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COVID-19, PREÇOS DO PETRÓLEO E IRRACIONALIDADE ECONÓMICA

2020-04-26

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

Na segunda-feira dia 20 de Abril o petróleo atingiu pela primeira vez na História preços negativos. Nesse dia a cotação do barril de petróleo, West Texas Intermediate (WTI), nos Estados Unidos da América (EUA), fixou-se nuns espantosos 37,63 dólares negativos. No dia seguinte desceu ainda mais. Note-se que o WTI é o preço padrão para o petróleo dos EUA.

Depois das taxas de juro negativas temos, agora, uma das principais mercadorias do comércio mundial a negociar com preços negativos.

O sistema capitalista de base neoliberal imposto ao mundo pelos Estados Unidos após a derrocada da União Soviética apresenta-se à entrada da segunda década do século XXI como um sistema irracional, enfrentando crises devastadoras sucessivas, incapaz de gerar desenvolvimento e apenas eficaz em concentrar a riqueza num pequeno conjunto de mãos cada vez mais ávidas de tudo controlar.

Um preço negativo significa que o detentor do produto está disponível a pagar para o entregar a outra pessoa. Tais preços, na exuberância da sua irracionalidade, atestam uma crise de sobreprodução em que o petróleo extraído do subsolo é em muito maior quantidade do que o necessário para o consumo industrial e individual.

Tendo por base a irracionalidade da sobreprodução os preços negativos ocorrem em todos os bens com custos elevados de detenção. Uma vez produzidos em excesso, os produtores ou outros detentores do produto começam a ter custos de armazenamento. Para reduzir as perdas estão disponíveis a pagar para que outrem suporte esses custos. Uma centelha de racionalidade num processo completamente irracional.

Estes preços negativos estão a arruinar os sectores produtores de energia dos Estados Unidos e de outras geografias, levando a dois desenvolvimentos complementares: i) necessidade de avultadas ajudas de Estado a essas empresas e, ii) à concentração da indústria num número ainda mais reduzido de empresas.

Também em Portugal, na venda de bancos ajudados pelo Estado, tivemos vários casos de preços negativos. Destes o mais escandaloso tem sido o do Novo Banco, em que as entregas do Estado, ou garantidas por este, após a venda superam largamente o valor recebido da venda.

Causas imediatas dos Preços Negativos do Petróleo

                                   

A causa mais imediata dos preços negativos do petróleo radica na incapacidade do Governo Trump, agindo em nome da indústria petrolífera norte-americana, em conseguir um acordo com outros grandes produtores no sentido de regular o mercado e reduzir a produção, face a uma redução significativa da procura que alguns especialistas estimam em 30% a nível mundial. Procurando ganhar vantagem concorrencial, a administração Trump conseguiu exactamente o contrário: prejudicar fortemente as empresas do seu país, embora atingindo também as estrangeiras.

Outros países como a Venezuela, o Canadá e o Iraque cortaram a produção, mas os Estados Unidos não o fizeram.

Continuando a produzir na sua máxima capacidade num momento de grande queda da procura, a indústria atingiu rapidamente o limite máximo de armazenamento. A queda dos preços para valores negativos tornou-se assim inevitável.

Outra causa, menos imediata mas mais fundamental, da queda dos preços é a financeirização do mercado do petróleo, nomeadamente através de contratos de futuros e opções. Foi neste mercado que os preços negativos ocorreram. Aqui compram-se e vendem-se quantidades de petróleo muito superiores às existentes. Trata-se apenas de um jogo financeiro com base no preço do petróleo. Pura especulação. No entanto, num momento de crise as compras agendadas para datas futuras, e que em condições normais nunca representariam uma compra real, anulando-se com vendas de sinal contrário, transformam-se pelas regras deste mercado em compras absolutamente reais, tendo o comprador de garantir o armazenamento. É então que tais compradores procuram vender a todo o transe este petróleo para o qual não têm armazenamento. Estão mesmo dispostos a pagar para se verem livres desse petróleo indesejado.

A financeirização e a especulação ampliam então a causa subjacente da sobreprodução.

Salvar a Indústria

                           

Trump anunciou já a intenção de avançar com um programa gigantesco de salvação da indústria petrolífera norte-americana da ordem das dezenas de milhares de milhões de dólares. Este apoio será seguramente pago nos próximos anos pelas camadas trabalhadoras da sociedade norte-americana através da intensificação da austeridade.

Ajudadas, as empresas norte-americanas terão maior facilidade em impor-se num mercado mundial em que as suas congéneres latino-americanas, iranianas, árabes ou europeias não poderão contar com apoios tão substanciais. Eis a concorrência vista pelos olhos dos EUA.

Armazenamento

                                               

                                                                                                                     Cushing, no Oklahoma

A crise de armazenamento norte-americana é bem real. O grande armazém em Cushing no Oklahoma, com capacidade de armazenar mais de 70 milhões de barris, está no limite. 

Uma das alternativas de armazenamento é usar a rede de pipelines para guardar o petróleo produzido em excesso.

 Quem ganha e quem perde

                                                                                                  

Quem perde são seguramente muitos países produtores de petróleo cujo preço é muito influenciado pela cotação do petróleo dos EUA. O Brent do Norte da Europa já desceu 70% desde o início do ano. Perdem igualmente a generalidade das empresas produtoras e a maior parte da fileira de refinação. Perdem os retalhistas que vendem derivados do petróleo como gasolina, gasóleo ou outros. 

Ganham as empresas que alugam espaço de armazenamento, ganham as empresas com músculo financeiro para comprar agora, armazenar e vender quando os preços retomarem.

Últimos desenvolvimentos

A OPEC chegou a um acordo para redução da produção de petróleo e desta vez as grandes empresas petrolíferas como a BP e outras também serão obrigadas a reduzir a sua produção. Normalmente as Oil Major, como são conhecidas, ficam isentas de reduções, apenas se aplicando as restrições às empresas estatais. Desta vez parece ser diferente. 

O México reduziu também a produção e restringiu a importação de petróleo dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, depois de ameaçarem impedir as importações de petróleo da Arábia Saudita, ainda não concretizaram a medida.

Os preços do WTI retomaram valores positivos, mas a generalidade dos observadores estimam que se os EUA nada fizerem a situação pode repetir-se com maior intensidade e maior duração.

Vamos estar atentos a novos desenvolvimentos. Muito do futuro da economia mundial está dependente do preço do petróleo. 

*Economista, MBA

Referências

Cunningham, Nick (2020), “The Worst Is Yet To Come For Oil Prices”, Oil Price, [on line] disponível em https://oilprice.com/Energy/Crude-Oil/The-Worst-Is-Yet-To-Come-For-Oil-Prices.html, acedido a 24 de Abril 2020

Fruen, Lauren (2020), “US crude oil futures turned negative on Monday for the first time in history”, Mail Online, [on line] disponível em https://www.dailymail.co.uk/news/article-8239035/Oil-price-crashes-negative-time-history-demand-dries-up.html, acedido a 24 de Abril 2020

Gieger, Julianne (2020), “In Rare Development, Oil Majors Are Forced To Cut Output Under OPEC Deal”, Oil Price, [on line] disponível em https://oilprice.com/Latest-Energy-News/World-News/In-Rare-Development-Oil-Majors-Are-Forced-To-Cut-Output-Under-OPEC-Deal.html, acedido a 25 de Abril 2020 

Johnson, Keith (2020), “Oil Price Nosedive Continues as Trump’s Deal Fails to Deliver”, Foreign Policy, [on line] disponível em https://foreignpolicy.com/2020/04/21/oil-price-nosedive-continues-as-trumps-oil-deal-fails-to-deliver/?utm_source=PostUp&utm_medium=email&utm_campaign=21062&utm_term=Editors%20Picks%20OC&, acedido a 24 de Abril 2020

Jones, Benji (2020), “Power Line: The real reason crude oil went negative, top oil stock picks, and why the clean-energy transition endures”, Business Insider, [on line] disponível em https://www.businessinsider.com/power-line-why-oil-prices-went-negative-levels-of-detail-2020-4, acedido a 24 de Abril 2020



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