IRÃO É PRETEXTO PARA ATACAR A VENEZUELA

2019-02-11
Whitney Webb*, MintPress/O Lado Oculto
“As pessoas não sabem que o Hezbollah tem células activas – os iranianos estão a prejudicar o povo da Venezuela e da América do Sul. Temos a obrigação de reduzir esse perigo para a América e é isso que faremos na América do Sul e em todo o Mundo”
Michael Pompeo, secretário de Estado norte-americano
Durante uma entrevista conduzida no passado dia 6 pela apresentadora da Fox Business, Trish Regan, Michael Pompeo fez várias declarações inusitadas, como a de que Cuba invadiu a Venezuela e “tomou o controlo do aparelho de segurança”; ou as sanções impostas ilegalmente contra a Venezuela “não se destinam a atingir o povo venezuelano”.
A afirmação mais surpreendente, porém, foi a de que o Hezbollah e o Irão estão “activos” na Venezuela, o que representa “um perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos”.
Depois de ter acusado a China, Cuba e a Rússia de interferirem nos esforços norte-americanos para instalar a figura de Juan Guaidó, financiada pelos Estados Unidos, e destituir o actual presidente, Nicolás Maduro, Pompeo proferiu a seguinte afirmação:
“As pessoas não sabem que o Hezbollah tem células activas – os iranianos estão a prejudicar o povo da Venezuela e da América do Sul. Temos a obrigação de reduzir esse perigo para a América e é isso que faremos na América do Sul e em todo o Mundo”.
A menção de Pompeo ao Hezbollah, um partido político com amplo apoio na democracia libanesa, foi interpretada em muitos meios como pretexto aparente para justificar a “obrigação” dos Estados Unidos em intervirem na Venezuela, potencialmente com forças militares, devido à associação do governo de Caracas aos inimigos norte-americanos do Médio Oriente. O que tem sido ignorado é o facto de as palavras do secretário de Estado conterem também uma ameaça de intervenção militar “em todo o mundo”.
Parece um delírio, mas é para levar a sério
De facto, se os Estados Unidos intervierem na Venezuela com o Hezbollah como pretexto, ficará aberto o precedente para a guerra onde o Hezbollah está localizado – o Líbano – e também contra o mais poderoso aliado regional do Hezbollah, o inimigo de estimação da era Trump, o Irão.
A sugestão de que o Hezbollah está “activo” na Venezuela tem vindo a tornar-se lentamente um assunto de conversa da administração Trump ao longo dos últimos dois anos, em grande parte devido à influência de Pompeo – que fez uma alusão pública ao tema em Agosto de 2017 – e também do conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton.
Bolton reforçou esta tese por via das suas ligações com o Instituto Gatestone, a que presidiu entre 2013 e 2018 e que teorizou frequentemente sobre o suposto elo Hezbollah-Venezuela durante esse período. Em Janeiro deste ano, o conselheiro de Segurança argumentou que “o Hezbollah, explorando a longa história das redes de expatriados do Médio Oriente na América Latina, permanece uma ameaça obscura, mas contínua, na Venezuela”; não forneceu, porém, qualquer prova para sustentar a afirmação, a não ser a existência de comunidades de imigrantes do Médio Oriente na Venezuela, que seria assim um sintoma da presença do Hezbollah.
Estas alegações giram, em grande parte, em torno de um homem, o ex-vice-presidente venezuelano Tarek al-Aissami, que tem ascendência sírio-libanesa. Simples suposições foram elevadas a facto real, apesar da ausência de provas concretas, por uma mistura de think tanks neoconservadores como o Centro para uma Sociedade Livre e Segura, além de ex-funcionários da administração de George W. Bush, por exemplo Roger Noriega, vinculado ao Instituto Gatestone; e, tal como Bolton, membro da Aipac, o mais poderoso lobby israelita nos Estados Unidos.
Alguns desses grupos e personalidades, com especial destaque para John Bolton, foram fundamentais para instilar a ideia de que o Irão, um aliado estratégico do “chavismo”, não é parte de uma “aliança normal”, pretendendo antes ter cobertura para supostas actividades ilícitas, designadamente concretizar as alegadas ambições de aceder à bomba nuclear. Bolton acusou a Venezuela de abrigar e colaborar com criminosos e “contrabandistas” iranianos; durante uma audiência em 2013 chegou mesmo a afirmar que o Irão opera na Venezuela para evitar o escrutínio internacional:
“Trata-se de contrabandistas especializados; a maior representação diplomática iraniana no mundo está em Caracas (…) e eles estão a lavar dinheiro através dos bancos venezuelanos”.
Bolton afirmou também que o Irão recorre à Venezuela “para manter o acesso às extensas reservas de urânio do país”, sugerindo assim que Caracas está associada ao suposto desejo iraniano de adquirir e desenvolver armas nucleares. Porém, cientistas independentes argumentam há muito tempo que os depósitos de urânio venezuelano são mínimos e provavelmente impossíveis de extrair.
Isso não impede, no entanto, os think tanks que defendem a intervenção militar de explorar o assunto. É o caso do Centro para uma Sociedade Livre e Segura e do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, de cujo conselho de administração fazem parte Henry Kissinger, o CEO da Exxon Mobil, Darren Woods, e o destacado neoconservador Richard Armitage.
Significativamente, jamais emergiu uma prova concreta de qualquer ligação ilícita entre o Hezbollah e a Venezuela ou entre este país e o Irão; tudo não passa de insinuações feitas por indivíduos e organizações com interesse em demonizar governos anti-imperialistas da América Latina e de outras regiões.
Terror aqui, terror ali, terror em toda a parte
Embora a falta de provas devesse ser suficiente para anular este tipo de acusações, elas continuam a ser replicadas por funcionários de Trump e pró-intervencionistas porque proporcionam pretextos de “ameaça terrorista” para justificar uma intervenção dos Estados Unidos, potencialmente uma acção militar contra a Venezuela, uma vez que o Hezbollah é considerado um grupo terrorista por Washington.
De facto, o interesse numa intervenção militar na Venezuela para apoiar o governo paralelo de Juan Guaidó tem sido repetido por funcionários de Trump, e pelo próprio Trump, durante os últimos dias. Com o Hezbollah e o Irão envolvidos nesta mistura, a administração norte-americana está a tentar interligar as políticas agressivas no Médio Oriente e na Venezuela como factor acrescido aos motivos para atacar este país, que está “no nosso hemisfério”, como afirmou Pompeo durante a entrevista à Fox Business.
Essa é uma interligação da qual Trump pretenderá tirar proveito nos dois sentidos. Na verdade, se os Estados Unidos conseguirem derrubar o actual governo venezuelano usando a suposta ameaça do Irão e do Hezbollah, está aberto o caminho para invocar a necessidade de intervir na fonte desses pretextos: Líbano e Irão.
Os objectivos de mudança de regime no Irão são cada vez mais claros e os funcionários de Trump promovendo o suposto vínculo entre o Médio Oriente e a Venezuela são os mesmos que há muito pressionam pelo lançamento de uma “guerra preventiva” contra Teerão.
No caso do Líbano, as ameaças norte-americanas não conseguiram minar a popularidade do Hezbollah, como ficou demonstrado nas mais recentes eleições realizadas no país. No entanto, Israel, que influencia muito a política externa da administração Trump, vem preparando uma acção militar contra o Hezbollah no Líbano, pretexto que serve igualmente para os bombardeamentos que a aviação israelita realiza contra a Síria. E que não têm poupado civis.
Os preparativos para essa guerra têm o total apoio dos Estados Unidos. E os principais chefes militares norte-americanos já declararam abertamente que quando a operação começar as tropas dos Estados Unidos estão “preparadas para morrer”; Israel e as forças armadas de Israel terão, pelos vistos, a última palavra sobre se irão norte-americanos morrer nesse conflito.
A recente declaração de Pompeo segundo a qual os Estados Unidos se vêem “obrigados a neutralizar” o perigo do Irão e do Hezbollah na Venezuela e em outros países deve ser encarada tal como é: para os neoconservadores que detêm agora o controlo total da política externa de Trump trata-se de uma promessa de que a intervenção, potencialmente uma agressão militar, na Venezuela será apenas um começo.
*Colaboradora de MintPress e de outros títulos da informação independente, além de analista convidada de cadeias de rádio e televisão. mação independente, além de analista convidada de cadeias de rádio e televisão.