ESTÓNIA, LETÓNIA E LITUÂNIA BARRICAM-SE ATRÁS DE CERCAS

2018-09-21
Urszula Borecki, Varsóvia
Três países do Báltico membros da União Europeia e da NATO – Estónia, Letónia e Lituânia – anunciaram a construção de uma cerca metálica com 2,5 metros de altura e mais de 500 quilómetros de comprimento para separar os seus territórios das regiões russas adjacentes. As instâncias da União Europeia, incluindo Parlamento, estão serenas perante esta aberração, a somar às segregações étnicas há muito institucionalizadas entre cidadãos nascidos nesses países. Estará tudo isto de acordo com o “espírito europeu”?
A Estónia, país com milhão e meio de habitantes, um quarto dos quais com origem étnica russa, acaba de anunciar a construção de uma cerca metálica com 2,5 metros de altura ao longo da fronteira com a Rússia. Esta nova versão de muro, a acrescentar aos que se vão construindo através de toda o continente, terá 110 quilómetros de extensão e um custo previsto de 70 milhões de euros – o que implicaria uma retenção per capita próxima dos 50 euros. Para não sobrecarregar ainda mais os cidadãos, o governo de Tallin tem a intenção de pedir um financiamento europeu para a obra – ainda que esta possa parecer pouco de acordo com o discurso oficial da União Europeia.
Também a Letónia se vai barricar atrás de uma cerca metálica na fronteira russa, igualmente com dois metros e meio de altura, a implantar em duas fases: 90 quilómetros ainda este ano e mais de 190 quilómetros até final de 2019. O custo calculado é de 17 milhões de euros, não se conhecendo a intenção do governo de Riga em procurar financiamento em Bruxelas.
A Lituânia, ainda que em condições geográficas peculiares, não pretende ficar atrás e prepara-se para cercar o enclave russo de Kalininegrado com uma cerca metálica de 135 quilómetros de perímetro.
O objectivo invocado por fontes governamentais dos três países para edificação destas barricadas merece reflexão: “proteger as fronteiras externas da Europa e da NATO”.
Sabe-se que os muros e as valas em multiplicação na Europa se destinam, alegadamente, a servir de barreiras ao acesso de refugiados e de imigrantes oriundos de regiões flageladas pela miséria, pela seca e pelas guerras patrocinadas essencialmente pela NATO.
No caso dos três países bálticos parece haver uma intrigante contradição. Não existe qualquer movimento massivo de refugiados a partir das fronteiras com a Rússia, pelo que as cercas se justificariam mais a ocidente, onde circulam os refugiados – sabendo-se como as elites dessas nações são radicalmente xenófobas e não gostam de misturas.
A União Europeia, a Hungria e o resto
Outro aspecto desta aberração relaciona-se com a circunstância de as cercas não terem qualquer efeito militar, por muito dissuasoras que pareçam para pessoas desprovidas de equipamentos de assalto.
Assim sendo, falta uma razão plausível para construir estes muros, a não ser a de estabelecer uma separação física e bem visível entre “civilização” e “barbárie”, entre “puros” e “impuros”, entre putativas “vítimas” e eternos “agressores”.
Conhecer as posições das instâncias europeias sobre este gravíssimo procedimento seria importante, para que o cidadão comum tenha acesso às verdadeiras razões que justificariam tão drásticas medidas e não se perca entre especulações.
É verdade que Bruxelas e Estrasburgo estão muito ocupadas em chamar à ordem a Hungria de Orban, que também se barrica com cercas metálicas, valas e viola ostensivamente não apenas as normas europeias mas, sobretudo, os princípios básicos da vida em sociedade. Deveria dizer-se até que a União Europeia demorou tempo excessivo a actuar contra Budapeste.
O que pode conduzir-nos a reflectir sobre a outra face da mesma moeda. Por que razões está apenas a Hungria sob fogo cerrado, sabendo-se que réplicas do “orbanismo” atingem muitas outras regiões da Europa, por exemplo a Polónia, a Eslováquia, a Croácia, a República Checa, a Estónia, a Letónia e a Lituânia – embora esta num patamar de menor gravidade.
Não é apenas a restauração da idolatria do nazismo que está em causa em todos esses países – o que já não seria pouco.
Muito antes de anunciar a construção da cerca, já a Estónia se tornara conhecida por instaurar a xenofobia, criando um país para cidadãos de primeira e de segunda embora tenham nascido no mesmo território.
São considerados estonianos os naturais que que tinham cidadania do país até Junho de 1940 e respectivos descendentes. Quem não esteja nestas condições ou tenha nascido mais recentemente, mas com ascendentes fora das condições estabelecidas, pode vir a ser um cidadão com direitos limitados no caso de não ultrapassar ou não se sujeitar a rigorosos exames sobre pureza estoniana, designadamente o conhecimento perfeito da língua.
“Todos os países defendem as suas línguas”, argumentam os governantes de Tallin.
Mas não é disso que se trata.
A Estónia, tal como a Letónia, proibiram a utilização e o ensino da língua russa, apesar de um quarto dos seus cidadãos terem origens étnicas russas. A União Europeia diz que admite o multilinguismo, mas não toma posição contra os liberticídios cruzados que se cometem no Báltico: xenofobia institucionalizada e segregação cultural e linguística, discriminando e humilhando dezenas de milhares de cidadãos que sendo nacionais são considerados apátridas, sem direito a votar e ser eleitos, sem acesso a cargos públicos.
Perante tantas e multinacionais violações das normas europeias, designadamente através da xenofobia, discriminação étnica e cultural e cerceamento da liberdade de circulação, a União Europeia alveja a Hungria e poupa outros contumazes infractores.
Será porque a Hungria é o único entre as citadas nações que tem relações normais com a Rússia?
Então a União Europeia é tão responsável pela implantação das novas cercas metálicas como os governos da Estónia, Letónia e Lituânia. Ou mesmo mais.
Deveria até financiá-las, enquanto o presidente da Comissão Europeia desempenha o triste papel de intrépido combatente na cruzada contra os populismos. De aberração em aberração, ninguém estranharia mais esta.