QUE HISTÓRIA ESTUDAM OS JOVENS DE HONG KONG ?
2019-09-23
Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto
Os jovens manifestantes de Hong Kong adoptaram declaradamente a cultura britânica depois da reintegração do território na China como região especial. Ignoram o seu país e o que devem à China Popular. Para os seus avós e os avós dos seus avós, Londres não trouxe mais do que miséria e desolação, provocando a derrocada do Império do Meio.
Em frente ao Consulado britânico em Hong Kong, centenas de jovens chineses cantam o God Save de Queen e gritam “Grã-Bretanha salva Hong Kong”, apelo acolhido em Londres por 130 deputados que pedem a atribuição da cidadania britânica aos residentes da ex-colónia. A Grã-Bretanha pretende, desta forma, apresentar-se à opinião pública mundial, principalmente aos jovens, como garante da legalidade e dos direitos humanos. Fazê-lo é como apagar a História.
Por isso é necessário, antes de qualquer outra consideração, conhecer os episódios históricos que na primeira metade do século XIX levaram à colocação do território chinês de Hong Kong sob domínio britânico.
Alargar o tráfico de ópio
Para penetrar na China, governada então pela dinastia Qing, a Grã-Bretanha recorreu ao mercado do ópio, que transportava através do mar da Índia, onde era monopolista. O mercado da droga expandia-se rapidamente no país, provocando enormes prejuízos económicos, físicos, morais e sociais que suscitaram reacções por parte das autoridades chinesas. Mas quando estas confiscaram o ópio armazenado em Cantão e o queimaram, as tropas britânicas desencadearam a primeira Guerra do Ópio, ocupando esta e outras cidades costeiras e obrigando a China a assinar o Tratado de Nanquim, em 1842.
No artigo 3º estipula: “Como é evidentemente necessário e desejável que entidades britânicas disponham de portos para os seus navios e armazéns, a China cede para sempre a ilha de Hong Kong a Sua Majestade a Rainha da Grã-Bretanha e seus herdeiros”. No artigo 6º determina: “Como o Governo de Sua Majestade britânica foi obrigado a enviar um corpo expedicionário para obter a reparação dos prejuízos provocados pelo violento e injusto comportamento das autoridades chinesas, a China aceita pagar a Sua Majestade britânica a quantia de 12 milhões de dólares pelas despesas envolvidas”.
O Tratado de Nanquim é o primeiro dos tratados desiguais através dos quais as potências europeias (Grã Bretanha, Alemanha, França, Bélgica, Áustria e Itália), a Rússia czarista, o Japão e os Estados Unidos asseguraram uma série de privilégios na China pela força das armas: cedência de Hong Kong à Grã-Bretanha em 1843, a forte redução das taxas sobre mercadorias estrangeiras (num momento em que os governos europeus levantavam barreiras alfandegárias para proteger as suas indústrias), a abertura dos principais portos aos navios estrangeiros e o direito a dispôr de áreas urbanas sob sua própria administração (as “concessões”), subtraídas à autoridade chinesa.
Em 1898 a Grã-Bretanha anexou a Hong Kong a Península de Kowloo e os chamados Novos Territórios, concedidos pela China em “aluguer” por 99 anos.
O vasto descontentamento que estas imposições provocaram fizeram explodir, nos finais do século XIX, uma revolta popular – a dos Boxer – contra a qual interveio um corpo expedicionário internacional sob comando britânico e no qual participaram também a Itália e a França.
Submissão ao colonialismo
Depois de desembarcarem em Tianjin, em Agosto de 1900, essas tropas saquearam Pequim e outras cidades, destruindo numerosas aldeias e massacrando populações. No seguimento, a Grã-Bretanha tomou o Tibete, em 1903, enquanto a Rússia czarista e o Japão dividiram a Manchúria entre si.
Numa China reduzida a um estado colonial, ou semicolonial, Hong Kong transformou-se na principal porta para os tráficos assentes no roubo de recursos e na exploração esclavagista da população. Uma imensa massa de chineses foram obrigados a emigrar, sobretudo para os Estados Unidos, a Austrália e o Sudeste Asiático, onde foram submetidos a condições análogas de exploração e discriminação.
Uma pergunta surge espontaneamente: por que livros de História estudam os jovens que hoje pedem à Grã-Bretanha para “salvar Hong Kong”?