ARGENTINA: "MACRI É FOME, SUOR E SANGUE"
2018-10-11
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
A crise económica mundial que se tem vindo a avolumar e está, agora, a chegar à Europa com as bolsas em mínimos de muitos meses, atingiu já severamente dois países: a Turquia e a Argentina. Em ambos os casos decisões políticas e económicas tomadas nos Estados Unidos são causa principal embora, obviamente, não exclusiva.
Eleição de Macri
O primeiro passo da estratégia norte-americana para a Argentina foi o forte e decisivo apoio à eleição de Mauricio Macri como Presidente nas eleições de 2015, em que venceu tangencialmente Daniel Scioli da Frente para a Vitória, uma coligação ampla de partidos peronistas e de esquerda, incluindo o Partido Comunista Argentino.
Macri, oriundo de uma família de grandes empresários de origem italiana, formou-se numa das mais conhecidas universidades dos Estados Unidos. Foi Presidente da Câmara de Buenos Aires e dirigente do clube de futebol Boca Juniores. Uma carreira politica, planeada passo a passo e apoiada por fundos e conselheiros americanos.
Politica neoliberal
Mal tomou o poder, Macri liberalizou os mercados financeiros e cambiais e, mais importante, desmantelou o mecanismo de controlo cambial implementado pela sua predecessora Cristina Kirchner.
Macri prometia então que a entrada de capitais estrangeiros iria desenvolver o país e acabar com a pobreza. Na verdade os capitais entraram, dirigindo-se para a especulação e deixando o país fortemente endividado. Esta nova política foi fatal para o país, embora excelente para o sector financeiro e para os Estados Unidos.
Subida dos Juros do dólar
É que a causa da crise argentina radica nos sucessivos aumentos de taxas de juro do dólar decididas pelas autoridades norte-americanas. Em pouco mais de dois anos, as taxas foram elevadas de valores próximos de zero para mais de 2%. Uma subida substancial, abrupta e injustificada.
(US Feds Funds Rate)
Fonte: Trading Economics 2018
Esta subida de taxas do dólar coloca uma forte pressão nas moedas mais fracas, como a da Argentina, que, se não protegidas por medidas de controlo cambial, acabam obrigadas a desvalorizar e a aumentar as suas taxas de juro.
Esta combinação é letal para qualquer economia. É o que está a acontecer na Argentina.
Evolução da Taxa de Câmbio entre as moedas nacionais e o o Dólar
Fonte: Al-Jazeera 2018
Mistura explosiva: liberalização financeira e subida do dólar
A dívida em dólares contraída quando o câmbio era de 15 pesos por dólar torna-se insustentável quando esse câmbio ultrapassou os 30 pesos por dólar. O peso da dívida basicamente duplicou de um momento para o outro.
Apertado pelo peso da dívida, agora imensa devido à liberalização e à subida do dólar, e não pretendendo renegociá-la como seria sensato, Macri rendeu-se aos credores e submeteu-se ao FMI.
Intervenção do FMI
Em Junho, o governo Macri pediu a intervenção neocolonial do FMI, que lhe emprestou 50 mil milhões de dólares acompanhados das imposições habituais de cariz neoliberal: redução das despesas sociais, liberalização do mercado, privatização das empresas públicas de energia e entrega a empresas estrangeiras de importantes recursos naturais como o lítio.
Esta intervenção, contudo, só piorou a situação e o peso desvalorizou-se em Agosto mais de 25% e hoje o câmbio situa-se nos 40 pesos contra um dólar. O FMI emprestou mais sete mil milhões de dólares e um segundo e mais gravoso acordo foi assinado pelo Governo Macri.
Uma das condições dos empréstimos do FMI é que grande parte do dinheiro seja utilizado exclusivamente no pagamento da dívida externa a Bancos estrangeiros e outros credores institucionais. Assim se salvam, à custa da miséria humana, os investidores internacionais.
Outra das condições impostas é a de que o Banco Central reduzirá a zero o crescimento da massa monetária. Esta medida levará a uma redução drástica do crédito a empresas e famílias, com consequências desastrosas para o crescimento económico. Esta é uma medida fortemente recessiva que levará a uma queda ainda maior da base económica argentina.
O orçamento neoliberal de 2018 contemplou já um aumento forte aumento do pagamento de juros da dívida, que teve como contrapartida vários cortes no investimento público e nas despesas sociais. Um desastre para a economia e para as camadas mais pobres da população.
Cortes no investimento provocaram um aumento impressionante do desemprego e cortes nas despesas sociais levaram ao regresso da fome a um país que é um dos maiores produtores de bens alimentares do mundo; à perda de casa para milhares de pessoas que agora vivem como sem-abrigos em cidades como Buenos Aires, Rosário ou Sacramento; e o alastrar da miséria nas zonas urbanas e rurais. Estima-se que o número de pobres aumentou em 800 mil pessoas em poucos meses.
Sem o impulso do investimento público a economia afundou-se, entrando em profunda depressão. Em Junho o retrocesso do PIB face ao mesmo mês do ano anterior já se cifrava em 6,7%. Uma travagem de grande magnitude para a frágil economia argentina.
Crescimento do PIB argentino (2017-2018)
Fonte: Reuters 2018
Para 2019 o Governo prevê um ainda maior aumento do peso do pagamento de juros da dívida e um ainda maior corte no investimento público. Num momento em que a Argentina precisa de investimento público que impulsione a sua economia, o FMI impôs uma redução do défice para 2,7% em 2018 e 1,3% em 2019.
Isto é particularmente preocupante para pensionistas e outros beneficiários da segurança social, que sofrerão cortes importantes num momento em que a inflação se situa nos 40% !!
Mobilização Popular
A mobilização popular, as grandes manifestações têm vindo a suceder-se no mais completo silêncio e na mais profunda hostilidade dos grandes meios de comunicação social argentinos e internacionais. Em Portugal passou quase desapercebida a grande greve geral de 24 e 25 de Setembro passados na Argentina e que paralisou o país com grande adesão popular. Muitas acções estão já marcadas e a desenrolar-se em Outubro.
Por exemplo, no dia 10 de Outubro último os tarefeiros agrícolas vieram dos campos para se concentrar em Buenos Aires para exigir aumentos dos subsídios de intercolheitas congelados em valores muito baixos, que não lhes permitem sobreviver nos meses em que estão desempregados.
Entre as palavras de ordem das mobilizações populares uma talvez capture bem a realidade: “Macri, é fome, suor e sangue”. E Macri, não o esqueçamos é um produto dos Estados Unidos.
*Economista, MBA