REINO UNIDO NA UE: DECLÍNIO, POBREZA E TEMPO PERDIDO

2018-11-30
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
O Reino Unido sai da União Europeia no próximo mês de Março. Que balanço pode o país fazer do período em que se manteve como membro deste bloco liderado pela Alemanha em termos de nível de vida dos seus cidadãos?
Como muitos se recordarão o Reino Unido entrou para a então Comunidade Económica Europeia em Janeiro de 1973 depois de a sua entrada ter sido duas vezes vetada pela França, em 1963 e em 1967.
Tendo a adesão encontrado séria resistência, o governo foi obrigado a realizar um referendo em 1975 em que 67% dos votos foram no sentido de manter o país na CEE. Nessa altura os britânicos e norte-irlandeses não imaginavam o que os esperava.
Vejamos algumas das consequências da permanência do Reino Unido na União Europeia.
1. Forte diminuição da influência britânica na Europa
Em 1960 o Reino Unido e um conjunto de cinco outros países europeus, Áustria, a Dinamarca, a Finlândia e Suécia e Portugal fundaram a EFTA (Associação Europeia de Comercio Livre), como alternativa à então CEE. Outros países aderiram mais tarde. Naturalmente o Reino Unido era o país de maior dimensão e com a maior economia do bloco e a sua liderança era incontestada.
Com a opção de entrar na CEE o Reino Unido contribuiu fortemente para a desagregação da EFTA, que hoje está reduzida a quatro pequenos estados - Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein - isto é, os países cujas populações rejeitaram a entrada na União Europeia.
Em vez de liderar um bloco europeu alternativo ao bloco alemão, o Reino Unido fica agora praticamente isolado no continente europeu. Um desastre em termos estratégicos. Uma situação que, obviamente, pode ser revertida mas que custará tempo e investimento.
2. Declínio económico
Nos anos 60 o Reino Unido era a quinta maior economia do mundo. Entretanto foi ultrapassado pela China e pelo Japão. Ocupa a sexta posição em virtude da desagregação da URSS, que então ocupava o segundo lugar.
Mas o pior está para vir. E a confirmarem-se as previsões da consultora Price Waterhouse Coopers (PwC), plasmadas no Relatório World 2050, a dimensão da economia britânica será ultrapassada por um conjunto de economias emergentes, quedando-se pelo décimo lugar em 2030.
Fonte: PwC, 2017
O mesmo relatório identifica dinâmicas muitos distintas de crescimento entre países (Quadro 3), surgindo o Reino Unido com um desempenho medíocre.
Quadro 3
Taxa de Crescimento esperada 2016-2050
Rosa – China; Bordeaux – Índia; Laranja – Reino Unido e Castanho – Estados Unidos
Fonte: PwC, 2017
É, também, para evitar este declínio que o Reino Unido abandona a União Europeia. Note-se que se hoje encontramos três países da União Europeia – Alemanha, França e Itália - entre as 10 maiores economias do mundo, em 2030 apenas a Alemanha aí permanecerá.
3. Aumento das desigualdades
Depois da entrada do Reino Unido as desigualdades começaram a aprofundar-se, como pode ser observado na evolução do coeficiente de Gini, que mede as disparidades de rendimento (ver Quadro 4).
Quadro 4
Evolução das desigualdades no Reino Unido
Coeficiente de Gini (1961-2016)
Fonte: Full fact, 2018
Outra forma de olhar para o crescimento das desigualdades é ver quantas vezes mais rendimento têm os 20% mais ricos do que os 20% mais pobres. Os dados são claros, os 20% mais ricos tinham menos de quatro vezes mais do que os 20% mais pobres nos anos 70; hoje têm mais de cinco vezes mais. O fosso entre ricos e pobres alargou-se durante a permanência na União Europeia.
Quadro 5
Disparidade de rendimento entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres
Fonte: Full fact, 2018
4. Aprofundamento da pobreza de largos setores da população
Fila para levantar comida do Banco Alimentar no Reino Unido
No início dos anos 70 o número de pobres no Reino Unido tinha diminuído dos 4,7 milhões registados em 1961 para apenas 2,8 milhões em 1971
Hoje, de acordo com o Relatório de 2018 do enviado das Nações Unidas, Professor Philip Alston, existem 14 milhões de pobres, um quinto da população, no Reino Unido. Destes 14 milhões de pessoas, quatro milhões vivem mesmo abaixo de metade da linha da pobreza (Alston, 2018).
Eis mais um facto indiscutível dos anos passados na união Europeia.
5. Sem-abrigo
Sem abrigo em Londres
O número de pessoas sem-abrigo em Inglaterra atingiu, em 2017, as 78 mil. A estes há que adicionar os sem-abrigo da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. No momento da adesão o número de sem-abrigo era negligenciável, praticamente fenómeno inexistente.
Um número impressionante. Podemos perceber bem a dimensão do problema se considerarmos que uma cidade como Beja tem cerca de 20 mil habitantes. É um número de sem-abrigos superior à de toda a população de Beja e Viseu em conjunto. Ou como a população das cidades de Perth (Escócia) e Salisbury (Inglaterra) juntas.
Só em Londres, as pessoas sem tecto ultrapassam as 12 mil!
Muitos morrem nas ruas. Uma tragédia.
6. Precariedade e um voto de classe
Apesar de o Partido Trabalhista ser ter mostrado dividido, com a maioria dos dirigentes a favor da permanência, muitos sindicalistas e ativistas fizeram campanha pela saída. Todos os Partidos que se reclamam comunistas apelaram ao voto na saída.
Sindicalistas a favor da saída da União Europeia
Entre as razões apresentadas por estes sindicalistas e partidos de esquerda encontram-se as seguintes razões:
• As leis (directivas) europeias sobre a concorrência, que levaram à falência industrias inglesas como a do aço;
• As leis (directivas) europeias que obrigam os Estados a privatizar os serviços públicos como a electricidade, o gás e os correios;
• As leis (directivas) europeias sobre os sindicatos que limitam a sua atividade e a contratação coletiva;
• As políticas agressivas da Alemanha, nomeadamente na desagregação da Jugoslávia, da Ucrânia, e da Síria, que provocaram milhares de mortos e refugiados.
De acordo com a central sindical britânica GMB, a precariedade invadiu as relações laborais no Reino Unido, contando-se hoje com mais de 10 milhões de trabalhadores com vínculos de trabalho precários. Nos anos 70, antes da adesão, o conceito de precariedade era mesmo desconhecido, apesar de, naturalmente, existir desemprego. Estes 7 milhões representam 33% do total de pessoas a trabalhar.
O referendo mostrou que as grandes diferenças de votação se encontram entre classes sociais. Assim, as classes mais elevadas, que em termos de sondagens são designadas por classe A/B, votaram a favor da permanência, enquanto as classes mais desfavorecidas, nomeadamente o operariado precário, o precariado, designado nas pesquisas por classes D e E, votaram esmagadoramente pela saída.
Note-se que apenas os grupos mais favorecidos, classes A e B, votaram maioritariamente pela permanência. E quanto mais pobre a classe social, mais forte o voto a favor da saída.
Como votaram os britânicos
7. Conclusões
Verificámos que, ao longo dos anos de permanência do Reino Unido na União Europeia, o país perdeu parte da sua influência internacional, declinou economicamente, tornou-se mais desigual e a pobreza aumentou significativamente.
Houve, sem dúvida, grupos beneficiados, mas o maior número foi prejudicados pela pertença a esta União dominada pela Alemanha.
A grande esperança dos que votaram pela saída, os mais pobres da sociedade, é que, uma vez livre dos constrangimentos da União Europeia, o Reino Unido possa enveredar por um desenvolvimento económico e social que permita aumentar o bem-estar e reduzir as injustiças sociais.
A saída é, sem dúvida, condição necessária mas pode não ser suficiente se as políticas não forem alteradas.
Referências
Alston, Philip (2018), Statement on Visit to the United Kingdom, by Professor Philip Alston, [online] https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Poverty/EOM_GB_16Nov2018.pdf, acedido a 26 de Novembro 2018
Fitzpatrick, Suzanne , Hal Pawson, Glen Bramley, Steve Wilcox, Beth Watts e Jenny Wood (2018), The homelessness monitor: England 2018, London, Crisis
Glennerster, Howard , John Hills, David Piachaud e Jo Webb (2004), One hundred years of poverty and policy, Reino Unido: York, Joseph Rowtree Foundation
PwC (2017), The World in 2050 – The long view: how will the global economic order change by 2050, [on line], https://www.pwc.com/world2050, acedido a 26 de Novembro de 2018
Lord Ashcroft, (2016), How the United Kingdom voted on Thursday… and why, [on line], https://lordashcroftpolls.com/2016/06/how-the-united-kingdom-voted-and-why/, acedido a 26 de Novembro 2018
*Economista, MBA