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O ESTADO DA "DEMOCRACIA" HEREDITÁRIA

2019-03-30

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

Na União Europeia subsistem sete monarquias hereditárias: Dinamarca, Suécia, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Reino Unido. E outros pequenos países não formalmente mas de facto integrados na União também revestem a forma monárquica: Andorra, Mónaco, Liechenstein e o Vaticano.

Muitas vezes ouvimos a tese que estas monarquias o não são na realidade e que os monarcas não têm qualquer poder político, sendo apenas figuras emblemáticas, símbolos nacionais.

Ora se assim fosse não se justificaria a sua permanência como chefes de Estados poderosos como o Reino Unido. A verdade, porém, é muito diferente. Na realidade, em diferentes graus, todos estes reis, rainhas, grão duques, bispos ou papas têm um enorme poder político que exercem sem controlo popular, passando-o de pais para filhos.

Rei de Espanha

Filipe VI de Espanha ocupa o trono desde os 39 anos de idade, sucedendo ao pai. Muitos ainda se lembram da intervenção decisiva do rei Juan Carlos na tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981, quando utilizou os seus poderes e autoridade para mobilizar as forças militares contra os homens do general Milans del Boch que ocupavam Valência e o Parlamento em Madrid. Nesse momento pôde aferir-se o imenso poder do Rei de Espanha.

Por outro lado, a arrogância do poder de Juan Carlos também foi visível quando mandou calar, em público, um Chefe de Estado numa cimeira Ibero-americana.

Mais recentemente Filipe VI lidera o ataque ao povo da Catalunha, referindo várias vezes que não consente a independência desse território mesmo contra a vontade popular.

O rei de Espanha pertence à dinastia Bourbon de origem francesa, mas afastada do trono parisiense pelas revoluções republicanas. À mesma família pertence o Grão-Duque do Luxemburgo e a antiga família real brasileira.

Trata-se, pois, de uma família muito poderosa, imensamente rica e politicamente muito influente em diversos países e continentes.

Rainha de Inglaterra

A rainha de Inglaterra, que também reina sobre o Canadá, a Austrália, as Bahamas, Granada, Barbados, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné e alguns outros pequenos Estados, tem no Reino Unido o poder de dissolver o Parlamento, de nomear o primeiro-ministro e muitos outros poderes. Na verdade, tem mais poder que o Presidente da República Portuguesa. Por outro lado, usa esses poderes de forma discreta fazendo crer que nada manda.

Formalmente os seus direitos constam de: 1) ser consultada pelo primeiro-ministro; 2) encorajar as políticas que pretenda; 3) alertar contra as políticas que não queira. Prova do seu poder é o facto de que o primeiro-ministro se reúne uma vez por semana com a Rainha para dar conta da governação.

A actual dinastia Saxe-Coburgo Gotha, redenominada Windsor por Jorge VI face à guerra que opôs o Reino Unido à Alemanha, é uma família nobre alemã que obteve e mantém grande poder na Europa há séculos. Para além da família real do Reino Unido, outro ramo da mesma família reina na Bélgica e reinou em vários outros países, incluindo Portugal. O ramo búlgaro foi deposto, mas o seu representante Simeon Sakskoburggotski regressou ao país e foi primeiro-ministro de 2001 a 2005. No seu país natal os Saxe-Coburgo Gotha são liderados pelo Principe Andreas.

Estimam os especialistas que a Família Real Inglesa possua uma riqueza de 88 mil milhões de dólares, mais o acesso a bens públicos em vários países. As propriedades da Coroa incluem metade dos terrenos da costa do Reino Unido, incluindo 12 milhas marítimas mais perto da costa, e grande parte dos prédios do centro de Londres. Muitas outras propriedades fundiárias e avultados investimentos financeiros compõem a restante fortuna dos Windsor.

A família é, pois, imensamente rica e poderosa.

Uma lista das famílias reais mais ricas indica entre os dez primeiros: o rei de Espanha, o rei da Noruega, a rainha da Dinamarca, o rei da Suécia, o rei da Arábia Saudita, o rei da Jordânia e a rainha de Inglaterra, o príncipe do Mónaco e o rei de Marrocos.

Dinastias Civis

Nos Estados Unidos, no Canadá e em muitos outros países ocidentais várias famílias detiveram e detêm o poder numa teia de relações familiares.

No século no final do século XVIII, princípios do século XIX, os Estados Unidos foram governados pela família Adams. John Adams foi o primeiro vice-presidente dos EUA e o seu segundo presidente. O seu filho John Quincy Adams foi o sexto presidente dos Estados Unidos, exercendo de 1825 a 1829. Antes, John Quincy Adams tinha já desempenhado as funções de Secretário de Estado na Presidência de James Monroe.

Ainda nos Estados Unidos, a família Bush tem papel dominante na política há muitos anos, tendo elegido George W. Bush (n. 1946) e o seu pai George H. Bush (1924-2018) como presidentes. Por seu turno o pai de George H. Bush, um poderoso banqueiro, Prescott Bush (1895-1972), foi Senador. Um irmão de George W. Bush, Jeb Bush, foi governador da Florida. Actualmente, George P. Bush é membro do Governo do Texas. Um futuro presidente?

Um pouco mais a Norte, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, é filho do antigo primeiro-ministro Pierre Trudeau e familiar do antigo presidente do Banco do Canadá James Coyne. A família Trudeau está sempre na área do poder e com ramificações no poder cultural e económico.

Na Índia, a família Nehru-Gandhi também tem ocupado posições políticas desde a independência do país. Três gerações da família ocuparam a posição de Primeiro-ministro, primeiro Jawaharlal Nehru (pai), depois Indira Gandhi (filha) e, finalmente, Rajiv Gandhi (neto). Muitos outros familiares são parlamentares.

Na Europa das democracias temos o clã Papandreou dos socialistas gregos, em que Georges Papandreou (1888-1968) foi três vezes primeiro-ministro, o filho Andreas Papandreou (1919-1996) igualmente três vezes primeiro-ministro e o neto Georges Papandreou também ocupou o cargo, mas até agora uma só vez.

Conclusão

A hereditariedade na política dos países ocidentais capitalistas não foi removida, como se pretende fazer querer. Ela mantém-se nas inúmeras monarquias existentes e aflora em muitos países republicanos com a emergência de famílias poderosas que asseguram o controlo político por várias gerações.

Em Portugal, o escândalo das extensas relações familiares no Governo do PS é apenas uma réplica do que se passa na Administração Trump, com uma profusão de nomeações de membros da família do presidente e de outros membros do Governo.

O regresso a formas hereditárias e familiares de poder político parecem, pois, muito mais fortes em países capitalistas do que em países que se reclamam do socialismo, como a Coreia do Norte ou Cuba.

Este regresso compreende-se no âmbito da cada vez maior aproximação e subordinação do poder político, teoricamente de carácter representativo, ao poder económico, de cariz hereditário.

É provável que no futuro se assista a uma cada vez maior ocupação do espaço público por uma pequena elite de carácter familiar que reúna em si, simultaneamente, o poder político e o poder económico.

*Economista, MBA

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