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MACRON E O CONVITE QUE ASSOMBRA A EUROPA

2018-09-03

Sylvie Moreira, Paris; com Urszula Borecki, Moscovo

O presidente francês, Emmanuel Macron, convidou o seu homólogo russo, Vladimir Putin, a estar presente nas comemorações solenes do centenário do armistício da Primeira Guerra Mundial, que decorrerão em França no dia 11 de Novembro.

Embora o convite não seja ainda público e o presidente russo não tenha respondido oficialmente, a situação está a causar incómodo e polémica no interior da União Europeia e da NATO, sem excluir o establishment norte-americano.

O mesmo convite foi dirigido por Macron ao presidente norte-americano, Donald Trump, que já aceitou. As comemorações do fim da primeira grande hecatombe mundial prometem, desde já, ser um fórum de grandes movimentações mundiais mas também uma mistura de constrangimentos demonstrativos das transformações por que passa a ordem mundial prevalecente nos últimos 30 anos.

A iniciativa de Macron em direcção à Rússia numa altura em que a comunicação mainstream dos dois lados do Atlântico vive da exploração das supostas relações de “traição” entre Trump e Moscovo, demonstra que as solidariedades globalistas são cada vez mais ténues e cresce o número de países influentes que traçam as suas próprias estratégias de política externa nem sempre em sintonia com as das alianças políticas e militares que integram.

Sabe-se que Macron e Putin pretendem debater importantes temas bilaterais, designadamente a Síria, a crescente influência russa nas regiões africanas neocolonizadas pela França, designadamente a República Centro Africana, e as questões da segurança cibernética.

Em cima da mesa estarão também as demoras que o lado francês entende haver do lado russo em relação aos agréments nas renovações do pessoal diplomático.

No Ministério francês dos Negócios Estrangeiros sabe-se que esta situação decorre ainda da crise das expulsões mútuas provocadas pelo nebuloso “caso Skripal”, a propósito do qual Paris dá sinais de se distanciar cada vez mais das posições de Londres.

Movimentações e azedume

O convite de Macron foi integrado numa série de movimentações políticas e empresariais que representam claras aproximações de interesses entre Paris e Moscovo. Uma delegação do Senado francês visitou Moscovo recentemente; o mesmo deverá acontecer com um grupo de uma dezena de deputados da Assembleia Nacional, chefiados pelo próprio presidente do Parlamento.

Ao nível empresarial, a Total – acabada de sair do Irão devido às sanções norte-americanas – aproxima-se do Ártico russo através do projecto Yamal; a Engie associa-se, a par de empresas alemãs, ao gasoduto North Strem 2, apesar das críticas dirigidas por Washington às entidades que optaram por esta solução de abastecimento energético com origem russa; e a EDF estreita relações com a Rosatom russa no sector da energia nuclear

Embora a Alemanha não dê mostras de insatisfação pelo convite de Macron a Putin – tendo em conta os frequentes contactos entre a chanceler Merkel e o presidente russo – a iniciativa francesa caiu muito mal sobretudo entre países do Leste da Europa membros da União Europeia e da NATO, designadamente a Polónia, Eslováquia, República Checa e os Estados do Báltico.

Em Bruxelas há mesmo quem exija uma posição mais solidária de Macron em relação à política geral da União para com Moscovo e Trump, recordando-se em bastidores que isso é muito mais necessário desde que o presidente norte-americano incitou o presidente francês a retirar-se da União Europeia, em troca de vantagens bilaterais.

Nos bastidores da União fala-se mesmo de “traição” de Macron idêntica “à de Trump”. O mesmo tom circula em sectores do establishment norte-americano que estão em guerra contra Trump; o azedume é maior entre os democratas afectos a Hillary Clinton, que lembram, em jeito de cobrança, o apoio eleitoral dado a Macron para catapultá-lo quase do anonimato até ao Eliseu.

Confrontado com este cenário, um assessor do Ministério francês dos Negócios Estrangeiros afirma que num mundo em fase de grandes transformações “nenhum Estado pode realisticamente fechar portas a ninguém, mesmo externas às suas alianças, numa situação em que as economias produtivas de raízes nacionais, principalmente as das grandes potências, readquirem uma importância preponderante perante a indesmentível crise resultante do facto de a globalização ter assentado sobretudo no capital financeiro, muito dele especulativo e virtual”.


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