O MILAGRE IMOBILIÁRIO DE NOTRE DAME

2019-05-20
O incêndio de Notre Dame libertou os grandes demónios das privatizações e do negócio imobiliário, que contam agora com um governo Macron a legislar em estado de excepção sobre a matéria. A Île de La Cité, ícone de Paris, ressuscitará como a maior das zonas turísticas da Europa mas também como fonte de onde jorrarão incontáveis lucros privados em áreas como a construção, o urbanismo, o comércio e a habitação de luxo.
Réseau Voltaire/O Lado Oculto
A operação imobiliária de renovação da Île de La Cité e da sua transformação numa zona turística iniciou-se com a adjudicação de uma parte do Hôtel Dieu, a mais antiga instalação hospitalar de Paris, à Novaxia, um grupo de “urbanismo de transição” do “filantropo” Joachim Azan.
Esta megaoperação foi idealizada em 2016, a pedido do presidente François Hollande e da presidente do Município de Paris, Anne Hidalgo, pelo director dos monumentos históricos Philippe Bélaval e o arquitecto Dominique Perrault.
Prevê tirar proveito da renovação do Tribunal de Paris, da Prefeitura da Polícia e do Hôtel Dieu, de maneira a extrair todo o potencial turístico da Catedral de Notre Dame e da Sainte-Chapelle.
O incêndio da catedral constituiu uma “divina surpresa” para os poderes públicos, que poderão assim meter mãos a este projecto e explorar comercialmente a totalidade da ilha. O que o ministro do Interior, Christophe Castaner, resumiu declarando que Notre Dame de Paris “não é uma catedral, é o nosso bem comum”.
Arrendada por 144 milhões de euros por 80 anos, uma parte do hospital de Hôtel Dieu será transformada em alojamentos e comércio de luxo e num restaurante gastronómico. Os sindicatos dos sectores de saúde, que denunciam a compressão dos serviços de urgência parisienses, protestam contra esta opção.
O concurso iniciara-se antes do incêndio da catedral.
Governo com poderes de excepção
Adoptada em processo acelerado, foi votada em primeira leitura, na Assembleia Nacional, uma lei ad-hoc para gerir a recolha de fundos para restauração da catedral. Prevê, designadamente, que o governo seja autorizado a legislar directamente sobre quaisquer medidas de excepção
1º “Às regras em matéria de urbanismo, de ambiente, de construção e preservação de património, em particular no que diz respeito à conformidade dos documentos de planificação, concessão de autorizações de trabalhos de construção, modalidades de participação do público na tomada de decisões e de avaliação ambiental, bem como de arqueologia preventiva;
2º Às regras de contratos públicos, de domínio público, arruamentos e transportes”.
O projecto imobiliário propriamente dito prevê a construção de uma rede de túneis que permitirá aos turistas acederem à cripta de Notre Dame, mas, sobretudo, permitirá que não perturbem a circulação na ilha.
O objectivo último é o de transformar a ilha de uma cidade administrativa na mais frequentada das zonas turísticas da Europa.