ARRANJOS EM BRUXELAS ATINGEM A ROMÉNIA

2018-10-26
Pilar Camacho, Bruxelas
A Roménia integra o cada vez mais vasto grupo de países da União Europeia cujo regime é de cariz autoritário, mas a aparente inquietação com essa realidade apenas agora terá chegado a Bruxelas como repercussão dos jogos de bastidores entre as duas maiores famílias políticas do sistema: Partido Popular Europeu e Socialistas e Outros Democratas. Às ameaças contra a Hungria do PPE seguem-se as dirigidas à Roménia, espelho do autoritarismo “social-democrata”.
O assunto já circula no Parlamento Europeu, embora nada ainda leve a crer que o governo de Bucareste venha a ser ameaçado com a aplicação do artigo 7º, que prevê sanções “caso exista um risco claro de violação grave dos valores europeus” por um Estado membro.
Ficando sempre por saber qual dos 27 Estados da União respeita efectivamente os teóricos “valores europeus”, a Roménia surge na berlinda por estar a tentar acabar com a independência da Justiça e não levar a sério a luta contra a corrupção, que no país é profunda e endémica. A domesticação da Justiça é um objectivo comum a todos os Estados Europeus que navegam nas águas do populismo, nacionalismo e extrema-direita como versões do fascismo. E não apenas a esses.
A Roménia, tal como a Hungria, a Estónia, a Letónia, a Eslováquia, a República Checa, a Eslovénia, a Croácia, a Bulgária, a Polónia, a Áustria, a Itália recorrem a práticas – em aplicação ou programáticas – que violam flagrantemente a teoria do artigo 7º, mas a União Europeia tem vivido longo tempo em paz com essa circunstância.
Recentemente foi aberta uma excepção em relação à Hungria de Viktor Orban, que já leva 12 anos à frente do governo, oito dos quais consecutivos (desde 2010), e cujo partido fascista, o Fidesz, integra o Partido Popular Europeu. Subitamente, devido a práticas há muito corriqueiras no país, surgiu a ameaça de sanções.
Nos bastidores de Bruxelas não é segredo que o Partido Popular Europeu se viu obrigado a deixar temporariamente de dar cobertura ao regime de Orban para não ensombrar mais a corrida do seu presidente, o alemão Manfred Weber, à presidência da Comissão Europeia a seguir às eleições de Maio. “Durante algum tempo, até à escolha do sucessor de Juncker, é importante que Weber não tenha esqueletos nos armários”, afirma um assessor da Comissão, apoiante do PPE.
Quebrou-se um equilíbrio tácito
A partir do momento em que o PPE deixou cair a Hungria e Budapeste ficou sob ameaça, rompeu-se o equilíbrio tácito que as famílias de direita e socialista cultivavam para encobrir as derivas autoritárias dos seus clientes.
O grupo dos Socialistas e Outros Democratas viu-se então forçado a abrir mão da Roménia “social-democrata”, cujo governo é chefiado por Virioca Dancila, por impedimento do homem forte do país, Liviu Dragnea, condenado por corrupção.
Os ataques à independência da Justiça e a cleptocracia do regime romeno tornaram-se agora uma inquietação em Bruxelas e, de um momento para o outro, passou a existir “um risco claro de violação grave dos valores europeus”. Os socialistas tiveram que fazer com os correligionários de Bucareste o mesmo que o PPE permitiu em relação a Orban.
Porém, quanto à Roménia a possibilidade de ser invocado o artigo 7º não parece ser já para amanhã, até porque existem muitas incertezas sobre o que irá, de facto, acontecer com a Hungria.
Para que o artigo 7º seja activado é necessária uma maioria de quatro quintos dos Estados Membros, o que significa que bastam seis países para bloquear a iniciativa, o que não será difícil de obter. A não ser que as pressões a exercer por Bruxelas sobre alguns governos sejam de tal forma lesivas que obriguem alguns a ceder. Uma circunstância que, por outro lado, poderá ter sequelas graves a juntar às que já transformaram a União num aglomerado sem sentido nem coerência – a não ser para continuar a impor a ortodoxia económica neoliberal às populações.
E para que a aplicação do artigo 7º se transforme em sanções ao Estado prevaricador é preciso que haja a unanimidade de 26 – o acusado não conta nesta situação. Aqui o caso fia ainda mais fino, para não afirmar que se torna impraticável.
As versões autoritárias, populistas, nacionalistas, neofascistas vieram para ficar numa União Europeia onde, no plano económico, em nada se diferenciam do autoritarismo imposto por Bruxelas.
Este comportamento central e centralizado provocou as respostas nacionais que se sucedem em cadeia, e na qual a Roménia “social-democrata” acaba por não se distinguir da Hungria neofascista numa União em acelerada desagregação.