposta garrafa quando o dirigente oposicionista russo adoeceu durante o voo que partiu da cidade siberiana de Tomsk. Ao que parece, não entregaram a garrafa aos toxicologistas russos do hospital de Omsk e guardaram-na para a colocar à disposição de entidades alemãs quando Navalny chegou a Berlim, dois dias depois.
Estas manobras familiares com a garrafa posteriormente surgida em cena parecem muito convenientes e também necessárias para estabelecer uma explicação para o facto de os toxicologistas russos não encontrarem traços de veneno, ao contrário do que aconteceu com os seus colegas alemães. Ou seja, os alemães passaram a poder alegar que têm provas do envenenamento – que entretanto não foram disponibilizadas à parte russa. De qualquer modo, apesar desta estratégia de contorcionismo, resta sempre uma realidade difícil de explicar: se Navalny bebeu da garrafa durante o voo de Tomsk para Omsk, e se a garrafa esteve sempre contaminada – isto é, não foi “envenenada” em pleno percurso sob jurisdição alemã - estão haveria traços tóxicos nos fluidos analisados pela parte russa. Mas não foi detectado qualquer veneno nessas análises.
Os estratagemas elaborados nesta operação tornam, de facto, a narrativa montada pela espionagem militar alemã como muito pouco plausível, ou até mesmo absurda.
O Novichok, conforme tem sido dito e repetido desde logo a propósito do caso Skripal, é uma substância mortífera em quantidades ínfimas. Se Navalny, de 44 anos, tivesse sido envenenado com este produto, a esta hora estaria morto. Pelo contrário, teve uma feliz recuperação e as fotos da convalescença entretanto publicadas mostram-no pouco combalido, capaz de subir e descer escadas – o que pode considerar-se um milagre. Além disso, se houvesse Novichok no processo tal como ele é explicado pela narrativa oficial, os ajudantes e comissários de bordo que tiveram contacto próximo com Navalny durante o voo teriam manifestado sinais de envenenamento. Acresce que é inconcebível que uma garrafa contaminada com o agente nervoso mortal pudesse ter sido transportada pela família para a Alemanha sem que essas pessoas fossem atingidas. O facto de só Navalny ter sido supostamente envenenado num processo em que ele e os seus pertences estiveram em contacto com outras pessoas é, por si só, outro milagre.
Skripal, parte dois
O estranho caso de Navalny tem uma significativa semelhança com o igualmente estranho caso Skripal. No entanto, manifestando uma fé inabalável na credibilidade que a comunicação corporativa será capaz de dar a histórias negadas pelas contradições e os factos, o caso Skripal é mesmo citado como um precedente da operação Navalny, e sempre para incriminar a Rússia. Este suposto Novichok parece ter uma incrível capacidade para perder a sua potência mortal nestas operações. As vítimas atingidas directamente entram aparentemente em misteriosos estados comatosos, desaparecem convenientemente de cena e, mesmo quando milagrosamente restabelecidas, ficam secretamente à guarda no governo britânico e agora do governo alemão. De notar ainda o curioso e misterioso aparecimento de recipientes em cena: um frasco de perfume que supostamente estava contaminado com Novichok no caso Skripal, em Março de 2018 em Inglaterra; e agora a garrafa de água no “incidente” com Navalny.
Tal como aconteceu com a alegada tentativa de assassínio do agente duplo do MI6 (serviços secretos britânicos) Sergei Skripal, os acontecimentos envolvendo uma figura da oposição russa como Navalny é, sem dúvida, uma provocação, uma operação de bandeira falsa para fomentar sanções e hostilidade ocidentais contra Moscovo.
Logo a seguir aos relatos sobre a detecção alemã de Novichok no corpo de Navalny sucederam-se os previsíveis e múltiplos apelos para o cancelamento do gasoduto Nord Stream 2 em fase de acabamento entre a Rússia e a Alemanha. Não é segredo que os políticos alemães pró-Washington, muito pressionados pelas administrações norte-americanas e apesar de irem contra os interesses dos empresários e da economia da Alemanha, há muito que fazem campanha contra o ambicioso comércio de energia com a Rússia.
A chanceler alemã, Angela Merkel, tem-se mostrado, até agora, decidida na defesa da conclusão do Nord Stream 2, apesar das pressões da administração Trump e do Congresso norte-americano, que ditaram sanções contra empresas europeias envolvidas na construção. O objectivo norte-americano é o de substituir o gás de origem russa por gás liquefeito norte-americano, processado pelo sistema de fracking (gás de xisto), muito mais caro e nocivo para o ambiente.
A suposta tentativa de assassínio de Navalny encaixa-se perfeitamente na estratégia e na agenda norte-americanas. E tendo em conta a fidelidade da inteligência militar alemã e de muitos políticos ao eixo transatlântico e às operações da NATO, não é difícil identificar a montagem de um esquema de bandeira falsa, opção tão presente na história dos Estados Unidos.
O problema é que, na pressa de apontar Navalny como vítima para sabotar o Nord Stream 2 e as produtivas relações entre a Rússia e a Alemanha, os estrategos da operação não tiveram em conta a “etapa” no hospital de Omsk, onde os médicos russos refutaram qualquer presença de Novichok no corpo do político programada antecipadamente para efeitos de propaganda ocidental. Percebendo então a grosseira precipitação, os autores engendraram uma reviravolta na história fazendo aparecer, num passe de mágica, a garrafa de água supostamente contaminada com veneno mortal e que, apesar disso, não contaminou minimamente os seus portadores.
Alexei Navalny é uma figura menor da oposição russa de extrema-direita, mais famoso no Ocidente como instrumento de propaganda do que na própria Rússia. A actividade de Navalny não faz qualquer sombra a Putin, ao contrário do que possam ser levados a crer os consumidores da propaganda corporativa ocidental. Navalny é muito mais útil vivo ao governo da Rússia do que morto.
O mesmo não pode dizer-se da estratégia ocidental, sempre dependente de fortes impulsos de propaganda para alimentar a guerra económica e militar contra a Rússia. Navalny morto pode ser um instrumento dramático susceptível de provocar decisões ocidentais radicais que seriam menos justificáveis na gestão corrente da animosidade contra Moscovo. O guião desta história penosa, agora com Navalny sob custódia alemã, pode sempre sofrer alterações, como aconteceu com o aparecimento da misteriosa garrafa contaminada.