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GUERRA HÍBRIDA CONTRA A CHINA: HONG KONG E O RESTO

Os protestos dos camisas negras de Hong Kong: reclamar a "independência" com bandeiras norte-americanas

2019-08-29

Os Estados Unidos e alguns dos mais próximos Estados satélites desenvolvem contra a China uma guerra híbrida em numerosas fases e múltiplas frentes. Não faltam a ameaça militar e a perseguição comercial e económica; a guerrilha de propaganda está permanentemente presente. No quadro geral, porém, emerge a acção desenvolvida contra a soberania chinesa em Hong Kong e em relação à qual os mentores não mostram limites na utilização de tácticas extremamente perigosas.

Christopher Black*, New Eastern Outlook/O Lado Oculto

A guerra híbrida contra a China conduzida pelos Estados Unidos e um grupo de Estados satélites, do Reino Unido à Austrália, entrou numa nova fase.

A primeira fase correspondeu ao envio massivo de forças aéreas e navais norte-americanas para o Pacífico e à realização de constantes provocações contra Pequim a partir do Mar da China Meridional e do Estreito da Formosa.

O segundo período caracterizou-se por uma onda de desinformação relacionada com as atitudes do governo chinês em relação a comunidades minoritárias no país, designadamente no Tibete e na região ocidental.

É importante notar que esta campanha de propaganda foi montada por nações como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália que têm os piores registos mundiais de direitos humanos em relação aos seus povos indígenas, submetidos a séculos de genocídio cultural e físico pelos governos; práticas que prosseguem através da recusa em proteger as comunidades minoritárias de ataques físicos e manifestações de discriminação, comportamentos que chocam a consciência de qualquer observador objectivo.

Como se isso não bastasse, a campanha estendeu-se ao desenvolvimento económico da China, ao seu comércio internacional, à Organização de Cooperação de Xangai (OCX), à Iniciativa Cintura e Estrada (ICE), ao banco de desenvolvimento e outros projectos através dos quais Pequim é acusado de tentar dominar o mundo. Uma acusação que parte da própria nação que pratica embargos económicos ou ainda mais graves e ameaça com a aniquilação nuclear qualquer país, amigo ou inimigo, que resista à sua tentativa de controlar o mundo.

Quarta e quinta fases

A quarta fase da guerra híbrida é a tentativa dos Estados Unidos de minar a economia chinesa através de “tarifas” punitivas – essencialmente um embargo aos produtos chineses. O objectivo não é estabelecer um melhor acordo económico, mas sim deixar a China de joelhos apesar de essas medidas serem nocivas para os consumidores, os agricultores e os industriais norte-americanos, sacrificados assim ao objectivo principal.

No ano passado Washington passou à quinta fase, com o sequestro e a detenção ilegal de Meng Wanzhou, directora financeira da Huawei, a empresa líder em tecnologia na China; uma acção sintonizada com os esforços para que os países satélites dos Estados Unidos desistam de qualquer negociação com essa empresa. Meng Wanzhou ainda é mantida no Canadá contra a sua vontade, por ordem dos Estados Unidos. Entretanto agrava-se o assédio contra empresários chineses nos Estados Unidos, Austrália e Canadá.

Hong Kong: a sexta fase

A fase mais recente desta guerra híbrida é a insurreição provocada pelos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e os restantes satélites em Hong Kong, usando tácticas programadas para fazer com que a China reprima os manifestantes pela força, o que servirá assim para amplificar a propaganda contra Pequim; tácticas que pretendem também pressionar os “manifestantes” para que declarem a independência do território, de modo a que depois sejam apoiados pela força.

Mitch McConnell, destacado senador norte-americano, ameaçou implicitamente com este cenário numa declaração feita em 12 de Agosto, na qual afirmou que os Estados Unidos alertam a China para não bloquear os protestos que, a serem suprimidos, provocarão novos problemas. Por outras palavras, os Estados Unidos assumem que protegerão os bandidos com camisas negras, camisas fascistas. Trata-se de uma fase muito perigosa, como o governo de Pequim tem declarado repetidamente, e que deve ser tratada com inteligência e firmeza pelo povo chinês.

                                  A diplomata norte-americana Julie Eadeh orientando chefes dos protestos de Hong Kong

Existem provas abundantes de que o Reino Unido e os Estados Unidos são a mão negra por detrás dos acontecimentos de Hong Kong. Quando a Ordem dos Advogados do território se juntou aos protestos, vozes ocidentais sublinharam que até os juristas apoiam o movimento no sentido de proporcionarem justiça ao povo. Acontece que os dirigentes dessa associação são todos advogados britânicos ou membros de escritórios de advocacia sediados em Londres. Como é o caso de Jimmy Chan, chefe da chamada Frente dos Direitos Civis e Humanos, formada em 2002 com o objectivo de separar Hong Kong da China; ou Kevin Lam, sócio de outro escritório de advocacia com sede em Londres; ou Steve Kwok e Alvin Yeung, membros do Partido Cívico anti-China, que têm reuniões habituais com autoridades dos Estados Unidos.

Kwok pediu a independência de Hong Kong durante essas reuniões em território norte-americano, algumas delas patrocinadas pelo Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, e sugeriu que Washington faça uso da sua Lei da Política de Hong Kong, a qual, entre outras coisas, permite ao presidente suspender o tratamento de Hong Kong como região autónoma em termos comerciais.

O efeito seria o de prejudicar o comércio geral da China, que tem em Hong Kong importantes fontes de receitas. O presidente norte-americano pode invocar que o território “não é suficientemente autónomo para justificar que seja tratado separadamente da China”.

Em conjunto com a sugestão de Kwok, o senador norte-americano Ted Cruz, que tem manifestado inclinações fascistas através do seu envolvimento na questão da Venezuela, apresentou um projecto designado “Lei de Reavaliação de Hong Kong” exigindo que o presidente revele “como a China explora Hong Kong para contornar as leis dos Estados Unidos”.

Nem tudo corre como previsto

Parece, contudo, que a campanha de propaganda anti chinesa não está a ter os efeitos pretendidos pelos promotores. Em 13 de Agosto, o New York Times publicou um artigo no qual afirmou que “a China está a travar uma guerra de desinformação contra os manifestantes”. O texto surge em pleno período de embaraço provocado pelo facto de funcionários consulares norte-americanos terem sido apanhados em flagrante reunindo-se com chefes dos protestos num hotel de Hong Kong; coincide também com declarações claras de apoio aos desacatos proferidas pelos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido e ainda com tentativas para tratar Hong Kong como um Estado independente. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos postularam, perante a situação, que qualquer coisa afirmada por Pequim em relação ao território é pura desinformação.

O artigo do NYT é explícito quanto aos objectivos do Reino Unido e dos Estados Unidos quando diz que “Hong Kong, que a Grã-Bretanha devolveu ao domínio chinês em 1997, continua fora do raio de acção da China e, portanto, está do outro lado da linha que estabelece uma das divisões mais profundas do mundo. Preservar a liberdade da cidade em viver sem os controlos do continente tornou-se uma das causas que motivas os protestos”.

O conceito assim exposto é contrário à Lei de Bases que define o acordo entre o Reino Unido e a China quando Londres finalmente concordou em deixar o território. É importante estarmos cientes do que estabelece essa lei, promulgada em 4 de Abril de 1990 mas que entrou em vigor em 1 de Julho de 1997.

O Preâmbulo da lei declara:

“Hong Kong faz parte do território da China desde a antiguidade; foi ocupada pela Grã-Bretanha depois da Guerra do Ópio, em 1840. Em 19 de Dezembro de 1984, os governos chinês e britânico assinaram a Declaração Conjunta sobre a Questão de Hong Kong afirmando que o Governo da República Popular da China retomará o exercício da soberania sobre Hong Kong com efeitos a partir de 1 de Julho de 1997, cumprindo-se, assim, a reconhecida aspiração comum do povo chinês à recuperação de Hong Kong.

Defendendo a unidade nacional e a integridade territorial, mantendo a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong e levando em conta a sua história e realidades, a República Popular da China decidiu que, com o regresso de Hong Kong à soberania chinesa, é nomeado um Administrador Especial Administrativo de Hong Kong. A região será definida de acordo com as disposições do artigo 31º da Constituição da República Popular da China e segundo o princípio de ‘um país, dois sistemas’, pelo que o sistema e as políticas socialistas não serão praticados em Hong Kong. As políticas básicas da República Popular da China em relação a Hong Kong foram elaboradas pelo governo chinês na Declaração Conjunta Sino-Britânica.

De acordo com a Constituição da República Popular da China, o Congresso Popular Nacional decreta a Lei de Bases da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China definindo os sistemas a serem praticados na Região Administrativa Especial de Hong Kong para garantir a implementação das políticas básicas da República Popular da China em relação a Hong Kong”.

Hong Kong faz parte da China. Este é o facto essencial estabelecido pela Lei de Bases acordada entre Londres e Pequim. É uma Região Administrativa da China, não é um Estado independente e nunca o foi quando a Grã-Bretanha a tomou pela força e ocupou.

Portanto, o argumento de que os manifestantes tentam preservar algo que nunca existiu, a liberdade de controlo em relação à China, é falso. O facto de a China ter permitido a Hong Kong manter o seu sistema capitalista confirma isso. O facto de a China poder instaurar o socialismo após 50 anos, ou antes disso se certas condições forem cumpridas, também o confirma.

O principal pretexto para os tumultos foi uma lei de extradição proposta entre o continente e Hong Kong, semelhante às que existem entre províncias do Canadá e Estados norte-americanos. Apesar disso, o documento foi retirado pelas autoridades administrativas.

O segundo pretexto é a alegação de que a insistência da China na sua soberania sobre o território anula, de alguma forma, a autonomia limitada concedida a Hong Kong. Não tem qualquer fundamento.

Poderiam existir movimentos para dividir o Canadá ou até os Estados Unidos em pedaços com base em argumentos falsos. O mesmo em relação ao Reino Unido, que aliás se confronta com desafios de grupos nacionalistas na Irlanda do Norte, na Escócia e no País de Gales. Sabemos muito bem que muitos desses protestos provocariam acções rápidas de repressão no caso de os governos centrais se sentirem ameaçados. Sobretudo se tivessem a violência que caracteriza os protestos dos camisas negras de Hong Kong. Vemos o que acontece em Espanha perante o movimento independentista catalão – que tem dirigentes forçados ao exílio. Sabemos do que os Estados Unidos são capazes perante algumas manifestações pacíficas. Os britânicos já nos demonstraram o estilo dos seus comportamentos quando são postos perante acções por uma reunificação da Irlanda.

A China enfrenta ataques em várias frentes e simultâneos, o que exige sabedoria, resistência e firmeza do povo chinês para defender a sua revolução e livrar-se do domínio colonial e imperialista de uma vez por todas. Aqueles que agitam bandeiras britânicas e norte-americanas nos protestos em Hong Kong revelam quem são. Eles não são o futuro da China. São a personificação de uma história morta, de ideias caducas, zombies do passado.

*Advogado de direito criminal internacional com escritório em Toronto. Autor de ensaios sobre direito internacional, política e acontecimentos mundiais


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