HONG KONG : COLONIALISMO TENTA ADIAR O INEVITÁVEL

2019-07-10
Tony Cartalucci*, New Eastern Outlook/O Lado Oculto
A comunicação social ocidental tem vindo a exaltar os protestos em curso em Hong Kong, chegando alguns meios a testemunhar que “abalaram” a liderança de Pequim.
A causa próxima dos protestos foi a de impedir que o governo democraticamente eleito de Hong Kong pusesse em prática uma chamada “lei de extradição” cujo objectivo seria o de avançar no sentido de uma integração do sistema legal em todos os territórios chineses, continentais ou insulares.
Na realidade, as manifestações foram montadas num quadro mais amplo de oposição à gradual e natural reintegração de Hong Kong na China; os organizadores dos protestos argumentam que esse processo não respeita os termos do princípio “um país, dois sistemas” imposto pelo colonialismo britânico na hora do retorno do território à soberania de Pequim, em 1997.
Os vestígios do colonialismo britânico
Hong Kong é um dos territórios violentamente confiscados pelo Império Britânico à China em 1841; foi uma colónia durante mais de 150 anos e devolvido a contragosto em 1997.
As condições do princípio “um país, dois sistemas” foram impostas pelo lado britânico para devolver teoricamente o território à soberania chinesa mas mantendo-o como um permanente posto avançado do Ocidente no interior do território chinês. O poder económico e militar do Ocidente em 1997 deixou poucas alternativas a Pequim a não ser concordar com esses termos.
Hoje a situação alterou-se. A ordem internacional anglo-americana está a desaparecer e, por outro lado, a China tornou-se a segunda maior economia mundial, pronta a ultrapassar a dos Estados Unidos a qualquer momento. Com maior poder económico e militar agora do lado chinês, Pequim tem vindo a erradicar progressivamente os vestígios da influência colonial britânica. O projecto de “lei da extradição” insere-se nesse processo.
Pequim recuperou Hong Kong através de meios económicos e políticos. Projectos como a ligação ferroviária de alta velocidade ao território e a recentemente concluída ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau contribuíram para a grande dinâmica do intercâmbio com o continente: aumentou o número de habitantes e viajantes continentais, promovendo uma grande dinâmica empresarial, política e cultural em todos os territórios chineses.
O governo eleito de Hong Kong é constituído por uma maioria de partidos e dirigentes políticos abertamente pró-Pequim, que facilmente se sobrepõe eleitoralmente aos partidos ditos “pan-democráticos” e “independentistas” do território. O projecto de “lei da extradição” surgiu no quadro dos mecanismos democráticos e legais existentes, facto que a comunicação social ocidental prefere omitir.
Uma “revolução colorida”
Incapaz de derrotar legislativamente o projecto, a oposição pró-ocidental de Pequim organizou-se para usar as ruas; e, com a ajuda da comunicação mainstream, criou a ilusão de que no território está a crescer a oposição à cada vez maior influência de Pequim.
O que não é apenas omitido – mas activamente negado – é o facto de as principais figuras da oposição estarem directamente ligadas a Washington através do National Endowment for Democracy (NED) e de organizações corporativas como a Open Society Fountadion, entidade globalista neoliberal de George Soros.
Há muito que estes sectores da oposição em Hong Kong estão expostos como directamente patrocinados pelos Estados Unidos.
É o caso de todo o núcleo de chefia dos protestos “Occupy Central” de 2014, também conhecidos como “Revolução dos Guarda-chuvas”. Daí que os meios de comunicação ocidental tenham imediatamente qualificado as actuais manifestações como a continuação das de então. E, de facto, as organizações, os partidos e as figuras que as dirigem são as mesmas.
No entanto, os meios de comunicação social comprometidos com o colonialismo tentam negar as evidências desde 2014. Num artigo desse ano intitulado “Alguns líderes chineses argumentam que os Estados Unidos e o Reino Unido estão por detrás dos protestos em Hong Kong”, o New York Times escreveu:
“Os dirigentes dos protestos afirmaram que não receberam qualquer financiamento do governo dos Estados Unidos ou de grupos sem fins lucrativos a ele associados. As autoridades chinesas preferem culpar entidades estrangeiras escondidas, argumentaram, em parte porque acham difícil que tantas pessoas comuns em Hong Kong queiram a democracia”.
No entanto, entre o que os dirigentes dos protestos afirmam e os factos documentados existem diferenças drásticas. O artigo do New York Times admite que:
“(…) O National Endowment for Democracy, uma organização sem fins lucrativos directamente apoiada por Washington, distribuiu 755 mil dólares de subsídios em Hong Kong no ano de 2012 e um adicional de 695 mil dólares no ano seguinte para incentivar o desenvolvimento de instituições democráticas. Parte desse dinheiro destinou-se a ‘desenvolver a capacidade dos cidadãos – particularmente estudantes universitários – para participarem mais efectivamente no debate público sobre a reforma política’”.
Enquanto o New York Times e os chefes dos protestos negam que este financiamento se tenha destinado especificamente aos manifestantes, os relatórios anuais das organizações de oposição revelam o contrário.
Os dirigentes da oposição de Hong Kong que recebem apoio dos Estados Unidos incluem:
Benny Tai: professor de Direito na Universidade de Hong Kong e colaborador regular do NED e do Centro de Direito Público Comparado (CCPL), financiado pela NED e também pela Universidade de Hong Kong. No relatório anual do CCPL de 2006-2007 foi nomeado membro do Conselho, cargo que ocupou pelo menos até 2013. No relatório anual do CCPL de 2012-2013, o Instituto Nacional Democrático (NDI), um ramo do NED, é citado como tendo fornecido financiamento para “projectar e implementar um portal online sobre Modelos de Sufrágio Universal onde o público em geral possa discutir, fornecer feedbacks e ideias sobre qual o método de sufrágio universal adequado para Hong Kong”.
Joshua Wong: Chefe do “Occupy Central” e secretário-geral do partido “Demosisto”. Enquanto ele e os seus próximos tentaram negar qualquer vínculo a Washington, Wong viajou para os Estados Unidos mal os protestos terminaram para receber o prémio pela sua actividade, atribuído pela Freedom House, uma subsidiária do NED.
Audrey Eu Yuet-mee: presidente do Partido Cívico. Além de intervir em iniciativas do CCPL-NDI ao lado de Benny Tai, surge associada ao Departamento de Estado norte-americano e ao seu NDI em outras acções e organizações. Frequenta regularmente os fóruns patrocinados pelo NED e NDI e, em 2009, foi a oradora principal numa conferência sobre políticas públicas promovida pelo “SynergyNet” e financiada pelo NDI. Em 2012 foi oradora convidada no evento sobre o “Dia Internacional da Mulher” organizado pelo NDI e pelo Conselho de Mulheres de Hong Kong, também financiado anualmente pelo NDI.
Martin Lee: dirigente sénior do movimento Occupy Central. Organizou e liderou pessoalmente várias marchas de protesto. Antes destas funções esteve em Washington, juntamente com Anson Chan, colaborando com o NED.
Durante uma conferência em Washington intitulada “Porque a democracia em Hong Kong é importante”, Lee e Chan expuseram toda a estratégia de suporte do movimento “Occupy Central” sobre a independência em relação a Pequim e o “autogoverno”. Num país estrangeiro e perante uma audiência norte-americana, Lee e Chan confessaram-se, ironicamente, muito dependentes. O NED sentiu-se depois na necessidade de fazer uma declaração segundo a qual nunca ajudou Lee, Chan ou qualquer chefe do “Occupy Central”.
Porém em 2015, já depois de extinto o “Occupy Central”, a Freedom House, subsidiária do NED, convidou não apenas Benny Tai e Joshua Wong, mas também Martin Lee, para um evento em Washington em que os três foram apresentados como os “líderes da democracia em Hong Kong”. Subiram ao palco exibindo os guarda-chuvas amarelos usados na “revolução colorida” e, claro, invalidando toda a argumentação tentando fazer crer que não eram apoiados pelo NED e os Estados Unidos. Entretanto, vários documentos diplomáticos norte-americanos revelados em fugas de informação revelaram que Martin Lee está há muitos anos em contacto com o governo dos Estados Unidos, do qual recebeu regularmente várias formas de ajuda.
Outras figuras da oposição foram literalmente surpreendidas durante encontros secretos com diplomatas norte-americanos, designadamente Edward Lewung e Ray Wong, em 2016.
Adiando o inevitável
Apesar da envergadura atribuída aos actuais protestos deve lembrar-se que o mesmo aconteceu em 2014 e 2016, sem que se tenham traduzido em concessões do governo democraticamente eleito em Hong Kong ou do executivo de Pequim. Independentemente do futuro imediato da “Lei da extradição”, o processo de reintegração do território na China continuará a avançar.
Quanto mais tempo, recursos e energias os Estados Unidos gastarem aplicando tácticas desgastadas envolvendo multidões patrocinadas e subversão política menos tempo, recursos e energia terão para se ajustarem a uma nova ordem internacional que surgirá inevitavelmente, apesar dos esforços de Washington.
Durante os Diálogos de Shangri-La deste ano – um fórum para discutir “a segurança da Ásia-Pacífico” – os Estados Unidos voltaram a insistir nos seus projectos para conter e cercar a China. Para reforçarem a estratégia, os Estados Unidos pretendem agregar países como a França e o Reino Unido aos seus planos, uma vez que Washington continua a não conseguir montar qualquer tipo de aliança com Estados da região.
A crescente influência da China e o seu estilo de relações internacionais construído sobre investimento, desenvolvimento de infraestruturas e não-interferência contrastam com a política externa neoimperial coerciva de Washington e da Europa, incapazes de aceitar que o Ocidente está a ficar para trás.
Os protestos em Hong Kong são organizados para tentar adiar o inevitável fim da “primazia” do Ocidente sobre a Ásia e o fracasso das suas tentativas para dominar a China. São protestos que continuarão a expor os métodos de Washington para alimentar a subversão política e o papel dos media ocidentais na sua promoção enganosa, afinal uma estratégia condenada a prazo mas que ajuda a compreender operações similares em outros lugares da Ásia-Pacífico e ao redor do mundo.
*Investigador, escritor e geopolítico baseado em Bangkok, Tailândia